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04/03/2006
-
16h34
GILBERTO VASCONCELLOS
Especial para a Folha de S.Paulo
Panacéia é no que se converteu a palavra "educação" hoje, em todos os palanques e discursos, seja de esquerda ou de direita. Além de ser apresentada como a solução de todos os males e taras da sociedade, a educação é concebida equivocadamente como o motor da história.
Isso não era, no entanto, o que pensava Anísio Teixeira, o principal entendido em educação escolar no Brasil, sabedor das alternativas e escolhas educacionais, primárias, secundárias, técnicas, superiores, adotadas por diferentes países e em diferentes épocas.
A crise educacional faz parte da crise da civilização brasileira, cuja estrutura colonial do passado persiste, ora travestida com a Independência, com a República e com a industrialização. "A Educação e a Crise Brasileira" (ed. UFRJ, 420 págs., R$ 48), de Teixeira, constitui um retrato primoroso dos males antigos da educação, acrescidas das novas hoje em curso.
Dir-se-ia: agravadas com as falcatruas e negociatas mediante o crescimento da esfera privada, com o privatismo que tomou conta do país. Eis o que escreveu Teixeira há 50 anos, cuja atualidade salta aos olhos: "O ensino particular passou a gozar do privilégio de ensino público, explorado por concessão do Estado, em franca e vitoriosa competição contra o ensino público, mantido pelo Estado".
A totalidade do país
Ao contrário dos chatos especialistas e dos sucessivos, improvisados e medíocres ministros da área, Teixeira aborda a educação escolar como uma via de acesso ao conhecimento da totalidade sociocultural do país, como um treinamento para lidar com as demandas complexas do desenvolvimento e, bom greco-baiano que era, como uma paidéia, ou seja, a escola formadora da cidadania, mas da cidadania efetiva, e não da retórica, artificial, artificiosa.
A transplantação colonial de padrões europeus que nos define era o ponto de partida de suas análises, diagnósticos e propostas: "Já não podemos representar de país civilizado. Temos de ser um país civilizado".
Para Teixeira, a escola, como principal instituição transmissora de cultura, deveria ser a "reguladora da civilização brasileira"; todavia, para chegar a esse ponto, era preciso realizar simultaneamente as "reformas de base": a reforma agrária e a universalização da escola primária para toda a população.
O problema é que o capitalismo no Brasil se industrializou sem ter feito a prévia reforma agrária. Nós pulamos essa etapa, assim nos industrializamos sem levar adiante o processo de alfabetização, daí a concentração cada vez mais exorbitante da "população ineducada das cidades", de modo que se configurou entre nós o capitalismo ágrafo e, a partir da década de 60, piorou esse descalabro educacional com a implantação intensiva e extensiva do aparelho de TV em cada mocambo detritário e em todos os barracos favelados.
Anomalia cultural
Parece que estamos contentes com a seguinte anomalia cultural: não conseguimos universalizar o ensino primário, fomos incapazes de colocar todas as crianças na escola, porém realizamos a façanha deseducadora de universalizar a indústria ideológica da televisão.
A instrução letrada, o saber contar, ler e escrever --isto é, o complexo livro = escola-- foram substituídos pela sedução pornô e popularesca das telenovelas e dos programas de auditório, que são as verdadeiras escolas cívicas e políticas do povo brasileiro na sublime hora de votar.
Contra a liberal UDN e o clero católico, representados por Carlos Lacerda e dom Hélder Câmara, o baixinho e franzino Teixeira militou bravamente em prol da escola popular, pública e gratuita.
O seu mais importante e genial discípulo, Darcy Ribeiro, ministro de João Goulart, batalhou posteriormente e conseguiu materializar no Rio de Janeiro a escola pública de turno integral --os Cieps-- batizada pelo povo de "brizolão". Um lance esquisito, no entanto, é que os estudiosos de Teixeira têm por hábito esquecer, omitir e sabotar a contribuição do educador Darcy Ribeiro para a sociedade brasileira.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de "A Salvação da Lavoura" (Casa Amarela).
