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23/04/2006
-
09h13
ELVIRA LOBATO
JANAINA LAGE
da Folha de S.Paulo, no Rio de Janeiro
A maior companhia da história da aviação brasileira está em ruína por ter reproduzido vícios de má administração estatal e por ter estimulado o corporativismo típico de entidade sindical, sendo uma empresa privada.
Controlada acionariamente pelos empregados, por meio da Fundação Ruben Berta, a Varig deixou que seus problemas se avolumassem e esperou por uma solução salvadora do Estado, que não veio. Tudo indica que não sobreviverá para completar 80 anos em 2007 --caso não seja vendida.
A Varig não se ajustou para enfrentar as crises conjunturais do mercado de aviação e o aumento da concorrência. Para 54 aeronaves em operação, possui 9.400 empregados, dos quais 1.400 são pilotos e co-pilotos.
Na TAM, a proporção era de 1.034 pilotos e co-pilotos para 79 aviões no ano passado, segundo dados do balanço financeiro. Hoje, a TAM tem um total de 9.669 empregados para 81 aeronaves.
A Varig tem média de quase 26 pilotos por avião (13 da TAM). Em 2003, o número de funcionários por aeronave da Varig (201) era mais do que o dobro do da TAM (88) e do da Gol (85), mostra tese de doutorado defendida na Escola Politécnica da USP pelo professor Antonio Henriques de Araújo Jr., da Unesp.
Ouvidos pela Folha, ex-presidentes da empresa, como Ozires Silva, dizem que os funcionários não permitiram demissões ou ajustes. Ozires lembra frase de Ruben Berta: "Quando criou a fundação e passou aos empregados a propriedade, ele disse que a Varig somente cairia se os empregados assim deixassem. Parecem palavras proféticas".
Arnim Lore, que deixou a presidência após o conselho curador da FRB ter recusado um acordo com credores, ressalta o custo financeiro da empresa. "Os gastos a prejudicavam em relação a outras empresas. Havia uma série de problemas: incapacidade financeira, gestão e eficiência."
Os governos dos últimos 24 anos também são responsabilizados, por ex-dirigentes, pelos problemas da Varig. Sustentam que a origem da crise está na defasagem dos preços das passagens acumulada nos governos de José Sarney (1985-90) e Fernando Collor (1990-92) e que a empresa foi instrumento de política externa, tendo sido levada a operar rotas deficitárias para a África e a América Latina por mais de dez anos.
Gestão e planejamento
A abertura do mercado, principalmente nas rotas para EUA e Europa, surpreendeu a companhia, que esperava compensar o preço elevado da passagem com a qualidade do serviço. As tarifas desabaram, e a Varig nunca fez um sério controle de custos.
Até 2005, havia mais de cem pessoas na companhia com poder de autorizar passagens gratuitas. "Os salários eram menos vinculados a horas de vôo e acima da média do mercado", afirmou um dos ex-dirigentes. A maioria prefere não se identificar ao comentar a situação da empresa.
Mas alguns, como o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, que defende a ajuda do governo à Varig, atacam abertamente, culpando a FRB pelos problemas de gestão e acusando o acionista controlador de ter permitido "as mais altas comissões de companhia aérea para as agências de viagens, que surgiam de primos, amigos e parentes dos dirigentes". Lessa foi presidente do BNDES em 2003 e 2004 e negociou com o controlador da Varig.
Presidente da empresa entre 2000 e 2002, Ozires acha que o principal aspecto negativo da companhia é a governança corporativa. "Os empregados não querem ceder nada. O plano de demissões voluntárias que propus não foi aceito pela empresa, controlada por funcionários. Eles disseram não, e assim foi."
Apesar disso, defende a participação do governo na recuperação da empresa e na salvação da marca. "A sacudida que a Varig está levando agora é para optar entre o aspecto corporativo e as garantias de emprego. É um momento de reflexão, de salvar os empregos."
Passivo a descoberto
O último balancete financeiro da Varig, de setembro de 2005, mostra um passivo a descoberto de R$ 7,2 bilhões. Significa que, se todos os ativos forem vendidos pelo valor contábil, esse é o valor que faltará para pagar as dívidas.
