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18/12/2002 - 08h29

Internet grátis ameaça empresas de telefonia, diz Telefônica

ELVIRA LOBATO
da Folha de S.Paulo, no Rio

O acesso gratuito à internet virou instrumento de disputa de mercado entre as empresas de telefonia. A guerra, que está apenas começando, pode colocar em risco a produção nacional de conteúdo para internet, afirma o vice-presidente de estratégia corporativa e regulatória da Telefônica, Eduardo Navarro de Carvalho.

"Se o acesso à internet virar um jogo entre empresas de telecomunicações, todas terão seu próprio provedor gratuito para não serem engolidas na competição pelo tráfego. Mas o foco delas não será o conteúdo. Vejo risco dessa disputa contaminar o mercado de internet", afirmou Navarro.

A polêmica começou com o contrato assinado entre a Telemar e o provedor de acesso gratuito iG, no ano passado [parte dos controladores da Telemar eram também acionistas do iG, como o GP, Opportunity, grupo La Fonte e a Andrade Gutierrez Telecomunicações]. Em seguida, foi a vez da Brasil Telecom, com o iBest. A Telefônica acaba de lançar o i-Telefônica, no interior de São Paulo, mas diz que está apenas defendendo seu mercado dos concorrentes.

Folha - Com que propósito a Telefônica está lançando um provedor de acesso gratuito no interior de São Paulo?

Eduardo Navarro de Carvalho - É apenas uma estratégia defensiva. Uma espécie de vacina, ou antídoto, para a ação de empresas que tentam usar a internet gratuita para obter parte da receita do tráfego telefônico. Mas, se a prática do sumidouro de tráfego for consolidada, vamos entrar de forma agressiva no mercado, apesar de acharmos que a internet gratuita trará ônus a médio prazo, que serão arcados por todos, inclusive pelos que não usam a internet.

Folha - O que vem a ser "sumidouro de tráfego"?

Navarro - A polêmica está na remuneração do uso das redes de telecomunicação. A regra para a interconexão das redes foi pensada para o tráfego de voz. Se uma empresa gera mais de 55% do tráfego entre duas redes, ela deve ser compensada financeiramente pela outra. Com a explosão da internet e a abertura do mercado de telecomunicações, há uma pressão para que o tráfego de internet seja incluído no pagamento de interconexão. A nosso ver, o tráfego de internet deve ser tratado de forma diferenciada.

Folha - Por que o senhor não quer que as ligações para provedor de internet entrem na partilha de receita entre as operadoras?

Navarro - Porque será uma sangria de receita das teles. Se um internauta usar a internet durante uma hora, após a meia-noite, e por duas horas nos finais de semana, vai pagar R$ 2,70 à empresa de telefonia, para 38 horas de conexão. Se o provedor de internet estivesse numa rede concorrente, e as ligações fossem computadas no cálculo de interconexão, a tele teria de pagar R$ 51,00 pelo tráfego gerado por aquele internauta. Ou seja, pagaria 20 vezes mais do que receberia.

Folha - O contrato entre a Telemar e o iG, no seu entender, foi assinado com o objetivo de roubar tráfego?

Navarro - Seguramente. Não vejo outro motivo. Se a Telemar der metade da receita ao iG, receberá por mês cerca de R$ 26,50 por usuário, equivalente à mensalidade média de um provedor pago.

Folha - Quanto dinheiro está em jogo nessa disputa?

Navarro - As três operadoras [Telefônica, Telemar e Brasil Telecom] teriam perda de receita de até R$ 1,3 bilhão. A Telefônica teria perda de pelo menos R$ 400 milhões, que representa 20% da receita de tráfego de ligações locais. Acontece que os contratos de concessão têm garantia de equilíbrio financeiro. Não estamos obrigados a suportar prejuízos que não decorram de negligência ou de ineficiência. Como o sumidouro de tráfego é algo que não podemos evitar, teríamos direito a um reajuste tarifário, dentro de curto ou médio prazo.

Folha - O senhor é contra a internet gratuita?

Navarro - Não critico a internet grátis em si, mas nada é de graça. Haverá aumento da tarifa de telefone e todos nós vamos pagar a conta. Isso não é justo, porque mais de dois terços dos assinantes de telefone estão nas classes C, D e E, que não têm internet. Enquanto 70% da classe A e 35% da classe B têm internet, o índice é de 10% na classe C, de 4% na D e de zero na E. Por esse motivo, a internet grátis vai contra a universalização das telecomunicações, pois o pobre acabará subsidiando o acesso do rico à internet, numa espécie de Robin Wood ao contrário.

Folha - A oferta de acesso gratuito à internet pelas teles não configura concorrência desleal com os provedores independentes?

Navarro - O risco nessa disputa de internet gratuita é destruir a produção de conteúdo local. O Brasil é um dos poucos países da América Latina com conteúdo de internet nacional. A maioria só tem conteúdo estrangeiro. Se o acesso à internet virar um jogo entre empresas de telecomunicações, todas terão seu próprio provedor para não serem engolidas na competição pelo tráfego. Mas o foco das teles não será o conteúdo. Vejo risco dessa disputa contaminar o mercado de internet.

Folha - Por que esse assunto só veio à tona agora?

Navarro - Temos levado o problema à Anatel [a agência reguladora das teles] há pelo menos dois anos. A agência entendia que o assunto seria esclarecido na consulta pública sobre a regulamentação da internet, mas o texto provocou uma discussão muito grande. A consulta pública não está suficientemente clara, mas acredito que o objetivo da Anatel é acabar com o sumidouro de tráfego.

Folha - Por que o contrato entre a Telemar e o iG suscita tanta polêmica?

Navarro - Ele estabelece que todas as ligações para o iG terão de passar pela rede da Telemar. Ou seja, a Telemar será a intermediária das ligações para o iG em São Paulo e em todo o país. É o sumidouro de tráfego. Esse problema está emperrando as assinaturas dos contratos de interconexão entre as concessionárias locais e os novos competidores do mercado. A Telefônica só tem um contrato de interconexão para acesso à rede local: o da Vésper, assinado no ano passado, que não inclui o tráfego de internet para o cálculo da receita de interconexão.

Folha - A Telefônica já sentou para tratar do contrato de interconexão para o serviço em São Paulo?

Navarro - Até agora, a negociação mais avançada se deu com a Embratel, mas há pontos essenciais a resolver e o principal deles é o tratamento do tráfego de internet. Nós propusemos excluir a internet do cálculo da interconexão, mas a Embratel não aceitou. Pedimos a arbitragem da Anatel, algumas semanas atrás. Outras empresas, como a AT&T e a GVT [esta última já criou seu provedor gratuito], também não concordam. A Embratel não tem provedor gratuito de acesso à internet, mas pode vir a assinar contratos com algum deles. Por isso, a briga é explosiva.
 

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