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Panacéia é no que se converteu a palavra "educação" hoje, em todos os palanques e discursos, seja de esquerda ou de direita. Além de ser apresentada como a solução de todos os males e taras da sociedade, a educação é concebida equivocadamente como o motor da história.
Isso não era, no entanto, o que pensava Anísio Teixeira, o principal entendido em educação escolar no Brasil, sabedor das alternativas e escolhas educacionais, primárias, secundárias, técnicas, superiores, adotadas por diferentes países e em diferentes épocas.
A crise educacional faz parte da crise da civilização brasileira, cuja estrutura colonial do passado persiste, ora travestida com a Independência, com a República e com a industrialização. "A Educação e a Crise Brasileira" (ed. UFRJ, 420 págs., R$ 48), de Teixeira, constitui um retrato primoroso dos males antigos da educação, acrescidas das novas hoje em curso.
Dir-se-ia: agravadas com as falcatruas e negociatas mediante o crescimento da esfera privada, com o privatismo que tomou conta do país. Eis o que escreveu Teixeira há 50 anos, cuja atualidade salta aos olhos: "O ensino particular passou a gozar do privilégio de ensino público, explorado por concessão do Estado, em franca e vitoriosa competição contra o ensino público, mantido pelo Estado".
A totalidade do país
Ao contrário dos chatos especialistas e dos sucessivos, improvisados e medíocres ministros da área, Teixeira aborda a educação escolar como uma via de acesso ao conhecimento da totalidade sociocultural do país, como um treinamento para lidar com as demandas complexas do desenvolvimento e, bom greco-baiano que era, como uma paidéia, ou seja, a escola formadora da cidadania, mas da cidadania efetiva, e não da retórica, artificial, artificiosa.
A transplantação colonial de padrões europeus que nos define era o ponto de partida de suas análises, diagnósticos e propostas: "Já não podemos representar de país civilizado. Temos de ser um país civilizado".
Para Teixeira, a escola, como principal instituição transmissora de cultura, deveria ser a "reguladora da civilização brasileira"; todavia, para chegar a esse ponto, era preciso realizar simultaneamente as "reformas de base": a reforma agrária e a universalização da escola primária para toda a população.
O problema é que o capitalismo no Brasil se industrializou sem ter feito a prévia reforma agrária. Nós pulamos essa etapa, assim nos industrializamos sem levar adiante o processo de alfabetização, daí a concentração cada vez mais exorbitante da "população ineducada das cidades", de modo que se configurou entre nós o capitalismo ágrafo e, a partir da década de 60, piorou esse descalabro educacional com a implantação intensiva e extensiva do aparelho de TV em cada mocambo detritário e em todos os barracos favelados.
Anomalia cultural
Parece que estamos contentes com a seguinte anomalia cultural: não conseguimos universalizar o ensino primário, fomos incapazes de colocar todas as crianças na escola, porém realizamos a façanha deseducadora de universalizar a indústria ideológica da televisão.
A instrução letrada, o saber contar, ler e escrever --isto é, o complexo livro = escola-- foram substituídos pela sedução pornô e popularesca das telenovelas e dos programas de auditório, que são as verdadeiras escolas cívicas e políticas do povo brasileiro na sublime hora de votar.
Contra a liberal UDN e o clero católico, representados por Carlos Lacerda e dom Hélder Câmara, o baixinho e franzino Teixeira militou bravamente em prol da escola popular, pública e gratuita.
O seu mais importante e genial discípulo, Darcy Ribeiro, ministro de João Goulart, batalhou posteriormente e conseguiu materializar no Rio de Janeiro a escola pública de turno integral --os Cieps-- batizada pelo povo de "brizolão". Um lance esquisito, no entanto, é que os estudiosos de Teixeira têm por hábito esquecer, omitir e sabotar a contribuição do educador Darcy Ribeiro para a sociedade brasileira.
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