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31/12/2001 - 09h38

Euro remete história da moeda a Roma

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OSCAR PILAGALLO
da Folha de S.Paulo

A entrada em circulação do euro, amanhã, cria uma situação que só encontra paralelo no Império Romano. Pela primeira vez desde o século 5, a Europa -ou pelo menos grande parte dela- volta a ter uma moeda única.

Roma escreve a história da moeda desde os seus capítulos iniciais. A primeira cunhagem de que se tem notícia em Roma -ainda no tempo da República- data de 268 a.C..

A moeda, que se chamava denário, teve tanta importância que acabou determinando a etimologia da palavra "dinheiro" e suas variações latinas.

Os romanos deram uma outra contribuição importante para o léxico: o termo "monetário", que vem de Juno Moneta, a deusa padroeira de Roma, em cujo templo se fabricavam denários.

Dinheiro e democracia
Não foram os romanos, porém, que inventaram a moeda. Eles apenas assimilaram, com algum atraso, uma prática comum na Grécia Antiga, que tinha desde 575 a.C. sua própria moeda -a primeira versão do dracma que começa a desaparecer amanhã e sai de circulação em 28 de fevereiro. A monetização de Roma, aliás, fez parte do intenso processo de helenização daquela civilização.

A introdução da moeda no mundo grego coincide com as grandes reformas de Sólon, que atenuaram o domínio absoluto da aristocracia em Atenas, a cidade-Estado mais importante da Grécia. A partir daí, o direito de ocupar cargos públicos foi estendido também aos cidadãos ricos.

Seria inadequado atribuir o surgimento da democracia ao advento da economia monetizada. Mas é inegável a contribuição da moeda ao sistema político nascente. Ao gerar e espalhar a riqueza, a circulação de dinheiro ajudou a emergir uma classe que se beneficiou da mobilidade social, passando a pressionar por uma representação política que refletisse a nova realidade econômica.

Os gregos deram um grande impulso à história da moeda, com seus dracmas identificáveis pela efígie da coruja, ave associada a Atena, a deusa protetora da cidade. Mas também não foram eles que inventaram a moeda.

Invenção da moeda
A moeda moderna, com as características básicas das atuais, nasceu no extinto reino da Lídia, onde hoje fica a Turquia. Lá, entre os anos de 640 a.C. e 630 a.C. -há imprecisão nos registros históricos- foi cunhada a primeira moeda, a partir de uma liga natural de ouro e prata (o electro), abundante nos rios da região.

A moeda lídia, chamada stater, gerou muita riqueza para o reino. Creso, o último rei da Lídia, herdou um trono rico e multiplicou a fortuna, ampliando a atividade de cunhagem de moeda.

Não era o ouro ou a prata, no entanto, que proporcionavam a riqueza. Esta tinha origem no comércio que a moeda irrigava. A Lídia foi a primeira sociedade a manter um comércio varejista em bases permanentes. Era um verdadeiro reino de lojistas.

Creso poderia comprar o que quisesse. Ambicioso, resolveu comprar um exército mercenário para invadir a poderosa Pérsia. Em meados do século 6 antes de Cristo -um século depois da invenção da moeda- seu reino foi varrido do mapa. A idéia da moeda, no entanto, permaneceu, tendo sido adotada logo pelos gregos e depois pelos romanos.

Sociedade complexa, a civilização romana enfrentou problemas com o dinheiro que, a partir de então, se mostrariam recorrentes.

Um deles era a inflação. Tudo começou em 240 a.C., pouco tempo depois da emissão da primeira moeda, quando a República romana se envolveu nas Guerras Púnicas com Cartago, do outro lado do mar Mediterrâneo, onde hoje fica a Tunísia. Para financiar a campanha militar, os romanos descuidaram do denário e provocaram o que, hoje em dia, é chamado de inflação.

Não foi, entretanto, uma ação deliberada. Tratava-se apenas da consequência de uma despesa excessiva, para a qual não havia moeda suficiente.

A inflação como política de governo surgiria muito depois, nos primeiros tempos do Império Romano. A partir do ano 64 da era cristã, o imperador Nero deu início à sistemática desvalorização do denário, subtraindo da moeda parte do teor de metal precioso.

A iniciativa de Nero não era mais sofisticada do que parece à primeira vista. Usando menos metal para fabricar cada moeda, cunhava mais moedas com a mesma quantidade de metal -um artifício, cuja contrapartida era a alta dos preços.

O denário perdeu gradualmente o valor. Até que, no início do século 4, o imperador Diocleciano resolveu inovar: baixou um decreto congelando preços e salários. Foi a primeira tentativa heterodoxa de resolver o problema inflacionário -e não deu certo.

Quando a parte ocidental do Império Romano chegou ao fim, cerca de dois séculos depois, a Europa deixou de ter uma moeda única. O denário foi substituído por moedas de reinos medievais, com circulação apenas regional. Mas, nessa altura, o dinheiro não tinha mais a mesma importância. Como os feudos eram auto-suficientes, as relações de troca retrocederam ao escambo.

Um novo denário
Guardadas as proporções e desconsiderado o contexto diferente, o euro retoma agora a experiência do denário, como moeda única de 12 países europeus.

A construção do euro é um trabalho de quase meio século. Sua história remonta ao Tratado de Roma, de 1957, quando foi criada a Comunidade Econômica Européia, embrião da União Européia.

A idéia do euro foi definida somente em 1992, no Tratado de Maastricht. Nessa cidade holandesa, líderes europeus anunciaram a criação da moeda única.

Para tanto, concordaram em homogeneizar políticas fiscais e monetárias. Acertaram também a observação de um teto para o déficit público equivalente a 3% do PIB (Produto Interno Bruto).

Com essa promessa de austeridade, os signatários esperam manter afastada a ameaça da inflação, que destruiu o denário.

Os europeus são especialmente sensíveis ao risco inflacionário, desde que, nos anos 20, a Alemanha viveu uma hiperinflação devastadora. O dinheiro alemão se desintegrou em consequência das imposições dos vitoriosos da Primeira Guerra Mundial. Em 1918, no final da guerra, um dólar comprava 4 marcos. Em 1923, valia 4,2 trilhões de marcos.

A lição foi aprendida. Depois de perder mais uma guerra mundial, a Alemanha reergueu sua economia -desta vez com a ajuda dos vitoriosos- e hoje tem a moeda dominante da Eurolândia.

Montanha de cédulas
Uma comparação de almanaque, citada na revista britânica "The Economist", indica a ordem de grandeza do euro.

Se fundidas, os mais de 50 bilhões de moedas que entram em circulação seriam suficientes para construir 24 torres Eiffel. Quanto aos mais de 4 bilhões de cédulas destinadas à Alemanha, se empilhadas, seriam equivalentes a 50 vezes o monte Everest.

Apesar do ceticismo inicial, o euro vem à luz para garantir seu lugar na história.

Oscar Pilagallo é autor de "A Aventura do Dinheiro - Uma Crônica da História Milenar da Moeda" (Publifolha, 2000).

Saiba tudo sobre o euro

 

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