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22/05/2002 - 09h19

Análise: EUA resistem a fazer mudanças que evitariam fraudes

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PAUL KRUGMAN
Especial para o ''New York Times''

"Eu sugeriria a você que a inovação mais importante no que tange à formação do mercado de capitais dos EUA foi a idéia de princípios contábeis de aceitação geral". Foi o que declarou Lawrence Summers, então secretário-assistente do Tesouro norte-americano, em discurso de 1998. Summers encoraja as problemáticas economias asiáticas, então em meio a uma desastrosa crise financeira, a imitar a "transparência e prestação de contas" ao estilo americano.

Agora, são os Estados Unidos que têm problemas com a contabilidade de suas grandes empresas, uma questão exemplificada pela Enron. Será que seguiremos o conselho que oferecemos aos outros? Forneceremos aos investidores os fatos de que precisam para tomar decisões informadas? Provavelmente não.

Para as empresas norte-americanas em geral, 1997 foi um marco. De acordo com estatísticas do governo, os lucros corporativos gerais cresceram rapidamente entre 1992 e 1997, mas a seguir se estagnaram; os lucros líquidos no quarto trimestre de 2000 mal superavam os resultados de três anos antes. Mas os lucros operacionais das empresas que compõem o índice Standard & Poor's 500 -ou seja, os lucros reportados pelas empresas aos investidores- haviam crescido 46% ao longo desses três anos.

Há motivos técnicos que explicam que esses indicadores de lucro não precisam crescer exatamente à mesma razão, mas historicamente seu desempenho sempre se manteve próximo. Por que surgiu uma divergência tão considerável em prazo tão curto? Certamente o principal motivo foi o fato de que depois de 1997 as empresas passaram cada vez mais a usar truques contábeis para criar a ilusão de lucros ascendentes.

O ponto é que os líderes das empresas estavam desesperados por manter os preços de suas ações em alta, em um ambiente em que qualquer coisa abaixo de 20% de crescimento de lucros era considerada um fracasso. E por que estavam desesperados? Para resumir: opções. A alta das bolsas, combinada a pacotes cada vez mais generosos de opções de ações, conduziu a uma explosão na remuneração de executivos. Em 1980, os executivos-chefes de grandes empresas, de acordo com estimativas da revista "Business Week", ganhavam, em média, 45 vezes mais do que os funcionários sem cargos de liderança. Por volta de 1995, no entanto, esse indicador subira a 160, e chegara a 305 em 1997. Os executivos-chefes queriam perpetuar os bons momentos, e o fizeram: em 2000, embora os lucros não tenham aumentado, eles estavam recebendo em média 458 vezes mais do que os trabalhadores comuns.

O ponto aqui não é que os executivos de primeiro escalão ganhem demais, ainda que isso indubitavelmente seja verdade; o problema é que sejam recompensados em dinheiro quando criam a ilusão de sucesso, sem que a realidade pareça importar.

E é exatamente esse tipo de situação que as normas contábeis supostamente deveriam evitar. O que permitiu que os nossos imperadores corporativos escondessem sua nudez foi uma combinação de normas mal definidas e auditores complacentes. Muitas das grandes empresas de auditoria aparentemente estavam muito satisfeitas em serem enganadas pela prestidigitação contábil das corporações, desde que continuassem conquistando lucrativos contratos de consultoria.

É hora de uma reforma? Não, de acordo com algumas pessoas. Hoje, o Comitê Bancário do Senado deve debater uma proposta de Paul Sarbanes, seu presidente, que adotaria medidas modestas para dar início a uma reforma nos padrões contábeis. O projeto foi endossado por alguns dos nomes mais respeitados do mundo financeiro -pessoas como Paul Volcker, o grande ex-chairman do Fed, e John Bogle, famoso investidor. Mas o senador Phil Gramm, emprestando toda a sua influência a um esforço feroz de lobby empreendido pelo setor de auditoria, deixou claro que tentará bloquear o projeto.

Eu gostaria de evitar qualquer posicionamento partidário aqui -realmente gostaria. E evidentemente existem democratas que receberam grandes contribuições das empresas de auditoria. Mas o atual esforço por impedir qualquer reforma significativa nos padrões contábeis é explicitamente uma iniciativa republicana, e dirigida do topo do partido. O jornal "The New York Times" informa que Gramm "está trabalhando em estreito contato com o governo Bush" em seus esforços por bloquear a proposta de Sarbanes.

A honestidade na contabilidade empresarial não é questão de esquerda ou de direita. Trata-se de proteger os investidores contra a exploração praticada por pessoas detentoras de informações privilegiadas. Ao bloquear a reforma de um sistema defeituoso, o governo Bush está favorecendo os interesses de uma minúscula oligarquia corporativa em detrimento de todo mundo.

Uma consideração final. Não é apenas uma questão de tratar lealmente os investidores dos Estados Unidos. Como as nações asiáticas antes de sua crise, os Estados Unidos confiam pesadamente em influxos de capital estrangeiro, influxos que dependem da fé internacional na integridade dos mercados norte-americanos. O governo Bush pode acreditar que os investidores não têm outro lugar para ir, que o dinheiro continuará entrando mesmo que não haja reforma. Isso é exatamente o que Suharto acreditava.

Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA).
 

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