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29/08/2002
-
10h23
da Folha de S.Paulo
O pensamento conservador no Brasil edificou vários mitos a respeito da "natureza" do povo brasileiro. Há um, bastante difundido, que afirma a nossa passividade. O povo brasileiro seria essencialmente pacífico, de uma submissão bovina.
Os atos de rebeldia não fariam parte de nossa forma de ser, da nossa tradição e da nossa história. Segundo essa visão, qualquer questionamento da ordem seria fruto da ação de grupos isolados que manipulam uma massa ingênua e ignorante de bons brasileiros.
Mesmo considerando que não há sentido falar em "povo brasileiro" na época colonial, essa fase da nossa história está longe de ser considerada pacífica e estável. Foram inúmeros os movimentos de questionamento da ordem colonial, bem como variados os graus de radicalismo de cada um deles.
Num extremo, podemos identificar os movimentos mais moderados, que questionavam aspectos da opressão e da administração colonial sem propor o rompimento com a metrópole. Foram os casos da Revolta dos Irmãos Beckman (Maranhão, 1684), da Guerra dos Emboabas (Minas, 1708/09), da dos Mascates (Pernambuco, 1709-10) e da Revolta de Filipe dos Santos (Minas, 1720).
O fato desses movimentos não questionarem o sistema colonial em si não significa que tenham sido tratados com brandura. Os líderes da Revolta de Beckman foram enforcados, os paulistas que resistiam a dividir as minas de ouro com os portugueses, massacrados, e Filipe dos Santos, que não aceitava o novo sistema de impostos, esquartejado.
No outro extremo, encontramos um movimento que, além de propor o rompimento com a metrópole, defendia uma profunda reforma na organização econômica, social e política da colônia. Foi a Revolta dos Alfaiates, em 1798, em Salvador. Entre os objetivos desse movimento estavam a independência, a implantação de uma República e a extinção da escravidão. À ousadia do movimento correspondeu uma repressão cruel e generalizada.
Entre as divergências com o sistema e o rompimento pela raiz com a ordem colonial, encontramos a Inconfidência Mineira (1789) e a Insurreição Pernambucana (1817). Ambas padeciam de aguda contradição. Inspiradas no liberalismo e no Iluminismo, defendiam a independência e a implantação da República, mas não ousavam aplicar os ideais de liberdade que justificavam a luta contra a metrópole à nação que desejavam construir, pois não tinham como meta a extinção da escravidão.
Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e professor no Colégio Rio Branco e na Universidade Grande ABC. Email: roberson.co@uol.com.br
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ROBERSON DE OLIVEIRAda Folha de S.Paulo
O pensamento conservador no Brasil edificou vários mitos a respeito da "natureza" do povo brasileiro. Há um, bastante difundido, que afirma a nossa passividade. O povo brasileiro seria essencialmente pacífico, de uma submissão bovina.
Os atos de rebeldia não fariam parte de nossa forma de ser, da nossa tradição e da nossa história. Segundo essa visão, qualquer questionamento da ordem seria fruto da ação de grupos isolados que manipulam uma massa ingênua e ignorante de bons brasileiros.
Mesmo considerando que não há sentido falar em "povo brasileiro" na época colonial, essa fase da nossa história está longe de ser considerada pacífica e estável. Foram inúmeros os movimentos de questionamento da ordem colonial, bem como variados os graus de radicalismo de cada um deles.
Num extremo, podemos identificar os movimentos mais moderados, que questionavam aspectos da opressão e da administração colonial sem propor o rompimento com a metrópole. Foram os casos da Revolta dos Irmãos Beckman (Maranhão, 1684), da Guerra dos Emboabas (Minas, 1708/09), da dos Mascates (Pernambuco, 1709-10) e da Revolta de Filipe dos Santos (Minas, 1720).
O fato desses movimentos não questionarem o sistema colonial em si não significa que tenham sido tratados com brandura. Os líderes da Revolta de Beckman foram enforcados, os paulistas que resistiam a dividir as minas de ouro com os portugueses, massacrados, e Filipe dos Santos, que não aceitava o novo sistema de impostos, esquartejado.
No outro extremo, encontramos um movimento que, além de propor o rompimento com a metrópole, defendia uma profunda reforma na organização econômica, social e política da colônia. Foi a Revolta dos Alfaiates, em 1798, em Salvador. Entre os objetivos desse movimento estavam a independência, a implantação de uma República e a extinção da escravidão. À ousadia do movimento correspondeu uma repressão cruel e generalizada.
Entre as divergências com o sistema e o rompimento pela raiz com a ordem colonial, encontramos a Inconfidência Mineira (1789) e a Insurreição Pernambucana (1817). Ambas padeciam de aguda contradição. Inspiradas no liberalismo e no Iluminismo, defendiam a independência e a implantação da República, mas não ousavam aplicar os ideais de liberdade que justificavam a luta contra a metrópole à nação que desejavam construir, pois não tinham como meta a extinção da escravidão.
Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e professor no Colégio Rio Branco e na Universidade Grande ABC. Email: roberson.co@uol.com.br
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