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19/12/2004
-
09h10
LEONARDO SOUZA
da Folha de S.Paulo, em Brasília
O Banco Santos oferecia a seus clientes mecanismos para trazer recursos do exterior que permitiam driblar o fisco e omitir a origem do dinheiro.
O Banco Central já tomou conhecimento dessas transações, segundo a Folha apurou. Uma das frentes de investigação da comissão de inquérito constituída especificamente para o caso da instituição, sob intervenção desde o dia 12 do mês passado, focará principalmente o esquema.
O BC tem forte desconfiança de que a operação, conhecida no mercado como "back-to-back", tenha sido usada para a lavagem de dinheiro, realizada com a participação do Bank of Europe, com o qual o Banco Santos mantinha estreita relação.
O advogado do Banco Santos Ricardo Tepedino confirmou à reportagem da Folha que o banco realizava essa operação. Mas ressaltou que a manobra é algo de praxe no mercado financeiro.
Tepedino admitiu também que não é possível asseverar se a origem do dinheiro é legal ou não. Mas avalia que a responsabilidade, em caso de irregularidade, é do cliente, não do banco. "Isso pode ser tanto lícito como ilícito, dependendo do caso. Eu diria que não é uma operação infreqüente, ocorre em vários bancos, tanto é que tem nome."
Paraíso fiscal
De forma resumida, a operação funcionava do seguinte modo: a empresa ou pessoa interessada no serviço primeiro depositava os recursos no Bank of Europe, baseado no paraíso fiscal de Antígua, no Caribe. O Banco Santos, então, repassava o dinheiro para o cliente no Brasil sob a forma de empréstimos.
Tepedino disse que o dinheiro aplicado no exterior é "uma espécie de caução" que o banco exige para emprestar recursos para determinados clientes, como uma forma a mais de segurança. "Se o cliente não pagar, o banco executa o penhor lá em cima [no exterior]", afirmou.
A Folha ouviu quatro pessoas envolvidas com o caso do Banco Santos. Todas pediram para ter seus nomes mantidos em segredo, dada a gravidade do assunto. Os quatro foram categóricos em dizer que esse tipo de esquema é muito usado para a lavagem de dinheiro. Como o banco não tem interesse em saber a origem dos recursos, o mecanismo pode ter sido empregado até mesmo para o ingresso no Brasil de dinheiro oriundo do tráfico de drogas e também de dinheiro público desviado para o exterior.
"Você poderia dizer, mas nesse caso aqui o dinheiro da empresa X não era lícito, o dinheiro era sonegado, é dinheiro do tráfico de drogas. Isso pode ocorrer às vezes, outras vezes não. Outras vezes a empresa tinha dinheiro oficialmente. Isso vai variar de caso a caso", disse Tepedino.
O relacionamento do Banco Santos com o Bank of Europe era tão intenso que gerentes da primeira instituição tinham metas de operação com a segunda. A Folha teve acesso à planilha de trabalho de um dos funcionários do Santos, com cifras mensais de milhões de dólares em transações com o Bank of Europe. Internamente, essas transferências eram conhecidas como operações "M".
O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) também obteve informações das constantes movimentações financeiras que eram realizadas entre os dois bancos. Duas semanas atrás, o deputado encaminhou carta ao ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) pedindo o cancelamento dos passaportes de Edemar Cid Ferreira, dono do Santos, e de Ricardo Russo, que seria presidente do Bank of Europe, segundo Hauly. O deputado teme que os dois fujam do país.
Hauly acredita que o Bank of Europe pertença, na verdade, ao próprio Edemar. Duas semanas atrás, em uma audiência pública na Câmara sobre a intervenção no banco, o deputado perguntou ao diretor de Fiscalização do BC, Paulo Sérgio Cavalheiro, se ele tinha conhecimento dessa informação. Cavalheiro disse que não.
Tepedino afirma que o Bank of Europe não pertence a Edemar. Segundo ele, o Banco Santos teve o Bank of Europe como correspondente bancário até "2000, 2001", não tendo operado mais com a instituição depois. Ele confirmou que havia remessas de recursos entre as duas instituições financeiras, "em operações de câmbio para clientes".
Agora, muitos dos que usaram esse mecanismo por meio dos dois bancos temem perder todo o dinheiro transferido. Eles receiam que não haja recursos no Bank of Europe para serem cobrados, uma vez que o dinheiro era remetido para o Banco Santos. E no Brasil, os usuários do esquema figuram como devedores. Pela estrutura anterior, à dívida no Brasil correspondia um crédito lá fora, zerando direitos e deveres com a instituição.
No entanto, após a intervenção, quem cobrará esses recursos será o Banco Central. A avaliação do BC é que não havia "bobos nem ingênuos" nesses esquemas. Assim, serão tratados como quaisquer outros devedores. Ou seja, terão de pagar o "crédito" tomado. Os clientes temem também acionar a Justiça e acabar criando um problema com a Receita Federal.
Crime de sonegação
Pela legislação brasileira, contribuintes residentes no país (pessoas físicas ou jurídicas) têm de declarar patrimônio no exterior normalmente à Receita Federal, pagando os devidos impostos.
No esquema montado pelo Banco Santos isso não era necessário, pois no Brasil os recursos eram sacados pelos clientes sob a forma de empréstimo.
Ao reivindicar o dinheiro, esses clientes poderiam chamar a atenção do fisco para crimes como sonegação de impostos, evasão de recursos e remessa ilegal de dinheiro para o exterior.
