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24/02/2002 - 10h27

Banco rende mais que indústria e comércio

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ÉRICA FRAGA
da Folha de S.Paulo

O setor bancário foi o único a sair ileso das intempéries econômicas dos últimos oito anos no Brasil. Segundo estudo feito pela Austin Asis a pedido da Folha, todos os outros ramos de atividade tiveram sua rentabilidade abalada em algum momento, desde a implementação do Plano Real, pelos altos e baixos da economia, por câmbio valorizado, juros altos ou racionamento de energia.

Desde 1994, os bancos foram os únicos que conseguiram manter retornos altos e quase sempre crescentes. Isso fica claro na análise feita pela Austin Asis com base na rentabilidade sobre o patrimônio líquido (PL) de vários setores.

Esse indicador relaciona o quanto uma empresa ganha em relação ao que ela tem investido. Isto é, uma rentabilidade sobre o PL de 10%, por exemplo, significa que a empresa tem um lucro de R$ 10 para cada R$ 100 investidos.

Os 20 maiores bancos no Brasil tiveram uma rentabilidade total sobre o PL que variou entre 13% e 19% nos últimos oito anos. Já na indústria -segundo o levantamento da Austin Asis -, esse indicador variou entre 3% e quase 13% no mesmo período. No caso do comércio, as oscilações foram ainda mais bruscas: entre 1% (no pior momento, no ano passado) e quase 18%, em 1994.

Juros altos

Segundo economistas, a política de juros altos do governo é a principal garantidora dos altos e constantes lucros do setor bancário. "A política monetária de juros altos do governo explica, em boa parte, os ganhos dos bancos nos últimos anos", diz o economista Otaviano Canuto, professor da USP. "Os bancos conseguem rentabilidade alta com riscos baixos comprando títulos da dívida pública federal, que explodiu, financiando o governo", diz Canuto.

De 1995 até setembro do ano passado, segundo dados da Austin Asis, os 20 maiores bancos acumularam uma receita líquida de, nada menos, que R$ 226 bilhões com investimentos em títulos públicos (valores sem correção monetária). Já a soma dos juros de toda a dívida interna da União chegou a R$ 223 bilhões entre 1995 e dezembro de 2001.

Sozinho, o Tesouro Nacional desembolsou cerca de R$ 137 bilhões com pagamento de juros da dívida em títulos públicos. O restante se refere a juros do endividamento com papéis emitidos pelo Banco Central e a outras dívidas contratadas pelo governo, que não disponibiliza esses dados separadamente.

Outra explicação, segundo especialistas, para a alta e inabalável rentabilidade dos bancos no Brasil são os altos spreads (diferença entre as taxas pagas pelas instituições financeiras para captar recursos e a que essas cobram em operações de crédito).

"A rentabilidade do setor bancário vem, em grande parte, dos altíssimos spreads", diz Erivelto Rodrigues, sócio da Austin Asis. Segundo Rodrigues, no Brasil, os spreads cobrados pelas instituições financeiras estão entre os mais altos do mundo e chegam a 25% para empresas e a 57% para pessoas físicas.

Na contramão dessa tendência, vários setores industriais e o comércio tenderam a se prejudicar com choques de juros e outras instabilidades econômicas. "Os outros setores foram muito mais vulneráveis às turbulências econômicas e aos períodos intercalados de crescimento e estagnação", explica o professor Davi Kupfer, coordenador do grupo Indústria e Competitividade da UFRJ.

Kupfer explica que as bruscas oscilações de rentabilidade da indústria, reveladas pelo levantamento da Austin Asis, indicam uma tendência desoladora para o futuro. "Por trás dessas oscilações, está uma rentabilidade média baixa e é isso que determinará a tendência de longo prazo do setor", afirma o professor da UFRJ.

Segundo Alberto Borges Matias, professor da USP e sócio da ABM Consulting, a política de juros altos foi a principal vilã do desempenho instável da indústria. "Os juros altos aumentaram a despesa financeira das empresas, que cresceu bastante nos últimos anos", afirma Matias.

O câmbio, que ficou sobrevalorizado entre 1994 e 1998, também é cotado pelos economistas como uma das principais causas da rentabilidade ruim de alguns setores industriais, que tiveram de competir com produtos importados mais baratos. Para completar, os anos 90 foram acompanhados da abertura econômica, que aumentou a competitividade e levou os segmentos menos eficientes à bancarrota.

Uma queda constante dos juros provocaria, segundo especialistas, algumas mudanças saudáveis neste cenário. Os bancos teriam de finalmente aumentar a oferta de crédito porque seus ganhos com títulos se reduziriam. Do outro lado, os demais setores conseguiriam acesso a financiamentos mais baratos. Mas, para Kupfer, apenas a redução dos juros não deverá ser suficiente para colocar a indústria na rota de uma rentabilidade melhor. "Falta uma política pública industrial no país", diz o professor da UFRJ.
 

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