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02/05/2006
-
09h27
IGOR GIELOW
Secretário de Redação da Folha de S.Paulo, em Brasília
A execução com tintas, digamos, "bolivarianas" do projeto de tutela energética de Evo Morales dá fôlego à recuperação de um clichê para situações do tipo: citar o velho ditado espanhol segundo o qual criadores de corvos terão os olhos arrancados por eles.
Pois, se antes as pretensões megalômanas do Itamaraty esbarravam no fato óbvio de que o Brasil não tem o peso nem as condições para executá-las, ao menos isso gerava riscos menos palpáveis, algumas discussões até relevantes e muitas piadas de salão.
Mas a inabilidade da tão festejada diplomacia brasileira em cuidar do único lugar do mundo em que o peso do país é verdadeiro, a América do Sul, agora começa a cobrar faturas imediatas.
A política do "cría cuervos" já havia dado espaço para o venezuelano Hugo Chávez aprontar.
Encastelado no emirado "bolivariano", o coronel conseguiu virar a referência que Lula não é na região, molhando a mão de petróleo e inspirando clones como Morales. Enquanto isso, Brasília lhe deu foro privilegiado no já cambaleante Mercosul e dá corda para o plano "nonsense" de trazer gás venezuelano ao Sudeste.
Mas ao menos as estripulias totalitárias de Chávez já lhe garantiram alguns "gelos" de Lula. Morales é outra história. Claramente pautado pela agenda de Chávez, até pela similaridade de possuir recursos energéticos abundantes, o boliviano foi apoiado ostensivamente por Lula em sua campanha --aliás, um gesto diplomaticamente condenável.
E o que o Brasil ganhou com isso? Sem entrar no mérito da questão da siderúrgica EBX, que não é exatamente uma inocente vítima, e no direito que um país miserável tem de controlar sua única riqueza, o fato é que a Bolívia colocou o Brasil na defensiva.
Não é questão de orgulho nacional, mas de enxergar uma realidade geopolítica. O Brasil perdeu o controle na relação com as lideranças vizinhas que ajudou a fomentar. Isso não significa defender a ingerência nos assuntos internos da colcha de retalhos de países deixados como principal lembrança do Bolívar hoje tão reverenciado, mas esperar que Brasília ocupe seu lugar de líder regional com a "altivez" sempre tão propagandeada pelo governo.
É argumentável que a Petrobras tenha tratado a Bolívia como parceira subalterna desde que transformou o gás do país numa matriz energética essencial para o Brasil. Talvez tenha agido como "vilã imperialista" mesmo, e seja necessário respeitar o indígena que resgata seu país de humilhações seculares.
Mas não é sinal de "vigor democrático" ver militares comandados por um suposto aliado ocupando instalações brasileiras. É distorção achar que é preciso tratar os vizinhos mais pobres com paternalismo. É preciso pragmatismo sem arrogância, clareza no cumprimento de pactos e cooperação dentro da realidade.
O Itamaraty, seja ele lulista, tucano ou "bolivariano", precisa voltar ao seu papel primordial, a defesa do chamado "interesse nacional". Enquanto isso não acontecer, os corvos seguirão se fartando de globos oculares. Míopes, é verdade, mas ainda olhos.
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Secretário de Redação da Folha de S.Paulo, em Brasília
A execução com tintas, digamos, "bolivarianas" do projeto de tutela energética de Evo Morales dá fôlego à recuperação de um clichê para situações do tipo: citar o velho ditado espanhol segundo o qual criadores de corvos terão os olhos arrancados por eles.
Pois, se antes as pretensões megalômanas do Itamaraty esbarravam no fato óbvio de que o Brasil não tem o peso nem as condições para executá-las, ao menos isso gerava riscos menos palpáveis, algumas discussões até relevantes e muitas piadas de salão.
Mas a inabilidade da tão festejada diplomacia brasileira em cuidar do único lugar do mundo em que o peso do país é verdadeiro, a América do Sul, agora começa a cobrar faturas imediatas.
A política do "cría cuervos" já havia dado espaço para o venezuelano Hugo Chávez aprontar.
Encastelado no emirado "bolivariano", o coronel conseguiu virar a referência que Lula não é na região, molhando a mão de petróleo e inspirando clones como Morales. Enquanto isso, Brasília lhe deu foro privilegiado no já cambaleante Mercosul e dá corda para o plano "nonsense" de trazer gás venezuelano ao Sudeste.
Mas ao menos as estripulias totalitárias de Chávez já lhe garantiram alguns "gelos" de Lula. Morales é outra história. Claramente pautado pela agenda de Chávez, até pela similaridade de possuir recursos energéticos abundantes, o boliviano foi apoiado ostensivamente por Lula em sua campanha --aliás, um gesto diplomaticamente condenável.
E o que o Brasil ganhou com isso? Sem entrar no mérito da questão da siderúrgica EBX, que não é exatamente uma inocente vítima, e no direito que um país miserável tem de controlar sua única riqueza, o fato é que a Bolívia colocou o Brasil na defensiva.
Não é questão de orgulho nacional, mas de enxergar uma realidade geopolítica. O Brasil perdeu o controle na relação com as lideranças vizinhas que ajudou a fomentar. Isso não significa defender a ingerência nos assuntos internos da colcha de retalhos de países deixados como principal lembrança do Bolívar hoje tão reverenciado, mas esperar que Brasília ocupe seu lugar de líder regional com a "altivez" sempre tão propagandeada pelo governo.
É argumentável que a Petrobras tenha tratado a Bolívia como parceira subalterna desde que transformou o gás do país numa matriz energética essencial para o Brasil. Talvez tenha agido como "vilã imperialista" mesmo, e seja necessário respeitar o indígena que resgata seu país de humilhações seculares.
Mas não é sinal de "vigor democrático" ver militares comandados por um suposto aliado ocupando instalações brasileiras. É distorção achar que é preciso tratar os vizinhos mais pobres com paternalismo. É preciso pragmatismo sem arrogância, clareza no cumprimento de pactos e cooperação dentro da realidade.
O Itamaraty, seja ele lulista, tucano ou "bolivariano", precisa voltar ao seu papel primordial, a defesa do chamado "interesse nacional". Enquanto isso não acontecer, os corvos seguirão se fartando de globos oculares. Míopes, é verdade, mas ainda olhos.
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