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30/09/2001 - 16h37

Terror põe globalização sob ameaça

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STEPHEN ROACH
Especial para o ''Financial Times''

As pegadas da globalização deixaram uma trilha óbvia na paisagem mundial ao longo da década passada. Mas os ataques terroristas de 11 de setembro e suas consequências podem causar o fim delas.

Na esfera econômica e financeira, a globalização envolve basicamente uma maior conectividade entre as fronteiras. A rápida expansão do comércio e dos fluxos de capital, cadeias de suprimento cada vez mais globalizadas e a rápida expansão das atividades transnacionais de empresas multinacionais tornaram o mundo um lugar menor. Novas tecnologias de informação se tornaram a cola da globalização, tornando a conectividade entre as nações mais rápida, barata e reduzindo seus atritos.

As evidências de globalização da economia são inconfundíveis. De acordo com o banco de investimentos Morgan Stanley, o comércio mundial atingiu o recorde de 26% do produto bruto do planeta no ano 2000, ante 18% em 1990. As transferências entre afiliadas estrangeiras de multinacionais aumentaram em ritmo duas vezes superior ao do comércio internacional, ao longo da década passada.

Zonas de livre comércio como o Nafta (entre EUA, Canadá e México) criaram novos elos entre os países industrializados e seus fornecedores externos. As exportações aos EUA respondem por 25% do PIB (Produto Interno Bruto) mexicano, por exemplo. A Ásia, excluindo o Japão, também se ligou de maneira mais estreita aos EUA. Perto de 40% do crescimento econômico da região pode ser atribuído à alta das exportações de produtos de tecnologia da informação aos norte-americanos. De muitas maneiras, o mundo está-se unindo como nunca.

Mas as regras do jogo mudaram. O terrorismo sabotou as engrenagens da conectividade internacional, e o mundo da globalização, onde as fricções vinham diminuindo, está sob ameaça. Os acontecimentos trágicos do dia 11 de setembro na verdade impuseram um novo tributo a esses fluxos. A segurança das fronteiras nacionais terá de ser reforçada, agora uma empreitada custosa. Isso afetará mais que os aeroportos e portos. As porosas fronteiras dos EUA com Canadá e México, que conduziam os elos do Nafta aparentemente sem nenhum obstáculo, também terão controles mais severos.

Como resultado, as transferências internacionais agora demorarão mais e terão custos mais altos, e os seguros sobre esses carregamentos se tornarão consideravelmente mais dispendiosos. Além disso, como indica o recente ataque do vírus de computador Nimbda, não será mais possível aceitar como axioma a transferência instantânea de informações e capital.

Os ataques terroristas também instilarão o medo, elevando o ágio por risco para a conectividade global. Subitamente, esse admirável mundo novo parece muito menos integrado.

A economia básica diz que um imposto sobre as conexões internacionais reduz o fluxo dessas transações. Ao optar por terceirização no exterior de preferência à produção nacional, o cálculo das vantagens relativas de custo pode ter sido permanentemente alterado. Mas existe também uma dimensão psicológica: as empresas talvez se tornem introspectivas. O apetite por criar novas alianças internacionais talvez se reduza. A aversão a riscos pode assumir importância cada vez maior.

Existe outra dimensão importante nesse imposto sobre a globalização. Ela reflete o impacto de uma mudança na produção nacional, com o abandono parcial dos investimentos que reforçam a produtividade. Os ganhos de produtividade e a globalização sempre andaram de mãos dadas. O surto de terceirização externa da produção foi crítico para estimular a eficiência empresarial.

Um imposto sobre a globalização mudaria tudo isso. Não se trata apenas do aumento dos custos de negócios que talvez surja devido às despesas de segurança, transporte e seguro aumentadas. Envolve igualmente as potenciais ramificações de uma mudança nos gastos públicos, rumo à defesa nacional, revertendo uma das mais importantes tendências da era posterior à guerra fria. O dividendo da paz reduziu os gastos com defesa, como proporção do PIB norte-americano, de 7% para menos de 4%, nos últimos 15 anos. No mínimo, uma reversão dessa tendência expulsaria do mercado parte dos investimentos privados.

