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13/02/2007 - 03h19

Leia entrevista com João Sicsú, da UFRJ, sobre a política cambial

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da Folha Online

Confira a íntegra da entrevista com o economista João Sicsú, da Universidade Federal do Rio, concedida ao colunista Vinicius Torres Freire, sobre política cambial.

Folha - As taxas de juros reais e a diferença entre taxas de juros reais (Brasil x títulos EUA) caem há mais de um ano. Mas o ritmo de apreciação do real apenas desacelerou (mais ou menos a partir de meados de 2006). Se o diferencial de juros é relevante para a apreciação do real, quando então ocorreria o efeito retardado dessa redução dos juros sobre a taxa de câmbio?
João Sicsú - Não há qualquer dúvida de que o diferencial de juros é uma variável importante para explicar o fluxo de capitais para o Brasil. A questão fundamental, no caso desta variável, não é a sua trajetória, mas o seu nível. Embora esteja em queda, ainda é muito alta. E, portanto, ainda não provocou redução da entrada e/ou estímulo à saída de capitais. O que provocou a redução do ritmo de apreciação cambial nos últimos meses foi a atuação mais intensa do Banco Central criando demanda no mercado de divisas para formar reservas. Se não fosse a atuação do Banco Central, já estaríamos comprando dólares nas lojas de "tudo a R$1,99".

Folha - Ou outro fator estaria contendo o efeito da redução do diferencial de juros sobre o câmbio?/b>
João Sicsú - Há outro fator que continua empurrando o dólar para baixo: é a atratividade da bolsa de valores brasileira. É extraordinário o índice de valorização de certas ações. Deve ser lembrado que existe uma relação inversa entre índice da bolsa brasileira e a taxa de juros básica doméstica. Sendo assim, quando a taxa de juros cai, o que desestimula a aquisição de títulos públicos, o Ibovespa sobe, o que estimula a aquisição de ações. A redução dos juros indicaria um cenário de estabilidade e crescimento o que é um ambiente favorável ao investimento em bolsas de valores. Ademais, deve ser lembrado que o governo Lula, durante a gestão de A.Palocci, isentou capitais estrangeiros do pagamento de imposto de renda em transações com títulos públicos o que aumentou a rentabilidade líquida desses ativos, apesar da que da taxa de juros básica.

Folha - Tal fator seria a calmaria financeira mundial e a melhora de certos 'fundamentos' brasileiros (desdolarização da dívida, nível de reservas, estabilidade etc, reduzem a percepção de risco, ao mesmo tempo em que há muita liquidez no planeta e alternativas insuficientes de rentabilidade alta)?
João Sicsú - O fato surpreendente é a liquidez despejada pelos países avançados nos mercados financeiros dos países em desenvolvimento. A quantidade não surpreende, muito embora seja elevada considerando o tamanho das economias emergentes. Os grandes fundos internacionais de investimento somente reservam uma parte pequena das suas carteiras para aplicar nos mercados financeiros emergentes, certamente menos que 10% do seu total de recursos. O que surpreende é o tempo de permanência desses capitais em mercados considerados de risco. Parece contraditório, mas o Brasil continua sendo um país de risco para aplicações de longo prazo, as razões são óbvias: (i)-o país não adere a uma trajetória de crescimento satisfatória e (ii)-a taxa de câmbio está muito valorizada, o que faz aumentar o risco de desvalorização. A permanência por tanto tempo dos capitais financeiros no Brasil não faz parte de uma estratégia financista de longo prazo, mas sim da renovação quase que diária de avaliações positivas do binômio rentabilidade-risco no curto prazo. O risco-Brasil de longo prazo continua muito alto, ou seja, os fundamentos são frágeis - o que está baixo é o risco-país produzido pelo J.P.Morgan (que é uma mera aritmética, que não leva em conta fatores subjetivos e muito menos horizontes temporais maiores) e que representa tão somente possibilidades de honrar dívidas no curto prazo do governo e empresas brasileiras. Se de forma repentina, inexplicável, típica de financistas, as avaliações de curto prazo se tornam pessimistas, tudo vai se desmontar, porque o câmbio e o crescimento possuem taxas muito baixas. Estamos dependentes do humor das finanças e de seus movimentos.

