A
invenção da Hip Hopera
Um dos mais importantes centros de pesquisa
psiquiátrica do país, a Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp), há anos, receita a música
para tratar vítimas do abuso das drogas - e resolveu
agora fazer a inusitada junção de estilos tão
distantes como a ópera e o rap.
Para cuidar dos adolescentes vítimas
das drogas e aumentar a auto-estima deles, o Projeto Quixote,
da Unifesp, emprega a cultura hip hop, combinação
de dança break com rap e grafite, trazendo a rua para
dentro dos consultórios. "O desafio é aproximar
o erudito do popular", comenta o psiquiatra Auro Danny
Lescher, coordenador do Projeto Quixote, que, no passado,
fez doentes mentais virarem atores no Grupo Birutas das Artes
Cênicas.
Lescher imaginou que a ópera com a
estrutura discursiva do rap seria o recurso ideal para que
os jovens contassem a vivência com as drogas e com a
violência das ruas. Nos seus primórdios, por
retratarem os dramas do cotidiano, as óperas eram espetáculos
populares. "As árias vão dar lugar aos
raps, resgatando as histórias de vida dos participantes
e a sua auto-estima sem perder o foco principal da cultura
hip hop, que é a contestação", propõe
Lescher.
Nasce, assim, o estilo "hip hopera"
- numa mistura de ritmos e de profissionais. Além de
psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, entraram
na experiência psiquiatras, atores, músicos e
artistas plásticos. As aulas de vídeo - o plano
é filmar o espetáculo - são dadas por
Cao Hamburguer, um dos criadores do mundialmente premiado
"Castelo Rá-Tim-Bum".
Encarar a arte popular como um remédio
sempre fez parte das experiências do Projeto Quixote,
nascido em meio à epidemia de crack que se espalhou
pela cidade na década de 90. Até então,
nem os especialistas em saúde pública nem, muito
menos, a polícia sabiam lidar com essa epidemia, que
espalhava morte e violência. O ritmo das ruas, trazido
para dentro dos consultórios, era um jeito de atrair
os adolescentes, sempre desconfiados de tudo o que parecesse
público ou ligado ao governo. Com base nessa combinação
entre arte, rua e terapia, Lescher entendeu uma frase que
leu do educador Paulo Freire, para quem "a boniteza tem
de estar de mãos dadas com a decência em qualquer
processo educativo".
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