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22/01/2008 - 17h18

Celso Pinto retrata mudanças da economia

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VINICIUS TORRES FREIRE
Colunista da Folha de S.Paulo

Celso Pinto nunca foi "pop". Celso Pinto, porém, é o melhor jornalista de economia do país, talvez o melhor que já tivemos.

Divulgação
Livro traça situação política e econômica do país nos últimos vinte anos
Livro traz situação política e econômica do país nos últimos anos

Uma coletânea de mais de duas décadas de seus textos jornalísticos está sendo lançada agora ("Os Desafios do Crescimento -Dos Militares a Lula"). Mais do que memória ou crônica alentada e refletida do período mais longo de descaminhos e desastres da história econômica do país, o volume é uma série exemplar de artigos sobre o benefício das "certezas da dúvida", para lembrar o nome de um velho livro de um grande jornalista, Paulo Francis, que nada em comum tinha com Celso.

Mesmo tendo sido autor de importantes "furos de reportagem", Celso jamais cede à tentação "pop", ao que é ou, melhor, parece mais espetacular. A sua informação nova e relevante é sempre contextualizada. O dado que poderia causar sensação nas mãos de um profissional menos refletido e informado é atenuado pelo reconhecimento das asperezas e complexidades do mundo real.
Foi sempre assim ao longo de sua carreira -como repórter da antiga "Gazeta Mercantil", como colunista desta Folha ou como diretor do jornal "Valor Econômico".

O melhor jornalismo é uma tentativa sempre precária de errar menos na tarefa cotidiana, e hoje em dia quase horária, de separar o que é novo do que meramente causa sensação, com o fim pretenso de publicar novidades importantes que sejam tanto de interesse público como da curiosidade pública. É uma atividade, pois, quase inviável. No jornalismo econômico, sob um aspecto essa tarefa é ainda mais difícil.
Há um jorro diário de indicadores econômicos, estudos e projetos governamentais e privados, além da fábrica de "papers" acadêmicos ou a linha de montagem de estudos econométricos que diariamente "provam" isso ou aquilo (para não mencionar o lobby travestido de ciência e técnica econômicas). No entanto, a vida e o mundo são menos sensacionais e mais lentos que muito jornalismo e a profusão de dados querem fazer crer.

A diversidade de fontes a que Celso tem acesso, a peneira contra bobagens de sua boa formação técnica e o painel de informações que apresenta em seus textos acabam por colocar os dados em seu lugar. O resultado desse trabalho é mais reflexão, menos sensação.
Isto posto e obviamente, Celso não é um ente de pura razão, nem o observador neutro num ponto ideal. Fica fácil reconhecer, ainda mais à distância de 20 anos, como o jornalista ainda jovem se empolgou demais com o Plano Cruzado, como aliás praticamente todo o país, em 1986 (Celso tinha então 33 anos). Mas, ao longo do livro, o que se vê com regularidade é a dúvida, é a crítica suscitada por perguntas e questionamentos certeiros. E pelas investigações certas.

Celso é um caso raro de repórter, especial por combinar o conhecimento técnico e a paciência do estudo com a agilidade de perceber a grande notícia. Um de seus melhores momentos foi a cobertura das dificuldades do Plano Real com o câmbio valorizado, quando, entre outras coisas, revelou as operações então desconhecidas do governo no mercado futuro de moedas, com o que ganhou a inimizade tola de um ou outro membro da equipe econômica de FHC. Rara inimizade, diga-se, pois Celso tem acesso a fontes pesadas e diversas. "A capacidade de Celso de escutar e peneirar o que disseram economistas de diversos matizes alimenta os diálogos em que se baseiam os artigos aqui reproduzidos", diz a economista Eliana Cardoso num dos prefácios.

Celso é tido como um "liberal", muito próximo ou amigo mesmo de muitos economistas que formularam o Real, como Pérsio Arida e André Lara Resende. Aliás, como conta Arida noutro prefácio do livro, Celso foi convidado pelo próprio Arida, com a anuência de FHC, para se integrar à equipe econômica, em 1994, não como assessor de imprensa, mas no papel de memorialista crítico, digamos, da empreitada. Celso declinou o convite, preocupado em manter a independência jornalística.

Seja lá o que signifique o rótulo "liberal", Celso fez parte de uma geração que se frustrou com vários aspectos das experiências heterodoxas de controle da inflação e que, ao longo dos anos 80, se desencantou mais e mais com a capacidade do Estado de conduzir a economia. Que se indignou com a extraordinária baderna fiscal brasileira, tema explícito ou implícito de muitas páginas do livro.

Mas, dentre as pessoas que se ocupam de economia, acabou na prática por se alinhar ao "consenso central" do que fazer com a política econômica, comunhão que se estruturou nos anos FHC. Não que escrevesse manifestos, longe disso.

Mas é possível perceber sua posição pelo tipo de questionamentos que faz a seus interlocutores. De resto, Celso é muito mais um repórter analítico e ponderado do que um crítico estridente de tal ou qual política ou linhagem econômica.

O livro relata com muito detalhe uma série de momentos críticos, desde a formação do governo Tancredo ao governo Lula; mostra a política da formação das diretrizes e equipes econômicas da Nova República, de Collor, de Lula. Termina em 2003, com o refluxo da crise cambial e de explosão da dívida pública que ocorrera na eleição de 2002 (Lula versus Serra). Celso não tem escrito mais, pois convalesce de uma parada cardiorrespiratória.

As histórias de "Desafios do Crescimento", por fim, provocam sentimentos contraditórios a respeito do percurso econômico do país nos últimos 25 anos -e certo alarme, dada a proximidade de nova crise mundial (velharias e maluquices e antigos choques voltarão?).

Por um lado, o relato das intricadas crises brasileiras e do exotismo de muitos instrumentos de política econômica utilizados entre os anos 80 e 2000 suscita um certo alívio e estranhamento. Parecem velharias abandonadas: operações exóticas entre o Banco Central e a Fazenda, controles cambiais complexos e ineficazes, discussões bizantinas sobre base monetária, a "privatização" antes ainda maior de políticas públicas, as negociações tétricas da dívida externa e os calotes. Alívio: parece que o país melhorou.

Mas soa infelizmente muito atual a recorrência, no livro, da discussão sobre o descontrole fiscal, o persistente "problema" do câmbio, a lembrança da existência de entulhos da era inflacionária; sobre a indeterminação do papel de instituições-chave como o Banco Central e a "captura" de políticas do Estado, seja por empresários, economistas ligados às finanças ou outros grupos de interesses muito particulares.

"Desafios do Crescimento"
Autores: Celso Pinto
Editora: Publifolha
Páginas: 400
Quanto: R$ 39,00
Onde comprar: Nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou no site da Publifolha

 

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