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Empresas de Edemar receberam R$ 2,55 bi
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Banco Santos mantinha esquema para driblar fisco
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da Folha de S.Paulo, em Brasília
O Banco Santos oferecia a seus clientes mecanismos para trazer recursos do exterior que permitiam driblar o fisco e omitir a origem do dinheiro.
O Banco Central já tomou conhecimento dessas transações, segundo a Folha apurou. Uma das frentes de investigação da comissão de inquérito constituída especificamente para o caso da instituição, sob intervenção desde o dia 12 do mês passado, focará principalmente o esquema.
O BC tem forte desconfiança de que a operação, conhecida no mercado como "back-to-back", tenha sido usada para a lavagem de dinheiro, realizada com a participação do Bank of Europe, com o qual o Banco Santos mantinha estreita relação.
O advogado do Banco Santos Ricardo Tepedino confirmou à reportagem da Folha que o banco realizava essa operação. Mas ressaltou que a manobra é algo de praxe no mercado financeiro.
Tepedino admitiu também que não é possível asseverar se a origem do dinheiro é legal ou não. Mas avalia que a responsabilidade, em caso de irregularidade, é do cliente, não do banco. "Isso pode ser tanto lícito como ilícito, dependendo do caso. Eu diria que não é uma operação infreqüente, ocorre em vários bancos, tanto é que tem nome."
Paraíso fiscal
De forma resumida, a operação funcionava do seguinte modo: a empresa ou pessoa interessada no serviço primeiro depositava os recursos no Bank of Europe, baseado no paraíso fiscal de Antígua, no Caribe. O Banco Santos, então, repassava o dinheiro para o cliente no Brasil sob a forma de empréstimos.
Tepedino disse que o dinheiro aplicado no exterior é "uma espécie de caução" que o banco exige para emprestar recursos para determinados clientes, como uma forma a mais de segurança. "Se o cliente não pagar, o banco executa o penhor lá em cima [no exterior]", afirmou.
A Folha ouviu quatro pessoas envolvidas com o caso do Banco Santos. Todas pediram para ter seus nomes mantidos em segredo, dada a gravidade do assunto. Os quatro foram categóricos em dizer que esse tipo de esquema é muito usado para a lavagem de dinheiro. Como o banco não tem interesse em saber a origem dos recursos, o mecanismo pode ter sido empregado até mesmo para o ingresso no Brasil de dinheiro oriundo do tráfico de drogas e também de dinheiro público desviado para o exterior.
"Você poderia dizer, mas nesse caso aqui o dinheiro da empresa X não era lícito, o dinheiro era sonegado, é dinheiro do tráfico de drogas. Isso pode ocorrer às vezes, outras vezes não. Outras vezes a empresa tinha dinheiro oficialmente. Isso vai variar de caso a caso", disse Tepedino.
O relacionamento do Banco Santos com o Bank of Europe era tão intenso que gerentes da primeira instituição tinham metas de operação com a segunda. A Folha teve acesso à planilha de trabalho de um dos funcionários do Santos, com cifras mensais de milhões de dólares em transações com o Bank of Europe. Internamente, essas transferências eram conhecidas como operações "M".
O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) também obteve informações das constantes movimentações financeiras que eram realizadas entre os dois bancos. Duas semanas atrás, o deputado encaminhou carta ao ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) pedindo o cancelamento dos passaportes de Edemar Cid Ferreira, dono do Santos, e de Ricardo Russo, que seria presidente do Bank of Europe, segundo Hauly. O deputado teme que os dois fujam do país.
Hauly acredita que o Bank of Europe pertença, na verdade, ao próprio Edemar. Duas semanas atrás, em uma audiência pública na Câmara sobre a intervenção no banco, o deputado perguntou ao diretor de Fiscalização do BC, Paulo Sérgio Cavalheiro, se ele tinha conhecimento dessa informação. Cavalheiro disse que não.
Tepedino afirma que o Bank of Europe não pertence a Edemar. Segundo ele, o Banco Santos teve o Bank of Europe como correspondente bancário até "2000, 2001", não tendo operado mais com a instituição depois. Ele confirmou que havia remessas de recursos entre as duas instituições financeiras, "em operações de câmbio para clientes".
Agora, muitos dos que usaram esse mecanismo por meio dos dois bancos temem perder todo o dinheiro transferido. Eles receiam que não haja recursos no Bank of Europe para serem cobrados, uma vez que o dinheiro era remetido para o Banco Santos. E no Brasil, os usuários do esquema figuram como devedores. Pela estrutura anterior, à dívida no Brasil correspondia um crédito lá fora, zerando direitos e deveres com a instituição.
No entanto, após a intervenção, quem cobrará esses recursos será o Banco Central. A avaliação do BC é que não havia "bobos nem ingênuos" nesses esquemas. Assim, serão tratados como quaisquer outros devedores. Ou seja, terão de pagar o "crédito" tomado. Os clientes temem também acionar a Justiça e acabar criando um problema com a Receita Federal.
Crime de sonegação
Pela legislação brasileira, contribuintes residentes no país (pessoas físicas ou jurídicas) têm de declarar patrimônio no exterior normalmente à Receita Federal, pagando os devidos impostos.
No esquema montado pelo Banco Santos isso não era necessário, pois no Brasil os recursos eram sacados pelos clientes sob a forma de empréstimo.
Ao reivindicar o dinheiro, esses clientes poderiam chamar a atenção do fisco para crimes como sonegação de impostos, evasão de recursos e remessa ilegal de dinheiro para o exterior.
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