De 1990 para cá, ela só teve lucro em 1994 (US$ 202 milhões) e em 1997 (US$ 25 milhões). Todos os demais anos terminaram no vermelho e com um rombo cada vez maior. Desde 1999, tem déficit operacional. Ou seja, além das dívidas que já tem, seu funcionamento dá prejuízo. A participação no mercado doméstico, hoje, caiu a menos de 19%.
A maior parte (64%) das dívidas da Varig é com o governo e com empresas estatais. O segundo maior credor é o fundo de pensão Aerus. Esse perfil de dívida contribuiu para a atitude da empresa de aguardar uma solução do Estado para os problemas, em vez de impor sacrifícios contra a crise.
Governo militar
O rombo da Varig começou a se formar no governo João Baptista Figueiredo (1979-85), quando ela encomendou à Boeing cinco 747-300, com financiamento japonês. O México declarara moratória, e os EUA suspenderam os empréstimos às empresas brasileiras.
A empresa foi autorizada a buscar crédito no Japão. Com a valorização do iene, o custo das aeronaves duplicou em dólar. Em 1999, quando os aviões foram desativados e devolvidos, ficou uma dívida de US$ 250 milhões.
Luiz Martins, que presidiu a Varig de 2003 a 2005, aponta a política de reserva de informática, dos anos 80, como outro fator negativo sobre a empresa. Segundo ele, enquanto a importação de computadores esteve proibida, ela "fabricou" computadores para informatizar as agências de viagem. "É injusto atribuir a crise da Varig à má gestão. Nenhuma companhia chega a um déficit de R$ 7 bilhões apenas por incompetência."
Reajuste de tarifas
Na gênese da crise da Varig há outro fator atribuído ao governo: o descasamento entre o reajuste das passagens e o aumento do custo dos insumos, principalmente do querosene.
A Varig reivindica na Justiça a reposição de perdas sofridas entre 1986 (início do Plano Cruzado) e 1991 (governo Collor) por insuficiência de reajuste tarifário. Na ocasião, a empresa calculou suas perdas em US$ 986 milhões.
O
STJ (Superior Tribunal de Justiça) deu ganho à Varig, mas a União recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo a Fundação Getulio Vargas, a reposição pedida soma R$ 4,4 bilhões.
Paternalismo
Em 1982, o fundo Aerus foi criado com vantagens para os empregados que só uma estatal se permitiria. Além da contribuição do patrocinador e dos empregados, o governo criou taxa adicional de 3% sobre o valor das passagens dos vôos domésticos para capitalizar o fundo. Previu-se, na época, que a taxa perduraria por 30 anos, mas foi extinta após oito anos.
Funcionários conseguiram se aposentar, nos anos 80, com apenas três anos de contribuição. Por muito tempo, o fundo ofereceu pecúlio por morte bancado somente pela Varig. O plano atuarial previa contribuição dos aposentados de 7,6% sobre o valor do benefício, que foi derrubada em 86, por pressão dos funcionários.
O cálculo da aposentadoria começou limitado a dois tetos do benefício oferecido pelo INSS e acabou liberado em 1989, o que elevou o fosso entre o patrimônio e os compromissos assumidos.
Trem descarrilhado
A Varig, segundo informações de executivos que já estiveram em seu comando, assemelha-se a um trem descarrilhado, sem a mínima estabilidade. De 2000 para cá, a empresa teve nove presidentes. Os empregados se dividem em várias facções que se atacam.
"As diretorias do sindicato, da Associação dos Pilotos, da Fundação Ruben Berta e do Aerus estão em constante luta política e influenciam na empresa. Tudo na Varig é para o curto prazo, não há tempo para decisões estratégicas", diz um ex-presidente que não quis ser identificado.
No seu jingle mais famoso, de 1967, a Varig era a "estrela brasileira no céu azul, iluminando de Norte a Sul". Uma versão atualizada poderia cantar uma estrela cadente em céu nublado, se apagando de Norte a Sul.
