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22/07/2005 - 09h21

Dutra rechaça ingerência nas licitações da Petrobras

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GUILHERME BARROS
Colunista da Folha

Depois de dois anos e meio à frente da Petrobras, José Eduardo Dutra, 48, irá transferir hoje o cargo para José Sérgio Gabrielli, que ocupava a diretoria financeira da empresa. Em entrevista concedida ontem à Folha, seu último dia no cargo, Dutra manifestou sua irritação com as denúncias de que o ex-secretário do PT, Sílvio Pereira, teria ganho um Land Rover da GDK por ter interferido numa licitação de US$ 90 milhões vencida pela empresa na Petrobras.

Segundo ele, "não há a menor possibilidade de alguém de fora ou mesmo o presidente da Petrobras interferir no processo licitatório da companhia".

Dutra afirmou que a GDK já trabalha desde 94 na Petrobras. Em 2002, no governo FHC, a empresa ganhou uma licitação de US$ 88 milhões na estatal. "Para se fazer um favorecimento na Petrobras, uma empresa teria que corromper dezenas de engenheiros", afirmou. "Teriam que ser dadas muitas Land Rovers".

Dutra não escondeu decepção e angústia com o seu partido, o PT. "A única música que me vem a mente é a do Cazuza, o meu partido é um coração partido", diz.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Qual o balanço que o sr. faz de sua gestão?

José Eduardo Dutra - Extremamente positiva. A Petrobras expandiu sua atuação internacional. Quando chegamos aqui, a empresa estava em nove países, hoje está em 15. E vem batendo recordes sucessivos de produção de petróleo no Brasil. Estamos no limiar da auto-suficiência. Os lucros foram recordes na história da companhia. Em 2002, o lucro foi de R$ 8 bilhões, em 2003 e 2004, de R$ 17 bilhões. O valor de mercado saltou de US$ 15 bilhões em 31 de dezembro de 2002 para US$ 53 bilhões ontem [quarta-feira].

Folha - O sr. acha que as indicações políticas nas estatais deveriam acabar?

Dutra - Esta é uma discussão que chega a ser bizantina. Se o governo tem o controle de uma empresa, é óbvio e natural que aquele governo vai apresentar para compor a direção da empresa pessoas que estejam afinadas com a linha política do governo, e que não necessariamente sejam políticos. No caso da diretoria da Petrobras, só eu, o diretor Gabrielli e o diretor Ildo Sauer não éramos do corpo de empregados da Petrobras. Todos os outros diretores já eram funcionários. Daí para baixo, todos os gerentes já eram empregados. A Petrobras desenvolveu um sistema de governança corporativa que não sofre influência política no sentido pequeno do termo. A condução do dia a dia da empresa vem sendo tocada da mesma forma que vinha sendo tocada nos governos anteriores. Houve apenas alguns toques de mudança, como a exigência de conteúdo nacional [nas licitações], que foi muito criticada por alguns, mas que se revelou acertada.

Folha - Muitos países estabelecem separação entre estatais e política para evitar denúncias.

Dutra - As denúncias existem independente de indicação política, e isso vale não só para estatal, como também para empresa privada. Alguns escândalos que aconteceram nos Estados Unidos há dois ou três anos atrás envolveram empresas privadas. O que é importante é ter um processo de condução da companhia sem uso político-partidário, e isso a Petrobras desenvolveu.

Folha - E essas denúncias envolvendo a GDK e o carro dado pela empresa ao ex-secretário do PT, Sílvio Pereira?

Dutra - Primeiro, essa questão da GDK ter dado o carro para o Sílvio Pereira cabe a ele explicar. O que me deixa triste é que se procura estabelecer uma vinculação de um fato, como esse do carro, com a vitória da GDK em licitações da companhia, como se isso fosse possível. Essas acusações, na verdade, colocam sob suspeita dezenas de técnicos da companhia que participam de um processo licitatório. Não é possível, no processo licitatório de uma companhia como a Petrobras, alguém de fora ou até mesmo o presidente da empresa dizer quem vai ganhar o processo. A GDK já trabalha há muito tempo com a Petrobras. A GDK ganhou outra licitação, com quase o mesmo valor, de US$ 88 milhões, para a implantação do pólo Araras em Urucú, em 2002. Quem foi que recebeu o jipe para essa licitação? Tinha Silvinho nessa época? A Petrobras trabalha com a GDK desde 94. Ela teve US$ 120 milhões em contratos em 2001, US$ 450 milhões em 2002, US$ 140 milhões em 2003, US$ 520 milhões em 2004 e agora está com US$ 200 milhões. Para fazer um favorecimento a uma empresa na Petrobras teria que corromper dezenas de engenheiros, até chegar na diretoria, que é quem delibera se assina ou não o contrato. Teriam que ser dadas muitas Land Rovers. Felizmente, o mercado conhece a Petrobras e não dá muita importância a essas denúncias. As nossas ações não sofreram influência nenhuma.

Folha - A que o sr. atribui essas denúncias?

Dutra - Tem, em primeiro lugar, um interesse político de um parlamentar dentro da CPI [a denúncia foi feita pelo deputado do PFL da Bahia Antônio Carlos Magalhães Neto]. O que me surpreende é que o PFL da Bahia tem dois senadores que já foram presidentes do conselho de administração da companhia, Rodolpho Tourinho e José Jorge, e que sabem o que é impossível uma ação deste tipo, de alguém ganhar um carro para intervir numa ação da empresa. Esse é um aspecto do surfista político, que eu até admito. Acho que faz parte do jogo. Mas tem também o surfista econômico, de qualquer empresa que tenha perdido uma licitação e aproveita o momento para jogar lama no ventilador e colocar sob suspeita aquela licitação que ela perdeu. Este é o grande problema, e há esse interesse neste momento.

