Quando esteve no Brasil, há três anos, Sandy Weill, então presidente do grupo Travelers, andou buscando oportunidades para investir. Na época, um dos possíveis alvos era o BCN que, de fato, acabou vendido para o Bradesco.
Um banco de investimentos mostrou a Weill os números do BCN e suas virtudes. Ele ouviu, olhou os números, mas não se impressionou. “E este Banco do Brasil, não dá para comprar?”, perguntou.
É esse estilo agressivo, ambicioso, que levou o Travelers, em 98, a se fundir com o Citibank e formar o maior banco americano. E foi com o mesmo apetite que Weill passou pelo Brasil, esta semana, para comemorar os 85 anos do Citi no país e para avisar que vai às compras.
Não dá para subestimar Weill. Na época da fusão com o Citi, a idéia era que Weill e o então presidente do Citi, John Reed, dividiriam o poder na nova instituição. No ano passado, Reed deixou o dia-a-dia da administração do Citi para Weill. Neste ano, aos 61 anos, anunciou sua aposentadoria (Weill tem 67 anos). Nos próximos dias, Reed estará no Brasil e na Argentina para despedidas.
A mensagem de Weill no Brasil foi claríssima. O Citi, com uma base de capital superior a US$ 50 bilhões, lucrou US$ 10 bilhões no ano passado, um retorno impressionante para países desenvolvidos.
Weill prometeu aos acionistas repetir a dose nos próximos cinco anos, ou seja, gerar um lucro adicional de US$ 1,5 bilhão a US$ 2 bilhões ao ano. Para manter um retorno desse tipo, só existe uma receita: buscar rentabilidades excepcionais em mercados emergentes, como explicou Weill num jantar, terça-feira, em São Paulo.
Como? Em vez de ter de 2% a 6% do mercado, em mais de cem países, o Citi quer ter uma participação muito mais significativa num grupo de elite de 8 a 12 países emergentes. O Brasil está no topo da lista. Participação significativa é algo como uns 10% do mercado, traduz o presidente do Citi no Brasil, Alcides Amaral. Para chegar lá, só com aquisições.
Concorrentes lembram que pode existir alguma contradição entre aumentar a rentabilidade e ampliar a massa de clientes, já que o retorno maior se obtém na elite. Essa, aliás, sempre foi a filosofia predominante do Citi no Brasil, algo desviada no passado recente, sem muito sucesso.
Amaral argumenta que aquisições bem feitas podem ser muito lucrativas. Falar em aquisições não combina com a história do Citi no Brasil, mas combina, e muito, com a história do Travelers e de Weill.
O Banespa é um alvo declarado, especialmente por sua base de clientes. Da rede física de agências, só interessaria manter uns 70%. Mas não se deve descartar outros alvos no Brasil ou, quem sabe, até fora daqui.
O Citi perdeu enorme terreno na América Latina para os bancos espanhóis. Talvez por conhecer o estilo de Weill, há quem imagine o Citi indo às compras na Espanha, para levar um lote de uma só vez.
O outro banco americano que está na disputa pelo Banespa é o Fleet, dono do BankBoston no Brasil. Muitos vêem sua presença no leilão como simbólica, mas o Boston jura que não. Existem hoje US$ 3 bilhões disponíveis no caixa do Fleet nos Estados Unidos, dizem seus executivos. O melhor retorno está aqui.
Ao contrário do Citi, contudo, o Boston não quer ampliar muito sua presença como banco de varejo e sim consolidar sua posição como banco de elite. É essa estratégia que explicaria o fato de o Boston ter mantido resultados trimestrais sempre crescentes desde 1991.
O Banespa não interessa pela rede de agências e sim pelos correntistas mais ricos. O Boston tem 150 mil clientes com renda mensal superior a R$ 4.000. O Banespa tem 300 mil, de um total de 3 milhões de correntistas. O Banespa, portanto, interessa, desde que o preço seja razoável.
Tiros no FMI
Muito mais devastador para o FMI do que as demonstrações de rua, nesta semana, em Washington, foi o artigo escrito no “The New Republic” por Joseph Stiglitz, que foi o economista-chefe do Banco Mundial de 97 a este ano e é candidatíssimo a um Prêmio Nobel de Economia. Foi tão devastador que mereceu uma resposta, duríssima, do economista Rudiger Dornbusch, do MIT, no número seguinte.
Stiglitz descreve a origem dos economistas do Fundo como “estudantes de terceira categoria de universidades de primeira categoria”. Os modelos do FMI são “frequentemente furados e ultrapassados”. As análises dos países são tão burocráticas que ele conta que descobriu-se, por um descuido na digitação, que o relatório feito por uma missão do FMI num país copiava páginas do relatório feito para outro país.
A arrogância do Fundo e do Tesouro americano levou a políticas desastrosas na Ásia e na Rússia. Na Ásia, recomendando juros altos para uma economia em bancarrota e ajuste fiscal para quem tinha superávits fiscais. Na Rússia, recomendando terapia de choque onde não havia nem sequer instituições básicas.
Na Ásia, o “staff” dizia aplicar políticas duvidosas pela pressão política do “board” de diretores; amigos de Stiglitz no “board” diziam exatamente o contrário. Nem o FMI nem o Tesouro admitem debate sobre suas políticas, decididas em segredo.
Dornbusch contra-atacou dizendo que a política do FMI na Ásia foi um sucesso e que Stiglitz “ “não tem a menor idéia sobre macroeconomia e estabilização”. No meio da crise asiática, lembrou, Stiglitz recomendou uma desvalorização cambial na China, que teria sido desastrosa.
Ninguém do FMI, por enquanto, respondeu, mas vai ser difícil ignorar o barulho feito por Stiglitz.
Celso Pinto é membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo e diretor de redação do jornal Valor Econômico.