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29/09/2002 - 00h49

Brasil deverá virar uma Argentina, diz economista

JOSÉ ALAN DIAS
da Folha de S.Paulo

O economista norte-americano Charles Calomiris diz que o Brasil pode se transformar em uma Argentina. Não seria o primeiro a levantar suspeitas sobre a capacidade de o governo brasileiro, principalmente o futuro, continuar a honrar seus compromissos.

Mas, ao contrário da maioria dos economistas, Calomiris afirma que o problema do país pode não ser a relação dívida/PIB. "Talvez a relação dívida/PIB não seja hoje um desastre. Mas dê uma olhada em importações e exportações e seus vencimentos em dólares e me diga como continuará solvente a longo prazo", afirma.

Professor de finanças e economia na Universidade Columbia, nos EUA, Calomiris se envolveu, em abril de 2001, em uma discussão pública com o então ministro Domingo Cavallo. Na época, escreveu um artigo no "Wall Street Journal" no qual afirmava que o governo argentino precisava assumir que o país estava quebrado e o melhor era promover "reestruturação voluntária da dívida para evitar o caos". O caos ocorreu meses mais tarde.

A saída para o Brasil, segundo ele, é promover rapidamente acordo de comércio com os EUA para aumentar o percentual das exportações.

Folha - Só em setembro, o dólar já subiu 29% diante do real, o que aumenta o custo da dívida brasileira atrelada à moeda americana. A relação dívida/PIB passou de 58% para cerca de 63% neste mês. Não faz dois meses que o FMI anunciou um empréstimo de US$ 30 bilhões ao Brasil. Diante desse quadro, como o sr. avalia a situação do país?

Charles Calomiris - É absolutamente certo que a desvalorização do real tornar mais difícil o pagamento dos serviços da dívida. O que vemos acontecer é, em parte, uma reação ao risco das eleições, mas é apenas uma parte. Não creio que seja só um problema de fundamentos. De forma simples, o problema é que o ingresso de dólares com o resultado da balança comercial e o fluxo de capital externo têm que ser iguais ou superiores à quantidade de dólares que saem para o pagamento dos serviços da dívida. Para ser solvente você tem que satisfazer duas condições. Uma é manter seu balanço fiscal sob controle.

Pode-se argumentar que o Brasil fez isso. Não satisfez a primeira. Que os dólares que entram sejam suficientes para cobrir os dólares que precisam ser pagos. Para mim, o medo do mercado está centrado nesse tema. Se o eleito for Lula e ele anunciar "nós vamos liberalizar o comércio" e entrar em acordo com os EUA para dobrar as exportações em percentuais do PIB nos próximos três ou quatro anos, o dilema será resolvido.

Folha - Mas um acordo desse tipo seria vantajoso para o Brasil?

Calomiris -Politicamente, não. Economicamente, sim. O Brasil tem exportações muito baixas em relação ao PIB. Lula não trata disso em sua plataforma. Você não pode ser punido por ser de esquerda.

Não se pode apenas acordar um dia e dizer "vou pagar", mas promover políticas que, de fato, permitam cumprir essa promessa. Não vejo nenhuma evidência entre os presidenciáveis de que vão se mover rapidamente na direção do livre comércio. Vimos esse filme com a Argentina. O governo acumulava um déficit fiscal por conta do acordo de co-participação (das Províncias no total arrecadado pela União) e também tinha políticas protecionistas e um nível de exportações muito baixo comparado ao PIB.

Essa é a chave: se você tiver dívida denominada em dólares, mas exportações em crescimento, o mercado deixa de ter medo. Para acalmar o mercado, o vencedor dirá "eu vou pagar". Bem, e onde você vai conseguir dinheiro para pagar? A forma de obter esse dinheiro é adotar liberalização real do comércio.

Folha - O sr. acredita que o Brasil pode se tornar uma Argentina?

Calomiris -Certamente, pode. E provavelmente vai, independentemente de o eleito ser Lula ou Serra, apesar de os investidores temerem mais a Lula.

Folha - O sr. indicaria uma reestruturação da dívida brasileira, como fez com a Argentina?

Calomiris -
No caso da Argentina, 95% da dívida pública era denominada em dólares. A dívida brasileira está longe disso. Mas há uma parcela indexada ao dólar e a dívida dolarizada em relação às exportações é 300% maior. É uma relação muito alta, que não permite assegurar que, no futuro, os superávits serão suficientes para cobrir os pagamentos. As pessoas gostam de olhar para o fator dívida/PIB e para o superávit primário e afirmar "veja nossa relação dívida/ PIB é de 63%, nosso superávit primário tem sido razoável". Talvez você esteja certo sobre o superávit primário e sua relação dívida/PIB não seja um desastre. Mas dê uma olhada em importações e exportações e seus vencimentos em dólares e me diga como continuará solvente.
 

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