Colaboraram Leo Gerchmann, da Agência Folha, e Maeli Prado, da Reportagem Local
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JANAINA LAGE
da Folha de S.Paulo, no Rio de Janeiro
A maior companhia da história da aviação brasileira está em ruína por ter reproduzido vícios de má administração estatal e por ter estimulado o corporativismo típico de entidade sindical, sendo uma empresa privada.
Controlada acionariamente pelos empregados, por meio da Fundação Ruben Berta, a Varig deixou que seus problemas se avolumassem e esperou por uma solução salvadora do Estado, que não veio. Tudo indica que não sobreviverá para completar 80 anos em 2007 --caso não seja vendida.
A Varig não se ajustou para enfrentar as crises conjunturais do mercado de aviação e o aumento da concorrência. Para 54 aeronaves em operação, possui 9.400 empregados, dos quais 1.400 são pilotos e co-pilotos.
Na TAM, a proporção era de 1.034 pilotos e co-pilotos para 79 aviões no ano passado, segundo dados do balanço financeiro. Hoje, a TAM tem um total de 9.669 empregados para 81 aeronaves.
A Varig tem média de quase 26 pilotos por avião (13 da TAM). Em 2003, o número de funcionários por aeronave da Varig (201) era mais do que o dobro do da TAM (88) e do da Gol (85), mostra tese de doutorado defendida na Escola Politécnica da USP pelo professor Antonio Henriques de Araújo Jr., da Unesp.
Ouvidos pela Folha, ex-presidentes da empresa, como Ozires Silva, dizem que os funcionários não permitiram demissões ou ajustes. Ozires lembra frase de Ruben Berta: "Quando criou a fundação e passou aos empregados a propriedade, ele disse que a Varig somente cairia se os empregados assim deixassem. Parecem palavras proféticas".
Arnim Lore, que deixou a presidência após o conselho curador da FRB ter recusado um acordo com credores, ressalta o custo financeiro da empresa. "Os gastos a prejudicavam em relação a outras empresas. Havia uma série de problemas: incapacidade financeira, gestão e eficiência."
Os governos dos últimos 24 anos também são responsabilizados, por ex-dirigentes, pelos problemas da Varig. Sustentam que a origem da crise está na defasagem dos preços das passagens acumulada nos governos de José Sarney (1985-90) e Fernando Collor (1990-92) e que a empresa foi instrumento de política externa, tendo sido levada a operar rotas deficitárias para a África e a América Latina por mais de dez anos.
Gestão e planejamento
A abertura do mercado, principalmente nas rotas para EUA e Europa, surpreendeu a companhia, que esperava compensar o preço elevado da passagem com a qualidade do serviço. As tarifas desabaram, e a Varig nunca fez um sério controle de custos.
Até 2005, havia mais de cem pessoas na companhia com poder de autorizar passagens gratuitas. "Os salários eram menos vinculados a horas de vôo e acima da média do mercado", afirmou um dos ex-dirigentes. A maioria prefere não se identificar ao comentar a situação da empresa.
Mas alguns, como o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, que defende a ajuda do governo à Varig, atacam abertamente, culpando a FRB pelos problemas de gestão e acusando o acionista controlador de ter permitido "as mais altas comissões de companhia aérea para as agências de viagens, que surgiam de primos, amigos e parentes dos dirigentes". Lessa foi presidente do BNDES em 2003 e 2004 e negociou com o controlador da Varig.
Presidente da empresa entre 2000 e 2002, Ozires acha que o principal aspecto negativo da companhia é a governança corporativa. "Os empregados não querem ceder nada. O plano de demissões voluntárias que propus não foi aceito pela empresa, controlada por funcionários. Eles disseram não, e assim foi."
Apesar disso, defende a participação do governo na recuperação da empresa e na salvação da marca. "A sacudida que a Varig está levando agora é para optar entre o aspecto corporativo e as garantias de emprego. É um momento de reflexão, de salvar os empregos."
Passivo a descoberto
O último balancete financeiro da Varig, de setembro de 2005, mostra um passivo a descoberto de R$ 7,2 bilhões. Significa que, se todos os ativos forem vendidos pelo valor contábil, esse é o valor que faltará para pagar as dívidas.