Folha - Concorda que o acúmulo de reservas cambiais (redução da 'vulnerabilidade externa'), tudo mais constante, reforça a tendência de apreciação do real?
João Sicsú - A vulnerabilidade externa se reduziu, mas está muito muito muito longe do ideal. O volume de reservas já é razoável, é capaz de garantir nove meses de importações. Contudo, este índice de reservas poderia ser melhorado. A Malásia tem de reservas trinta meses de importação. A Coréia tinha durante a crise asiática dos anos 1990 um volume aproximado de reservas de 25 bilhões de dólares. Hoje possui quase 250 bilhões. Além disso, a vulnerabilidade externa somente será reduzida quando os ativos denominados em reais sofrerem restrições para serem convertidos em dólares. A própria dívida interna somente estará livre de ser dolarizada novamente se houver restrição à conversibilidade de ativos denominados em reais para ativos denominados em dólares e/ou quando o volume de reservas atingir "padrões asiáticos". A opção por dolarizar a dívida doméstica foi uma decisão tomada em uma situação de emergência quando o país estava mergulhado numa crise cambial e não possuía mais reservas suficientes e desta situação limite nós não estamos livres.

A tendência atual dos países que estão atraindo capitais em excesso o que aprecia a sua taxa de câmbio é o estabelecimento de controles sobre a entrada de capitais. Esse foi o caso da Argentina, que adotou a medida de forma preventiva. E da Tailândia também, que somente depois que já tinha perdido o seu saldo positivo em transações correntes adotou a medida. A valorização aguda da moeda da Tailândia provocou a queda das suas exportações e o aumento das importações.

Folha - Como a queda de juros e o acúmulo de reservas não contiveram, por ora ao menos, a apreciação do real, qual seria então o nível de intervenção (em juros e/ou reservas) necessário para ao menos estabilizar a taxa de câmbio? Tal nível de intervenção existe ou seria praticável, dadas as atuais condições da economia e das contas públicas?
João Sicsú - A atuação do Banco Central tem sido tímida, somente tem impedido uma maior valorização de um câmbio que já está demais valorizado. Estamos numa situação perigosa, semelhante àquela promovida pelo Plano Real: câmbio estável e muito valorizado. Caso o PAC produza os resultados esperados de crescimento, as importações vão crescer de uma forma ameaçadora. Portanto, o Banco Central tem que ter uma atuação compatível com a política fiscal de gastos do PAC, reduzir a taxa de juros (com um plano de aceleração de queda dos juros) e iniciar um processo de desvalorização gradual do real para que em 18 a 24 meses tenhamos uma taxa de câmbio muito favorável às exportações de manufaturados. Nossa vulnerabilidade externa será revelada quando o país crescer a uma taxa de 5% e praticar uma taxa de câmbio valorizada, tal como esta de aproximadamente R$2,10.

Folha - Se o 'canal financeiro' é muito relevante na valorização do real, é possível imaginar uma redução de juros forte e rápida o bastante para reduzir o influxo de capitais (e, pois, a apreciação do real) que, ao mesmo tempo, seja compatível com a meta de inflação (tudo mais constante, crescimento econômico e contas fiscais mais ou menos dentro das expectativas atuais)?
João Sicsú/b> - A redução dos juros é benéfica para tudo e todos, menos para aqueles que vivem de rendas ou administram carteiras financeiras. O influxo de juros deve ser reduzido com medidas de controle sobre a entrada, isto é, fazendo o que o Chile fez durante quase uma década e o que a Argentina está fazendo hoje. A taxa de juros na Argentina é muito baixa, próxima à americana. Mas seus ativos se valorizam devido ao crescimento econômico e assim, percebeu-se que ter uma taxa de juros baixa é importante para reduzir a atratividade de certos papéis domésticos, mas não é capaz de reduzir a atratividade de todos os papéis.

Com uma taxa básica de juros menor sobrariam recursos no orçamento para as obras previstas no PAC, haveria estímulo ao investimento privado devido à redução de atratividade dos ativos financeiros, haveria a redução do custo de carregamento de reservas por parte do setor público (que é a diferença entre juros doméstico e internacional) e haveria uma redução da relação dívida PIB (está provado que em contexto de baixo crescimento a redução dos juros provoca uma queda da relação dívida/PIB, esta tendência tende a se fortalecer se houver crescimento vigoroso).

A inflação brasileira foi explicada, em grande parte, nos últimos anos pela elevação demasiada dos preços administrados que em média crescem a uma velocidade que é dobro daquela dos preços livres. O País precisa de um programa amplo de manutenção da estabilidade de preços que deve ir muito além do "samba de uma nota só" da taxa de juros. É necessário um programa de investimentos em rodoanéis e metrô para reduzir os engarrafamentos das grandes capitais e aumentar a produtividade dos transportes públicos e desta forma manter suas tarifas estáveis. É preciso uma política cambial que mantenha o câmbio estável e elimine o efeito pass-through das variações do câmbio para os preços domésticos. É preciso ainda um programa de administração dos preços administrados, que são mais livres do que os preços livres; a maior prova disto é que os preços administrados crescem a uma velocidade maior que própria inflação medida pelo IPCA. Com um programa de estabilidade dos preços, a taxa de juros ficaria isenta de tanta responsabilidade e poderia ser muito baixa.