O crescimento da produtividade já estava fadado a um declínio durante os próximos cinco anos, à medida que os excessos causados pela expansão dos investimentos de capital relacionados à tecnologia da informação eram eliminados. Os custos do combate ao terrorismo mundial talvez resultem em acréscimo adicional. Uma desaceleração acentuada na tendência de crescimento da produtividade colocaria pressão concomitante sobre o poder de ganho das empresas e, por inferência, sobre os retornos esperados sobre o capital. Os investidores sofreriam um despertar particularmente doloroso.

Novas alianças entre os governos são prováveis, justapostas ao apetite potencialmente diminuído do setor privado pela globalização. As principais potências mundiais agora parecem estar unidas de forma extraordinária, como consequência dos ataques. Uniram-se em torno da meta de combater o terrorismo mundial, e outras queixas, como as disputas comerciais, estão sendo deixadas de lado pelo menos por enquanto.

Mas essas novas alianças podem fracassar quanto a um aspecto crucial. Podem impor separação ainda maior entre o mundo desenvolvido e os países em desenvolvimento. Um obstáculo geopolítico desse cunho poderia reforçar as diferenças econômicas já antigas e isolar os países em desenvolvimento.

A ampliação das disparidades de renda entre os países ricos e pobres foi uma das marcas inconfundíveis do século 20. De acordo com pesquisa do FMI (Fundo Monetário Internacional), os 25% mais riscos da população mundial tiveram aumento de renda per capita da ordem de 600% nos cem anos passados. Em contraste, os 25% mais pobres tiveram ganho inferior à metade do mencionado. E essas disparidades vêm sendo exacerbadas pela barreira digital da era da informação, o contraste em oportunidades econômicas entre as pessoas que sabem operar computadores e aquelas que não sabem.

Essas tensões não representam um bom augúrio para a "aldeia global" como uma imagem apropriada quanto à orientação do processo de globalização. Os benefícios econômicos da conectividade internacional há muito mostram forte contraste com as disparidades sociais entre países ricos e pobres. Novas alianças políticas que surjam de uma frente unidade entre os países ricos, contra o terrorismo mundial, podem bem agravar essa barreira.

Fragmentação crescente como essa significa que o mundo talvez esteja dando as costas à globalização. O recente cancelamento das assembléias anuais do FMI e do Banco Mundial em Washington é particularmente perturbador, quanto a isso. Embora ambas as instituições tenham sofrido críticas por administrarem mal o processo, especialmente durante a crise asiática de 1997-98, as reuniões ofereciam um fórum para o estudo dos pontos fortes e fracos da globalização.

Marcha à ré

A globalização já sofreu reveses. A integração da economia atlântica no século 19 prometia poderosa integração econômica na Europa e entre a Europa e os EUA. No entanto, essa tendência aparentemente imbatível deu origem a uma tremenda reação, causada pela convergência entre o aumento das disparidades de rendas mundiais e a instabilidade política que desempenhou seu papel na origem da Primeira Guerra.

Uma nova onda de globalização aconteceu nos anos 20, mas foi abruptamente encerrada pela Grande Depressão e por uma nova guerra. As condições prévias desses reveses (disparidades de renda cada vez maiores e crescentes tensões geopolíticas) parecem particularmente pressagas hoje. Não só a história nos revela que a globalização não oferece estabilidade inerente como também aponta para a tendência de a globalização semear sua própria queda. Infelizmente, talvez o mesmo aconteça agora.

As forças da globalização, que pareciam invencíveis, subitamente encontraram resistência. E o mesmo vale para a base de ganhos de produtividade que sustenta o crescimento econômico dos EUA e do mundo. Talvez estejamos vendo o início de uma virada.

*Stephen Roach é economista-chefe e diretor de economia mundial do banco de investimentos Morgan Stanley.

*Tradução de Paulo Migliacci

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