De 1990 para cá, ela só teve lucro em 1994 (US$ 202 milhões) e em 1997 (US$ 25 milhões). Todos os demais anos terminaram no vermelho e com um rombo cada vez maior. Desde 1999, tem déficit operacional. Ou seja, além das dívidas que já tem, seu funcionamento dá prejuízo. A participação no mercado doméstico, hoje, caiu a menos de 19%.
A maior parte (64%) das dívidas da Varig é com o governo e com empresas estatais. O segundo maior credor é o fundo de pensão Aerus. Esse perfil de dívida contribuiu para a atitude da empresa de aguardar uma solução do Estado para os problemas, em vez de impor sacrifícios contra a crise.
Governo militar
O rombo da Varig começou a se formar no governo João Baptista Figueiredo (1979-85), quando ela encomendou à Boeing cinco 747-300, com financiamento japonês. O México declarara moratória, e os EUA suspenderam os empréstimos às empresas brasileiras.
A empresa foi autorizada a buscar crédito no Japão. Com a valorização do iene, o custo das aeronaves duplicou em dólar. Em 1999, quando os aviões foram desativados e devolvidos, ficou uma dívida de US$ 250 milhões.
Luiz Martins, que presidiu a Varig de 2003 a 2005, aponta a política de reserva de informática, dos anos 80, como outro fator negativo sobre a empresa. Segundo ele, enquanto a importação de computadores esteve proibida, ela "fabricou" computadores para informatizar as agências de viagem. "É injusto atribuir a crise da Varig à má gestão. Nenhuma companhia chega a um déficit de R$ 7 bilhões apenas por incompetência."
Reajuste de tarifas
Na gênese da crise da Varig há outro fator atribuído ao governo: o descasamento entre o reajuste das passagens e o aumento do custo dos insumos, principalmente do querosene.
A Varig reivindica na Justiça a reposição de perdas sofridas entre 1986 (início do Plano Cruzado) e 1991 (governo Collor) por insuficiência de reajuste tarifário. Na ocasião, a empresa calculou suas perdas em US$ 986 milhões.
O
STJ (Superior Tribunal de Justiça) deu ganho à Varig, mas a União recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo a Fundação Getulio Vargas, a reposição pedida soma R$ 4,4 bilhões.
Paternalismo
Em 1982, o fundo Aerus foi criado com vantagens para os empregados que só uma estatal se permitiria. Além da contribuição do patrocinador e dos empregados, o governo criou taxa adicional de 3% sobre o valor das passagens dos vôos domésticos para capitalizar o fundo. Previu-se, na época, que a taxa perduraria por 30 anos, mas foi extinta após oito anos.
Funcionários conseguiram se aposentar, nos anos 80, com apenas três anos de contribuição. Por muito tempo, o fundo ofereceu pecúlio por morte bancado somente pela Varig. O plano atuarial previa contribuição dos aposentados de 7,6% sobre o valor do benefício, que foi derrubada em 86, por pressão dos funcionários.
O cálculo da aposentadoria começou limitado a dois tetos do benefício oferecido pelo INSS e acabou liberado em 1989, o que elevou o fosso entre o patrimônio e os compromissos assumidos.
Trem descarrilhado
A Varig, segundo informações de executivos que já estiveram em seu comando, assemelha-se a um trem descarrilhado, sem a mínima estabilidade. De 2000 para cá, a empresa teve nove presidentes. Os empregados se dividem em várias facções que se atacam.
"As diretorias do sindicato, da Associação dos Pilotos, da Fundação Ruben Berta e do Aerus estão em constante luta política e influenciam na empresa. Tudo na Varig é para o curto prazo, não há tempo para decisões estratégicas", diz um ex-presidente que não quis ser identificado.
No seu jingle mais famoso, de 1967, a Varig era a "estrela brasileira no céu azul, iluminando de Norte a Sul". Uma versão atualizada poderia cantar uma estrela cadente em céu nublado, se apagando de Norte a Sul.
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