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28/01/2001
-
09h43
MARCIO AITH
daFolha de S.Paulo
em Washington
Certos de que o Plano Real fracassaria, os EUA referiam-se a ele como "transitório" mesmo em julho de 1994, mês em que a moeda foi lançada e a fase da URV já havia sido ultrapassada.
Em 11 de julho de 1994, após encontro em Brasília do então subsecretário do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers, com o sucessor de Fernando Henrique Cardoso na Fazenda, Rubens Ricupero, e o então presidente do Banco Central, Pedro Malan, o Real era tratado como um programa passageiro, efêmero, com cacife para durar até as eleições.
"O plano é claramente transitório e Summers expressou a nossa embaixada a opinião de que o Brasil terá que tomar medidas mais duras depois das eleições presidenciais", relata informe da embaixada em Brasília ao Departamento de Estado.
Quatro meses antes, em março de 1994, não só a opinião de Summers sobre o plano brasileiro era ruim. Naquele mês, o Tesouro também demonstrava desejo de que o FMI rejeitasse a concessão de um empréstimo que, segundo credores privados brasileiros, era necessário para concluir a renegociação de uma dívida de US$ 35 bilhões do Brasil.
Metas e recursos
A oposição dos Estados Unidos está expressa em comunicado enviado no dia 10 de março de 1994 pelo Departamento de Estado a embaixadas do país na América Latina.
"O presidente do Banco Central, Pedro Malan, e o assessor econômico Winston Fritsch estão vindo a Washington buscar o apoio do diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus, para a carta de intenção que propuseram para um programa com o FMI... O Tesouro espera que o FMI rejeite a proposta do Brasil, optando por um programa menos rigoroso (que estabeleça metas, mas não recursos do FMI)."
No dia 15 de março, o FMI anunciou sua decisão de não ajudar o Brasil. Sem a ajuda do Fundo, Pedro Malan, então negociador com bancos privados, foi obrigado a convencer os credores de que o empréstimo não seria necessário.
O Brasil acabou apresentando, sozinho, US$ 2,8 bilhões em títulos do Tesouro, que eram necessários para renegociar a dívida.
Além do contato direto e atípico do governo norte-americano com a missão do FMI no Brasil, outros sinais indicam que a oposição dos EUA norteou a decisão do Fundo.
Com base no comunicado do Departamento de Estado, a Folha entrevistou ex-autoridades da época (norte-americanas e brasileiras) e funcionários do FMI para recuperar detalhes das reuniões ocorridas naquele mês.
Ceticismo
Depois de olhar esse e outros documentos, um ex-funcionário sênior do Tesouro dos EUA, que hoje trabalha no setor privado, conversou informalmente com a Folha sobre o assunto.
Segundo ele, os EUA viam o real com ceticismo porque o Brasil fracassara sucessivamente em seus programas anteriores de estabilização e, como 1994 era um ano eleitoral, o plano parecia fadado ao fracasso.
Ele disse que a confiança dos EUA se fortaleceu com o tempo, simultaneamente ao aparecimento de sinais de que a cultura inflacionária estava ruindo e de que os tecnocratas brasileiros estavam trabalhando com habilidade.
O ex-funcionário confirmou que os EUA "deixaram claro" ao FMI que não queriam a concessão de um empréstimo ao Brasil. Ele acredita que essas gestões provavelmente foram as responsáveis pela rejeição do empréstimo, mas não vê nenhuma ilegalidade porque os EUA são acionistas majoritários do Fundo.
O ex-funcionário insistiu em que a posição dos EUA não causou problemas ao Brasil porque, como verificou-se dias depois, o país conseguiu fechar o acordo sem precisar do programa com o Fundo.
Otimismo crescente
Outros documentos mostram como a oposição dos EUA ao Real foi sendo diluída num otimismo crescente.
Um documento do Departamento de Estado datado do dia 11 de julho -mesmo dia em que Summers chamou o real de "transitório" em Brasília- relata o que parecia o início de um casamento entre os Estados Unidos e o Real: "Os brasileiros estão se adaptando aos mecanismos da quarta mudança de moeda em cinco anos. Surpreendentemente, quando o Banco Central ficou de fora do mercado de câmbio para desencorajar um ingresso não desejado de moeda estrangeira, o real se valorizou com relação ao dólar. No entanto consumidores ficaram bravos com o aumento de preços feito por varejistas na conversão de cruzeiros para reais... A embaixada acredita que os mercados ficarão instáveis nas próximas semanas".
A Folha conversou ainda com um dos técnicos brasileiros que, segundo os documentos, teriam participado de reuniões com o Fundo em Washington no mês de março de 1994.
As reuniões eram organizadas por Sterie Beza, diretor do Departamento de Hemisfério Ocidental do Fundo -substituído mais tarde por Claudio Loser, que hoje ocupa o cargo.
Para o técnico brasileiro, o plano de estabilização foi realmente recebido com ceticismo pelo FMI. Segundo seu relato, os técnicos do Fundo referiam-se aos esforços da equipe econômica como um golpe eleitoral no último ano de um mandato presidencial.
No entanto o Fundo e o governo dos EUA mostravam, em público, um falso otimismo. Em nota divulgada no dia 16 de março de 1994, o diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus, se comprometeu a trabalhar estreitamente com as autoridades brasileiras, de forma a ajudar que o programa fosse "rapidamente" bem-sucedido. Camdessus comprometeu-se a estender a cooperação em breve, prometendo um acordo stand by ou outra forma de estreita colaboração, "em princípio quando for lançada a nova moeda, o real".