Folha - O Brasil do real ainda teria uma 'commodity currency' ou algo próximo disso?
João Sicsú - Se considera que o saldo comercial é muito relevante na valorização do real, o que esperar de uma queda do superávit na balança? Nessa hipótese, haveria decerto desvalorização relevante do real. Qual o risco de inflação 'cambial' decorrente de uma piora nos termos de troca e/ou de uma redução do saldo devida a crescimento econômico maior? O risco de repasse ('pass through') da depreciação para a inflação ainda é alto?
Não se deve pensar sequer na possibilidade de redução dos saldos comerciais para reduzir a entradas de dólares e assim reduzir as pressões de valorização. Primeiro, isso geraria um clima de pessimismo generalizado e todos os componentes de uma crise cambial estariam potencializados. Segundo, os saldos comerciais mais do importantes, são necessários: possibilitam a entrada de recursos para que importações possam ser realizadas, para que as dívidas públicas e privadas externas possam ser pagas e para que o Banco Central possa forma reservas. O pass-through câmbio-preços tem um efeito dramático. O câmbio precisa ter uma política de estabilização, isto seria também um política antiinflacionária. Ampliar o saldo em transações correntes com um câmbio estável e competitivo deve ser uma meta.

Folha - Estamos presos à alternativa 'ou real forte ou inflação maior'?
João Sicsú - O debate sobre a sobrevalorização do real tende a ser retórico e politizado (no mau sentido). Mas há quem diga que a sobrevalorização do real ainda não afeta criticamente o saldo comercial (ou a conta corrente) devido à excepcional situação dos termos de troca, e que tal situação ou não é sustentável ou é de risco. Concorda?

O saldo comercial brasileiro ainda não foi afetado de forma significativa pela valorização do real somente porque os preços das commodities subiu de uma forma extraordinária nos últimos quatro anos. Mas a valorização da taxa de câmbio potencializou o atraso brasileiro: estabeleceu um perfil da pauta de exportações baseado em muito peso (produtos básicos) e pouco valor agregado (que estão nos produtos manufaturados). Ademais, essa pauta sacrifica demasiadamente o meio ambiente, quando a soja e gado invadem as florestas, e degrada a infra-estrutura brasileira esburacando estradas e engarrafando portos. Com uma pauta mais leve, com mais valor e de preços mais estáveis no mercado internacional, o país estaria assumindo a cara dos asiáticos que de fato se desenvolvem. Dessa forma, teria uma infra-estrutura com custo de manutenção muito mais baixo, poderia aumentar ainda mais o seu volume de reservas, se desenvolver tecnologicamente e preservar o meio ambiente.

Folha - Embora, na média, os termos de troca estejam favoráveis, há setores em dificuldades devido à apreciação do real (e que não se tornaram abruptamente pouco competitivos, decerto): manufaturados básicos, bens intermediários, parte do setor de bens de capital (os 'mecânicos'). Acredita que a apreciação do real pode/vai provocar danos, ou mesmo dar cabo, de elos da cadeia industrial brasileira? Acreditando ou não, considera isso um problema?
Entre quem não acredita nos influxos de capital atraídos por juros altos, há o argumento de que a aposta do capital 'externo' em juros brasileiros não se dá por meio de ingressos de recursos, mas por meio de operações em mercados futuros no exterior (como em contratos de reais eg).
Mas alguns economistas criticam tal avaliação: haveria sim ingresso de dólares, que seria o resultado final das operações de cobertura de risco efetuadas pelas instituições financeiras que oferecem aplicações em reais no exterior e por aquelas que estão na outra ponta dessas operações de cobertura de risco, de casamento de posições. Tais operações, por variados caminhos, acabariam em operações de venda de dólares nos mercados de dólar futuro e spot, pressionando o câmbio e o futuro de juros.
Concorda com qual das duas visões?

João Sicsú - Há efetivamente entrada de dólares no País. Isto é um fato objetivo, inequívoco que está nas séries produzidas pelo Banco Central. Há testes estatísticos que inclusive comprovam que o fluxo financeiro de entradas pode explicar com mais peso a valorização do real do que as transações comerciais com o exterior, isso é econometria, é evidência. Difícil de ser refutada. Não importa a origem nem a finalidade da operação financeira, o que importa é que o influxo existe. Qualquer teste econométrico é sempre cego, sempre revela se uma variável pode explicar outra e em que magnitude isto ocorreria. E neste caso é evidente, não é versão, é fato: os dólares são abundantes.

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