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24/09/2006 - 09h00

Estou como criança deixando a Disney abruptamente, diz dona da Daslu

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GILBERTO DIMENSTEIN
Colunista da Folha de S.Paulo

No dia 23 de agosto passado o médico Bernardino Tranchesi insistiu para que Eliana Tranchesi, 50, sua ex-mulher, fizesse exames para saber se o estresse provocado pelas turbulências comerciais da Daslu não lhe teriam afetado a saúde. Até então, ela se sentia bem e disposta. Desdenhou as recomendações, mas, para não contrariar o ex-marido, acabou se submetendo a uma bateria de exames. Rapidamente descobriu um câncer no pulmão.

"A crise da Daslu e mais o câncer me fizeram sentir como se eu fosse uma criança deixando abruptamente a Disney. Até então, eu imaginava a vida como uma grande brincadeira."

A Daslu é, em essência, segundo ela, a sua versão adulta para a Disney. De badalada empresária de sucesso, Eliana passou a conviver com as acusações de sonegação de impostos e até de insensibilidade social, foi detida para depoimentos na polícia, viu seu irmão, algemado, ser conduzido à prisão e tornou-se foco de rumores de que seu negócio quebraria. "Caí na real."

Nesta entrevista concedida à Folha, ela conta como está enfrentando a doença e se mostra otimista, dizendo que, depois das sessões de quimioterapia e de radioterapia, tudo voltará ao normal.

Também revela como foi o drama familiar por causa das operações contra a Daslu --"sou uma vítima"--, as dificuldades comerciais da empresa e reconhece que deveria estar mais preparada para saber lidar com questões administrativas, para as quais afirma nunca ter dado muita atenção. Comentou que, se pudesse voltar atrás, além de Disney, deveria ter feito sua vida "um pouco mais com Wall Street e Harvard".

A empresária afirma que, com todos esses episódios, perdeu a "ingenuidade" e está mais desconfiada. E que está aprendendo o valor das coisas simples, como a luz do sol batendo nas flores ou um pássaro bebendo água em seu jardim.

FOLHA - O que exatamente está acontecendo com a sua saúde?
ELIANA TRANCHESI - Tirei um tumor que eu tinha no pulmão esquerdo. Além da retirada do tumor, eles [os médicos] estão fazendo um tratamento combinado de quimioterapia e radioterapia, porque chegaram à conclusão de que é o mais eficaz para não ter reincidência da doença. Serão mais 45 dias, com 34 aplicações. É uma parada na vida.

FOLHA - Como descobriu?
TRANCHESI - O Bernardino [Tranchesi, médico, ex-marido] me conhece muito bem e desconfia de que, com todos os episódios da Daslu, eu poderia desenvolver alguma doença por causa de tamanha carga de estresse. Sabe o que aquele baque todo foi para mim, porque me conhece desde os 15 anos e sabe que eu sou muito controlada. Não sou de gritar, não perco o prumo. Então, achou que, em algum momento, eu ia somatizar. Resolvemos que, só para descartar qualquer coisa, eu faria um exame. Fui fazer esse exame numa clínica que, por coincidência, toda vez em que passava na frente, eu fazia o sinal da cruz.

FOLHA - Como se sentia?
TRANCHESI - Despreocupadérrima, só estava satisfazendo a vontade do Bernardino. O médico disse que algo estava errado no pulmão. Poderia ser uma tuberculose, um fungo ou um tumor. Aí comecei a ficar preocupada. Logo de manhã estava de novo fazendo exames, quando já comecei a me sentir meio doente. Você lá vê todo mundo de peruquinha. Está todo mundo fazendo exame, cada um fica contando o seu caso.

FOLHA - Qual foi sua reação com o resultado?
TRANCHESI - A crise da Daslu e mais o câncer me fizeram sentir como se eu fosse uma criança deixando abruptamente a Disney. Até então, eu imaginava a vida como uma grande brincadeira. Senti que, até aquele momento, eu vivia da Disney e que isso podia acabar. Vida, para mim, é busca da alegria. A Daslu é a Disney, onde tudo é lindo, as vendedoras são lindas, o cabelo é lindo, a roupa é linda, é tudo bonito. É tudo agradável. Então, de repente, você sai desse mundo da Disney e cai lá dentro do [hospital Albert] Einstein já com um monte de pacientes com câncer. Nesses últimos 30 anos de trabalho, tirando o episódio policial, foi muito esforço, mas tudo com jeito de brincadeira. A minha vida profissional foi um sucesso, a Daslu era matéria nas principais revistas de moda do mundo. Tudo isso depois de um começo simples, apenas vendendo roupa para amigas na casa de minha mãe.

FOLHA - Como você está reagindo ao tratamento?
TRANCHESI - Há dias em que eu não consigo falar. É uma coisa, uma fraqueza que eu nunca tinha sentido. É mais do que você ter corrido uma maratona. Saúde é uma coisa que a gente não tem noção até faltar.