"Plano é transitório e só dura até as eleições", diziam os EUA
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daFolha de S.Paulo
em Washington
Certos de que o Plano Real fracassaria, os EUA referiam-se a ele como "transitório" mesmo em julho de 1994, mês em que a moeda foi lançada e a fase da URV já havia sido ultrapassada.
Em 11 de julho de 1994, após encontro em Brasília do então subsecretário do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers, com o sucessor de Fernando Henrique Cardoso na Fazenda, Rubens Ricupero, e o então presidente do Banco Central, Pedro Malan, o Real era tratado como um programa passageiro, efêmero, com cacife para durar até as eleições.
"O plano é claramente transitório e Summers expressou a nossa embaixada a opinião de que o Brasil terá que tomar medidas mais duras depois das eleições presidenciais", relata informe da embaixada em Brasília ao Departamento de Estado.
Quatro meses antes, em março de 1994, não só a opinião de Summers sobre o plano brasileiro era ruim. Naquele mês, o Tesouro também demonstrava desejo de que o FMI rejeitasse a concessão de um empréstimo que, segundo credores privados brasileiros, era necessário para concluir a renegociação de uma dívida de US$ 35 bilhões do Brasil.
Metas e recursos
A oposição dos Estados Unidos está expressa em comunicado enviado no dia 10 de março de 1994 pelo Departamento de Estado a embaixadas do país na América Latina.
"O presidente do Banco Central, Pedro Malan, e o assessor econômico Winston Fritsch estão vindo a Washington buscar o apoio do diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus, para a carta de intenção que propuseram para um programa com o FMI... O Tesouro espera que o FMI rejeite a proposta do Brasil, optando por um programa menos rigoroso (que estabeleça metas, mas não recursos do FMI)."
No dia 15 de março, o FMI anunciou sua decisão de não ajudar o Brasil. Sem a ajuda do Fundo, Pedro Malan, então negociador com bancos privados, foi obrigado a convencer os credores de que o empréstimo não seria necessário.
O Brasil acabou apresentando, sozinho, US$ 2,8 bilhões em títulos do Tesouro, que eram necessários para renegociar a dívida.
Além do contato direto e atípico do governo norte-americano com a missão do FMI no Brasil, outros sinais indicam que a oposição dos EUA norteou a decisão do Fundo.
Com base no comunicado do Departamento de Estado, a Folha entrevistou ex-autoridades da época (norte-americanas e brasileiras) e funcionários do FMI para recuperar detalhes das reuniões ocorridas naquele mês.
Ceticismo
Depois de olhar esse e outros documentos, um ex-funcionário sênior do Tesouro dos EUA, que hoje trabalha no setor privado, conversou informalmente com a Folha sobre o assunto.
Segundo ele, os EUA viam o real com ceticismo porque o Brasil fracassara sucessivamente em seus programas anteriores de estabilização e, como 1994 era um ano eleitoral, o plano parecia fadado ao fracasso.
Ele disse que a confiança dos EUA se fortaleceu com o tempo, simultaneamente ao aparecimento de sinais de que a cultura inflacionária estava ruindo e de que os tecnocratas brasileiros estavam trabalhando com habilidade.
O ex-funcionário confirmou que os EUA "deixaram claro" ao FMI que não queriam a concessão de um empréstimo ao Brasil. Ele acredita que essas gestões provavelmente foram as responsáveis pela rejeição do empréstimo, mas não vê nenhuma ilegalidade porque os EUA são acionistas majoritários do Fundo.
O ex-funcionário insistiu em que a posição dos EUA não causou problemas ao Brasil porque, como verificou-se dias depois, o país conseguiu fechar o acordo sem precisar do programa com o Fundo.
Otimismo crescente
Outros documentos mostram como a oposição dos EUA ao Real foi sendo diluída num otimismo crescente.
Um documento do Departamento de Estado datado do dia 11 de julho -mesmo dia em que Summers chamou o real de "transitório" em Brasília- relata o que parecia o início de um casamento entre os Estados Unidos e o Real: "Os brasileiros estão se adaptando aos mecanismos da quarta mudança de moeda em cinco anos. Surpreendentemente, quando o Banco Central ficou de fora do mercado de câmbio para desencorajar um ingresso não desejado de moeda estrangeira, o real se valorizou com relação ao dólar. No entanto consumidores ficaram bravos com o aumento de preços feito por varejistas na conversão de cruzeiros para reais... A embaixada acredita que os mercados ficarão instáveis nas próximas semanas".
A Folha conversou ainda com um dos técnicos brasileiros que, segundo os documentos, teriam participado de reuniões com o Fundo em Washington no mês de março de 1994.
As reuniões eram organizadas por Sterie Beza, diretor do Departamento de Hemisfério Ocidental do Fundo -substituído mais tarde por Claudio Loser, que hoje ocupa o cargo.
Para o técnico brasileiro, o plano de estabilização foi realmente recebido com ceticismo pelo FMI. Segundo seu relato, os técnicos do Fundo referiam-se aos esforços da equipe econômica como um golpe eleitoral no último ano de um mandato presidencial.
No entanto o Fundo e o governo dos EUA mostravam, em público, um falso otimismo. Em nota divulgada no dia 16 de março de 1994, o diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus, se comprometeu a trabalhar estreitamente com as autoridades brasileiras, de forma a ajudar que o programa fosse "rapidamente" bem-sucedido. Camdessus comprometeu-se a estender a cooperação em breve, prometendo um acordo stand by ou outra forma de estreita colaboração, "em princípio quando for lançada a nova moeda, o real".
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