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13/07/2003 - 09h02

Empresariado dos EUA defende Alca ampla

FERNANDO CANZIAN
da Folha de S.Paulo, em Washington

O Brasil só vai recuperar o otimismo e os investimentos de empresas norte-americanas quando decidir abrir seu mercado. E a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) seria a oportunidade para fazer isso. Essa é a opinião de Frank Vargo, vice-presidente da National Association of Manufactures (NAM), maior organização industrial e comercial dos EUA.

"Não deve ser uma Alca que englobe apenas pequenos acordos em poucas áreas. Nosso conselho para o governo americano é que, se tivermos de negociar dessa maneira, não vai funcionar", disse Vargo, em entrevista à Folha.

Se a única opção for a negociação de uma Alca pequena, como sugere o Brasil, Vargo diz ser "preferível" um acordo bilateral. "Se o Brasil não estiver interessado, problema do Brasil. Vamos negociar com os que queiram."

As declarações de Vargo, ex-secretário-adjunto de Comércio dos EUA no governo Bill Clinton (1993-2001), são uma resposta à estratégia delineada pelo Brasil de tentar negociar o que vem sendo chamado de "Alca light".

Nessa estratégia, o Brasil propõe retirar das negociações temas fundamentais para os americanos, como as questões de propriedade industrial e acesso a compras e contratos governamentais. A "Alca mínima" ficaria limitada à questão do acesso a mercados via redução de tarifas de conjuntos de produtos.

"Enquanto continuar existindo o sentimento de que o Brasil não vai se abrir, haverá sempre um fato negativo. O Brasil não pode manter a economia fechada e ser capaz de competir, aumentar o padrão de vida da sociedade e atrair investimentos estrangeiros", diz Vargo, cuja associação representa 14 mil empresas e 18 milhões de trabalhadores.

Vargo falou também sobre o desemprego em seu setor e sobre o maior rival dos EUA hoje, a China. Segundo ele, a relação comercial com os chineses trouxe uma nova onda de protecionismo.

Folha - Quais as chances da Alca?

Frank Vargo - Estamos muito ansiosos para chegar a um acordo em torno da Alca. Seria preferível chegarmos à Alca a fecharmos apenas acordos bilaterais. A Alca levaria todo o continente a se abrir, trazendo dinamismo e um grande potencial de crescimento. Acreditamos que a Alca será boa para o Brasil também.

O que mais importamos hoje do Brasil não é café ou outros produtos agrícolas. São aeronaves. O segundo item da nossa lista de importações é maquinaria elétrica. O futuro do Brasil está nisso, e a Alca permitiria uma ampliação desse comércio. O Brasil precisa se abrir. Precisa pensar sobre isso.

Folha - O Brasil decidiu propor uma Alca reduzida em decorrência da oferta de acesso ao mercado americano. A proposta dos EUA foi considerada quase indecente [dos 34 países da Alca, o Brasil seria o último a ser beneficiado pela redução de tarifas]. Isso vai mudar?

Vargo - Não posso prever o que o governo americano vai fazer. Mas temos bons negociadores e sempre quisemos a Alca. Acho que o Brasil deveria negociar de forma dura em cima do que achar necessário, assim como os EUA deverão fazer a mesma coisa.

Mas o Brasil precisa encarar o fato de representar uma das maiores economias do hemisfério Ocidental. Claro que ninguém deve entrar em um acordo se considerar que ele não está balanceado. Por isso, espero que as ofertas mudem ao longo da negociação.

Mas o importante é que o Brasil adote a mesma visão que temos, de uma área de livre comércio. Não deve ser uma Alca que englobe apenas pequenos acordos. Isso não vai funcionar. Nosso conselho para o governo americano é que, se tivermos de negociar dessa maneira, não vai funcionar. É preferível um acordo bilateral. Se o Brasil não estiver interessado, problema do Brasil. Vamos negociar com os que queiram.

Folha - Nesse cenário, como sr. avalia a possibilidade de empresas americanas retomarem investimentos no Brasil? Isso vai ocorrer?

Vargo - Não sei. É preciso um pouco mais de otimismo com o futuro, e certamente a Alca ajudaria. Enquanto continuar existindo esse sentimento de que talvez o Brasil não vá se abrir da mesma maneira que o resto do mundo, isso será um fator negativo. Sempre ouvimos a velha história de que o Brasil é o país do futuro. Certo, pode até ser, mas o futuro precisa começar agora.

O mundo hoje é completamente diferente do dos anos 60 e 70. Está muito mais globalizado e claramente vai continuar nesse caminho. Goste ou não o Brasil, é assim que as coisas vão continuar sendo. Vocês não podem esperar manter a economia fechada e serem capazes de competir, aumentar o padrão de vida da sociedade e ainda atrair investimentos.

O governo Lula é relativamente novo, surpreendeu muitas pessoas ao perseguir as políticas certas, e o presidente parece ser uma pessoa inteligente. O novo governo deve trabalhar para aumentar a confiança externa no país, mas confiança não é apenas produção industrial crescendo por alguns trimestres. O Brasil só vai atrair essa confiança quando se abrir. É disso que se trata a Alca.

Folha - A recente crise americana afetou mais o setor industrial, onde o desemprego está concentrado. Quando isso vai parar?

Vargo - Os dois principais fatores para o desemprego são as consequências da bolha de investimentos nos anos 90 e a situação do comércio internacional. Isso tem a ver com a cotação do dólar. Nos últimos dois anos, as exportações industriais caíram US$ 86 bilhões, um número monumental. Quando olhamos para a importação, é o inverso. Tivemos um aumento de 20%.

O setor industrial representa apenas 13% do total da força de trabalho americana, mas respondeu por 90% do aumento da taxa de desemprego desde julho de 2000. Somos também a área mais competitiva e todos os anos vimos a produtividade crescer mais rápido do que as vendas, acarretando uma perda de cerca de 50 mil empregos ao ano no país. Mas perder 2,6 milhões de empregos em três anos é uma enormidade. Cortamos 15% de nossa força.

Isso agora começa, de uma forma geral, a estimular o protecionismo. Muitas companhias começam a dizer: "Esses acordos comercias são terríveis, vamos cair fora da OMC [Organização Mundial do Comércio], vamos fechar nossas fronteiras". Isso é natural, mas o problema principal está relacionado ao fato de o dólar ter se sobrevalorizado. Quando as coisas vão mal, a tendência é procurar culpados. Os acordos com a China, com o México e o Canadá, por exemplo. Mas a resposta não está aí. Está na moeda.

Folha - Agora o dólar está ficando mais competitivo, não?

Vargo - Sim e não. Está mudando em relação à Europa, à América Latina e, no caso do Canadá, a paridade está voltando a um nível razoável. Mas o problema principal continua concentrado nas moedas asiáticas. A China desvalorizou sua moeda em mais de 30% em 1994 e vem mantendo o mesmo nível desde então. Isso tem gerado um impacto devastador sobre os EUA. Nossas companhias sabem que, nesse nível, não temos como competir.
 

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