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01/10/2001 - 08h41

Todo mundo deve ser afetado pela sucessão de crises

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RICARDO GRINBAUM
da Folha de S.Paulo

Das tecelagens às distribuidoras de energia, é difícil encontrar um setor produtivo que escape ileso das seguidas crises que atingem a economia brasileira.

Um levantamento da consultoria MB Associados mostra que quase todo mundo será afetado pela falta de energia, pela crise na Argentina, pela retração da economia mundial ou pelos atentados nos Estados Unidos.

Os economistas não prevêem uma crise que leve a uma quebradeira geral de empresas. O que deve ocorrer, dizem, é uma estagnação, um torpor que vai se espalhar por quase toda a economia, enquanto alguns setores exportadores se beneficiam da alta do dólar.

"O Brasil vinha empobrecendo com os efeitos da crise da Argentina, da alta do dólar e dos juros", diz o economista Fábio Silveira, autor do estudo.

"Depois dos atentados, os consumidores dos Estados Unidos vão se retrair e a recuperação das economias americana e brasileira será adiada para o segundo trimestre de 2002."

Até meados de 2002, o governo deverá manter a taxa de juros em alta, o crédito limitado e a economia em marcha muito lenta para fazer frente a esse cenário de crise.

Os que devem sofrer mais são os setores voltados para o consumo. As vendas de supermercados, empresas têxteis e fabricantes de eletrodomésticos devem crescer muito pouco, estagnar ou cair.

"O desemprego vai aumentar e o salário real vai cair, corroído pela alta da inflação. Essa combinação é ruim para os setores que dependem do consumo", diz Dawber Gontijo, estrategista-chefe do HSBC Investment Banking.

Gontijo calcula que o Brasil deve crescer 1,4% em 2001 e 1,7% em 2002. Esses números são muito parecidos com o índice de crescimento populacional, o que indica uma estagnação na economia.

Pelas contas de Fábio Silveira, o desemprego medido pelo método do IBGE deve subir de 6,2% para 7% da população em idade de trabalhar. Os salários vão cair 2,5%.

"Com a queda no nível de renda, devem ser afetados desde setores como o turismo até profissionais, como empregadas domésticas, advogados e médicos", diz Luis Fernando Lopes, estrategista-chefe no Brasil do banco americano J.P. Morgan.

Entre os mais afetados, estão os fabricantes de televisores, videocassetes e aparelhos de som. Além de queda nas vendas de 6,9% em 2001, são afetados pelo aumento do custo das peças importadas.

Também serão prejudicados os setores que vendem a prazo. Com os juros em alta, construtoras de imóveis e montadoras de carros já enfrentam dificuldades para conseguir clientes, além de correr maior risco de inadimplência.

De junho a agosto, o número de lançamentos imobiliários caiu 30%. As empresas estão demitindo. Desde maio, o número de empregados caiu 1,6%.

"Estamos num processo de desaceleração e no fim do ano ainda estaremos descendo a ladeira", diz Eduardo Zaidan, vice-presidente do Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo). "O ano que vem não será melhor."

Além de sofrer o aperto do crédito, o setor de construção civil também será afetado pela diminuição dos investimentos na construção de fábricas e nos gastos do governo.

As montadoras resistiram o quanto puderam à retração da economia, com feirões e promoções agressivas. Mas as vendas também estão em queda e Volks, Fiat e GM já deram férias coletivas para seus empregados.

André Beer, ex-presidente da General Motors no Brasil, estima que as montadoras devem produzir entre 120 mil e 140 mil carros por mês até o fim do ano. Em maio, elas fabricaram 165 mil e, em junho e julho, cerca de 155 mil.

"O quadro ainda não está claro para o ano que vem", diz Beer, que hoje é presidente de uma empresa de consultoria para a indústria automobilística.

Quem fornece matérias-primas, peças ou maquinário para esses setores também deve sofrer com a retração no consumo. Como os investidores devem ficar mais cautelosos, o número de encomendas para os fabricantes de máquinas e equipamentos deve cair, com exceção do setor de energia elétrica.

Entre os que serão pouco afetados pelas crises que atingem o país estão os produtores de café. Pouco mudou para eles, mas a situação é desconfortável. Há uma superprodução mundial e os preços estão muito baixos.

O setor petroquímico perderá de um lado e ganhará de outro. Suas importações de matéria-prima ficaram mais caras devido à alta do dólar mas as exportações estão mais rentáveis. O efeito de um lado tende a anular o de outro.

Na área de telefonia deve ocorrer um movimento parecido. As empresas estão ampliando seu número de clientes, mas como a competição é acirrada, a rentabilidade não tende a disparar. É um setor pouco afetado pela queda no consumo.

Um dos únicos setores beneficiados pela alta do dólar são os de exportadores, embora a retração da economia mundial impeça que eles aumento muito suas vendas para o exterior.

"Em setembro, apenas duas das 57 ações de empresas negociadas na Bolsa de São Paulo se valorizaram. Uma das razões é que as duas empresas exportam bastante", diz Jorge Simino, diretor de renda variável da UAM (Unibanco Asset Management).

Os papéis da Vale do Rio Doce, que exporta minério, e os da Souza Cruz, que exporta entre 20% e 25% de sua produção, valorizaram 3,3% até quinta-feira passada. O índice Bovespa, que mede o desempenho geral das empresas, caiu cerca de 19%.

Produtores de soja, açúcar, álcool, açúcar, carnes, papel e celulose estão entre os mais beneficiados. Seus custos de produção são orçados em reais. Mas eles recebem pagamento pelas vendas no exterior em dólares.

Animados pela alta do dólar, eles exportaram até agora 40% a mais de produtos básicos do que no ano passado.

Para Luis Fernando Lopes, do J.P. Morgan, há outro setor que ainda deve se beneficiar das mudanças na economia. São os bancos. "A inflação deve subir, embora não muito, e os juros devem continuar altos. Num ambiente como esse, os bancos tendem a ganhar mais dinheiro", diz Lopes.

Leia mais sobre os reflexos do terrorismo na economia

 

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