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Banespa e interesse nacional

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

A autorização dada pelo governo para que o Banespa (Banco do Estado de São Paulo) seja vendido a estrangeiros está sendo analisada de forma equivocada. Diante da reação negativa dos grandes bancos nacionais, pergunta um primeiro: "Não será medo da concorrência?". Questiona outro: "Não estarão querendo pagar um preço menor?". Só faltava um terceiro concluir: "Devemos fazer como os países desenvolvidos, que são "modernos", sempre abertos à competição internacional".

Tudo isso não passa de ideologia neoliberal. Uma ideologia que demorou para chegar ao Brasil, mas que, quando chegou, no início dos anos 90, foi entendida por nós brasileiros de forma literal. O pêndulo político virou radicalmente: éramos nacionalistas e estatizantes, tornamo-nos cosmopolitas liberais. Não percebemos que o liberalismo econômico é muito bonito em teoria, mas que, na prática, nenhum país desenvolvido o pratica integralmente.

O mercado é, sem dúvida, um excelente alocador de recursos. A concorrência obriga as empresas a serem eficientes e inovadoras. Não há alternativa econômica para o capitalismo. Tudo isso é certo, mas daí não se segue que os países ricos estejam dispostos a ver suas empresas e seus bancos serem desnacionalizados de forma vexatória como aconteceu com o Brasil na década passada.

Os franceses defendem suas empresas, os alemães defendem suas empresas, os ingleses defendem suas empresas, os italianos defendem suas empresas, até os americanos, que em princípio não precisariam, defendem suas empresas. Não impedem sistematicamente que estrangeiros as comprem, mas também não abrem as portas.

Quando se trata de uma empresa estratégica, como é um grande banco de varejo, simplesmente não permitem que a transação se complete. Enquanto isso, nós permitimos a desnacionalização de grandes empresas brasileiras e de grandes bancos. Decididamente, enlouquecemos.

O princípio seguido pelos países ricos nessa matéria é simples: “Faça como eu digo, não como eu faço”. E o princípio adotado por nossas elites é igualmente simples: “Faço como eles dizem que eu devo fazer, não como eles fazem”. Por que essa assimetria?

Porque eles já criaram uma nação e nós, não; porque possuem sociedades civis atuantes e nós, não; porque contam com Estados fortes e governos dotados de competência e legitimidade e nós, não; porque são credores e independentes e nós, devedores.

E qual a consequência disso? O nosso subdesenvolvimento relativo crescente. Enquanto os países ricos se desenvolvem a taxas elevadas, nós, desmentindo todas as ingênuas teorias (e esperanças) de convergências, vemos nossa renda "per capita" crescer a passos de tartaruga e a nossa distância em relação a eles aumentar a cada dia.

Elio Gaspari, em coluna publicada na Folha (2/1/2000), cobrou uma posição dos banqueiros nacionais a respeito da autorização de venda do Banespa para grupos estrangeiros, lembrando que lhes falta legitimidade para isso, já que sempre apoiaram desnacionalizações em outros setores.

Todavia, resgatando o empresariado nacional, no mesmo dia, na própria Folha, um grande banqueiro nacional, Fernão Bracher, criticou com firmeza a autorização. Lembrou que os grandes bancos nacionais mantiveram a rolagem da dívida pública quando os bancos estrangeiros anunciavam irresponsavelmente a quebra do país. E que essa decisão dos nossos bancos foi essencial para garantir o êxito da desvalorização do real.

Vendas de empresas a estrangeiros podem ser, em alguns casos, aconselháveis. Não é esse, porém, o caso de bancos. Banco é uma concessão do Estado, uma concessão feita de acordo com condições que podem ser muito mais efetivamente exigidas pelo Estado quando a empresa é nacional.

Banco não é uma empresa como as outras. Banco cria moeda, só pode fazê-lo em nome do Estado. Banco rola a dívida pública e o fará muito melhor se for um banco nacional. Os bancos são os depositários da poupança nacional. Os outros tipos de empresas não possuem um órgão de fiscalização como os bancos têm, muito menos um banco central que define, por meio dos bancos, a política monetária do país.

Quando os banqueiros reclamam do “excesso” de regulamentação a que estão sujeitos, esquecem que uma regulamentação forte interessa não apenas ao país, mas aos próprios bancos. Regulamentação frouxa leva a crises financeiras e a privatizações indesejáveis.

Por outro lado, quando a crise financeira desponta, é função do governo defender os bancos, como foi feito com o Proer. Em compensação, quando os bancos obtêm lucros excessivos derivados de súbitas valorizações ou desvalorizações da moeda nacional, devem ser taxados, como já aconteceu muitas vezes em países desenvolvidos.

Não vou, entretanto, continuar argumentando. Haverá sempre bons argumentos do lado contrário. Argumentos frios, abstratos, elegantes, matemáticos. Podem todos ser refutados com outros argumentos igualmente elegantes. Mas o momento não está para isto, mas para repensar o Brasil.

O presidente Fernando Henrique Cardoso imprimiu uma primeira grande mudança de rumo quando decidiu desvalorizar o real. Poderia ter escutado seus conselheiros e esperado mais algum tempo até que arrebentasse; antecipou-se e foi bem-sucedido.

Não será a hora de, novamente, antecipar-se e mudar a política em relação à empresa nacional? E não seria essa uma excelente oportunidade: começar com um grande banco como o Banespa?

Em sua edição de 9/1/2000, a Folha informa que o BC exigirá participação em leilões de privatização para bancos estrangeiros aumentarem suas agências no país. Será isso uma mudança de política na direção certa ou mera forma de estimular bancos estrangeiros a participar do leilão do Banespa?

Por que não mudar a política para valer e afirmar que grande banco de varejo deve ser brasileiro? Ao fazer isso, o presidente estará dando um basta à estratégia do "confidence building" a qualquer preço, estará dizendo um não à aplicação indiscriminada de princípios liberais, estará rejeitando a política do "faça como eu digo, não como eu faço". Estará dizendo à nação, aliás, como já o estão fazendo os demais chefes de governo social-democratas, que já chegou o momento de o pêndulo político mudar novamente de rumo e apontar para políticas em que o Estado proteja o interesse nacional de forma mais clara.

Luiz Carlos Bresser Pereira é professor titular de economia da Fundação Getúlio Vargas (SP). Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de da Fazenda (governo Sarney). É autor de "Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil", entre outros livros.

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