Folha - Pode citar a empresa?

Dutra - Não. A única coisa que posso dizer é que acho que tem influência de setores com litígio na Petrobras desde o tempo da gestão Henri Phillipe Reichstul.

Folha - Mas o TCU (Tribunal de Contas da União) está analisando a licitação vencida pela GDK.

Dutra - O TCU está analisando todas as licitações da minha administração desde junho do ano passado, a meu pedido, o que quer dizer que isso não tem nenhuma relação com as denúncias de agora. Eu tenho absoluta certeza que, se houve pagamento de um carro para o Silvinho, se era com essa intenção, não surtiu efeito. Agora, eu questiono até essa intenção. Se fosse uma empresa que nunca tivesse ganho um contrato, até poderia se fazer essa ilação, mas a GDK tem contratos com a Petrobras desde 94.

Folha - O Sílvio Pereira indicou diretores da Petrobras?

Dutra - Não.

Folha - Qual é a sua relação com ele?

Dutra - Conheço o Silvinho há anos. Conversei com ele n vezes. E, como se sabe, ele recebia a indicação dos partidos da base aliada do governo. Na Petrobras, hoje, a Transpetro tem dois dirigentes do PMDB, mas não foram indicados pelo Silvinho. Ele não tem nenhuma ingerência na Petrobras.

Folha - O sr. conhece o empresário Fernando Moura, que se diz ser ligado a GDK e que andava com desenvoltura na Petrobras?

Dutra - Eu não o conheço. Nunca o vi aqui. A informação que eu tenho é que todos os contatos da GDK com a Petrobras são feitos pelo seu presidente, César Oliveira. Não há, portanto, nenhuma relação desse Fernando Moura aqui, nenhuma vinculação.

Folha - O presidente da Petrobras manda na empresa?

Dutra - Não tem nenhuma pessoa que manda na Petrobras. O conceito de governança corporativa é exatamente esse. O objetivo é de se ter uma corporação com métodos e processos onde não exista uma pessoa que mande. Objetivamente, eu não mando na Petrobras. O presidente não manda na Petrobras. Isso vale para qualquer grande empresa multinacional, e a Petrobras é uma multinacional. Aqui, por exemplo, se fala na ditadura dos gerentes, ainda que ninguém goste do termo ditadura, mas você tem um procedimento dos gerentes que quando os assuntos chegam na diretoria é para aprovar ou não aprovar. No procedimento, a diretoria não se envolve. É claro que pode haver irregularidade, mas a companhia tem uma auditoria interna permanente e a diretoria é auditada pelo TCU e fiscalizada pelo Congresso Nacional.

Folha - Qual o futuro da Petrobras?

Dutra - Como a indústria de petróleo se dá com aquisições, acho que, no futuro, a Petrobras estará disputando grandes aquisições de empresas de petróleo, como fez em 2002, quando a empresa comprou a argentina Perez Companc. A Petrobras irá se inserir no mercado como compradora.

Folha - Como o sr. enxerga a crise atual do PT?

Dutra - Muito preocupante. Estou muito angustiado com essa situação. Todos os petistas estão angustiados. A única música que me vem a mente é a do Cazuza, "O meu partido é um coração partido". Mas eu acredito que o partido vá superar isso. Na história da esquerda do mundo, você teve, em diversas ocasiões, partidos que afundaram e depois se reergueram. Os partidos que tinham estrutura partidária, militância e inserção social ressurgiram e isto vai acontecer com o PT. O partido tem 800 mil filiados. Se for necessário, a base do partido vai atropelar a direção e mudar tudo. Neste momento, há responsabilidades maiores. O Campo Majoritário tem que assumir que é sua a maior responsabilidade. Quer dizer, nós, do Campo Majoritário. Eu acho que este até um nome bastante arrogante, que deveria mudar. O que a gente está vendo é que assuntos de muita gravidade, de muita importância para a realidade do partido não foram tratados de forma coletiva.

Será que isso vai ser fatal para o PT? Nós estamos passando por essa situação difícil, muito por causa da nossa arrogância. O Brizola tinha uma certa razão quando chamava a gente de "UDN de macacão". O PT adotava uma postura de ser o dono da verdade, de ser moralista, de ser o dono da ética, de ter o monopólio da ética, e, em função disso, antes da crise, um percentual significativo da população entendia que o PT era um partido diferente. Na medida que o PT perde isso, o partido perde muito mais que os outros partidos. Isso vai ser muito doloroso para o PT. Hoje, uma parcela expressiva da população já acha que o PT é um partido pior que os outros. É um sentimento de decepção. O PT vai ter que trabalhar muito para juntar esses cacos.

Folha - O sr. pensa em sair do PT?

Dutra - Tem companheiros que pensam em sair para ir para o PSOL, mas, embora eu tenha maior respeito pelo partido, não creio naquilo do ponto de vista político-ideológico. Se eu sair do PT, vou deixar a política, mas essa não é a minha intenção. Estou saindo da Petrobras para colocar a cara para bater como candidato.

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