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27/01/2005 - 09h43

Risco do dólar domina debate em Davos

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CLÓVIS ROSSI
do enviado especial da Folha de S.Paulo a Davos

Fred Bergsten, diretor do IIE (Instituto para a Economia Internacional) dos EUA, lançou ontem um raio sobre o céu azul da economia global: "Há um enorme risco de crise do dólar, se o próximo Orçamento dos EUA não deixar claro que o déficit começará a ser reduzido".

A previsão de Bergsten, um dos maiores especialistas globais em comércio e relações cambiais, foi lançada em debate sobre o comércio global, uma das sessões de abertura do encontro anual 2005 do Fórum Econômico Mundial, sob um céu também azul em Davos (não nevou ontem).

A razão da crise do dólar seria o seguinte teorema:

1 - Os EUA precisam de cerca de US$ 5 bilhões por dia para se financiarem. Se não houver sinais de que o governo reduzirá o déficit orçamentário, outros países tendem a mostrar cada vez menos disposição para financiá-lo.

2 - O dólar, calcula Bergsten, ainda está 20% sobrevalorizado, quando se leva em conta a ponderação com as moedas dos parceiros comerciais dos EUA, apesar de já ter caído 16% em relação ao euro. Ou seja, há ainda muito espaço para depreciação da moeda norte-americana, de forma a tornar mais competitiva a sua exportação (o déficit norte-americano nas transações com o exterior é igualmente gigantesco).

3 - As duas circunstâncias somadas podem mudar o cenário dos três anos mais recentes, nos quais a desvalorização da moeda norte-americana foi "gradual e ordenada", diz Bergsten, transformando-se então na crise por ele prevista.

Participante da mesa, o ministro mexicano de Economia, Fernando Canales, ousou abandonar a discrição com que usualmente autoridades mexicanas falam de seu portentoso vizinho, para lembrar que "já há uma tendência de muitos países para trocar suas reservas para outra moeda" (no caso, basicamente o euro, conforme a Folha mostrou na segunda).

"Se isso vier a ocorrer de maneira mais ampla, haverá um pouso acidentado (do dólar)", disse Canales.

Uma segunda ameaça de trocar o dólar por outras moedas foi feita em sessão sobre a China.

Fan Gang, diretor do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica, disse que a prioridade para seu país é mudar a maneira como a moeda é cotada: em vez de fixada em relação ao dólar, como hoje, passaria a vincular-se a "uma cesta mais flexível de moedas".

Já o mais célebre pessimista de Davos, Stephen Roach, economista-chefe do Morgan Stanley, igualmente dos EUA, preferiu prever a crise pelo lado do aumento dos juros.

O seu próprio teorema é, simplificado, o seguinte:

1 - O dólar de fato pode continuar se desvalorizando, mas uma depreciação forte o suficiente para permitir a correção do déficit em transações com o exterior (a "crise" prevista por Bergsten) seria politicamente insustentável. Logo, não deverá ocorrer.

2 - Mas é também insustentável, acha Roach, uma economia que ele descreve ironicamente como "uma gigantesca ATM" (ATM é a sigla em inglês para Automatic Telling Machine, os caixas eletrônicos dos bancos).

Significa que os consumidores norte-americanos gastam muito mais do que têm. De fato, o consumo passou a representar 71% do Produto Interno Bruto (medida da economia de um país) contra o patamar histórico de 67%. O norte-americano, diz Roach, consome não porque tenha poupança para fazê-lo mas porque saca de sua suposta ATM, ou seja de seus ativos, financeiros ou imóveis.

O economista cita o fato de que o preço dos imóveis subiu 13% no terceiro trimestre de 2004, comparado com idêntico período do ano anterior, e decreta: "Trata-se de um acidente esperando para acontecer".
O "acidente" seria o estouro do que ele considera uma bolha de ativos.
Como Roach é um pessimista profissional, até conhecido por isso, seu catastrofismo chama agora menos atenção do que nos anos anteriores, quando ele surfava na onda de ter sido um dos poucos a prever as crises financeiras do final dos anos 90.

Os demais debatedores foram bastante mais otimistas, inclusive Takatoshi Ito (Escola de Economia e Política Pública da Universidade de Tóquio), embora venha de um país, o Japão, que era sistematicamente criticado pela sua anemia econômica nos últimos anos.

"A economia japonesa ganhou velocidade de cruzeiro [crescerá entre 1,5% e 2% reais este ano] e não há nenhum grande risco aparente", disse Ito.
Como o debate era sobre "economia mundial", o Brasil e a América Latina pareciam não fazer parte do mundo. Não foram mencionados uma única vez nas exposições. O Brasil só acabou aparecendo na fase das perguntas, quando um empresário turco quis saber especificamente sobre os países emergentes.

Aí, Jacob Frenkel, ex-Merril Lynch, hoje na também financeira AIG, citou o Brasil (mais Turquia, Rússia e México) como países que se transformaram de "problemáticos em atrativos". Conclusão: "Se um país adota as políticas adequadas, o mercado o recompensa".

É claro que as "políticas adequadas" do ponto de vista do mercado são as ortodoxas.

Mesmo a Argentina, país que não adotou "políticas adequadas" sob esse ponto de vista, acabou mencionado de maneira ambígua, para demonstrar que os investidores estão "mais sofisticados", segundo Frenkel.
"No passado, quem acreditaria que a América Latina pudesse crescer sem que a Argentina resolvesse seu problema da dívida?", perguntou, com resposta implícita.

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