FOLHA - Até que ponto você imagina que exista uma relação com o tumor? Você fumava?
TRANCHESI - Não fumava havia 15 anos. Fumei muito pouco. Não sei dizer se há relação entre todo esse estresse e o câncer; só posso dizer que nunca sofri tanto. De repente, de Disney só lembrava dos trechos de histórias de terror. Poucos meses depois do episódio da Daslu, meu pai, que já estava bem velho, morreu. Seus últimos meses foram de constrangimento por ver o nome da família daquele jeito no jornal. Sentia uma pena ao pensar nele. Ele me recortava tudo o que saía no jornal e não se conformava que eu não podia ligar para o jornalista e falar que eu não era aquela pessoa que eles estavam colocando. "Pai, é assim, não dá, saiu, saiu, não adianta ler tudo e ficar aborrecido." "Não, mas não é possível que você não possa telefonar para a pessoa e explicar? Vou escrever uma carta." Ah, coitado, ele lia tudo, recortava tudo. Meu irmão Antonio Carlos [Piva de Albuquerque, um dos diretores da Daslu] foi preso, levado algemado para a prisão e teve uma profunda depressão. Saiu de lá e foi internado numa clínica.

FOLHA - Como seus filhos reagiram?
TRANCHESI - Eu tinha medo da reação deles. Quando fui levada para prestar depoimento, os filhos é que sempre vinham à cabeça. Eu lembrava que, uma vez, tinha comentado sobre uma fábrica de sapatos que não dava nota [fiscal]. Luciana, minha filha, estava junto e disse: "Mãe, sonegar é crime". Então, aquilo não me saía da cabeça, aquela menininha falando para mim que "sonegar é crime", e eu lá, colocada como a maior sonegadora do país. Ficou uma imagem horrorosa minha, da Daslu. Todo o resto que a gente tinha feito a vida inteirinha, lavou, não existe mais?

FOLHA - Como as ações policiais e da Receita afetaram os negócios?
TRANCHESI - Fiquei 12 meses sem conseguir importar. A gente trouxe um monte de mercadorias, mas ficaram retidas. Vieram todos os rumores de que iríamos quebrar ou de que venderíamos a Daslu. Tive de reduzir o número de funcionários. Para mim, foi dificílimo. Mas não está em questão vender [a butique].

FOLHA - Essas situações que fazem com que toquemos no limite costumam ser dolorosamente as mais didáticas. O que está aprendendo?
TRANCHESI - Estou aprendendo a acordar. Nossa, meu Deus, que alegria é acordar. Olhar o jardim. Agora, olho assim e falo: "Ai, que lindo". Sempre achei que tudo na vida ia dar certo. Aí levei um tranco quando as coisas ficaram difíceis demais. Acho que nunca cresci tanto em tão pouco tempo, porque caí na real. O espírito cresce. O sucesso nos afasta de coisas essenciais e mais profundas.

FOLHA - Como está lidando com o medo da morte?
TRANCHESI - Vou me curar, tenho certeza. Tenho até vontade de falar para o médico que já me sinto curada, que não quero mais fazer químio, não quero mais fazer rádio. Sinto que estou reagindo bem.

FOLHA - Falando em aprendizado, você acha que valeu a pena fazer um investimento comercial tão alto, com tanta visibilidade?
TRANCHESI - Não me arrependo. Nós moramos numa cidade que é a maior da América Latina. Por que ela não pode ter um centro de luxo? Meu erro foi ter imaginado que iria atrair mais orgulho do que inveja.

FOLHA - Mas o fato é que um imóvel daquelas proporções foi interpretado com mais um sintoma da desigualdade brasileira...
TRANCHESI - A imprensa internacional só elogiou nossa ousadia. E o que muita gente da imprensa brasileira disse? Que eu tinha de ser apresentada para a favela. Ô, mas o que é isso? Eu era governo? Eu tinha obrigação? A favela era responsabilidade minha? Ou eu tinha alugado um imóvel apenas e estava fazendo o meu negócio? A responsabilidade minha era com os meus funcionários, que estavam muito bem atendidos do começo ao fim do dia.

FOLHA - Também é fato que as investigações ganharam mais impulso, ou pelo menos mais visibilidade, com a mudança...
TRANCHESI - Se existe irregularidade, não é com a Daslu, mas com as importadoras. Mas, se acharem que tem irregularidade, então apurem o que for irregular. O fisco cobra, e a gente paga. Ninguém está contra pagar. Não foi levantado até hoje o que a Daslu deve. Eles estão [investigando] há 13 meses, e não sei quanto deveria pagar. Nós estamos esperando. Todo esse tempo, esses 13 meses, eu trabalhei só para tapar buraco. Eu, que estou acostumada a empreender, só crescia, só aumentei, de repente você pensar que eu perdi 13 meses da minha vida só tentando consertar coisas? Quanta coisa podia ter construído.

FOLHA - Mas, certamente, algo você teria feito diferente na Daslu para ter evitado tamanho desgaste...
TRANCHESI - Teria me envolvido mais na parte administrativa. Sou muito de criação, marketing, estratégia da loja e tal. Estudei artes plásticas, nunca me interessei nos meandros do crédito, débito, não sabia nada disso. Era casada com um médico muito bem-sucedido. Eu nunca precisei trabalhar. Nunca liguei para dinheiro. Nem contava quanto tinha. Hoje, tenho gente que sabe, mas aprendi muito. Aprendi muito neste ano. Aprendi que, além da Disney, deveria ter colocado mais Wall Street na minha vida. E também um pouco de Harvard.

Especial
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