Equilíbrio
27/06/2001 - 09h18

Assumir homossexualidade não é erro e só ajuda, dizem médicos

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JANAINA FIDALGO
da Folha Online

O preconceito e a dificuldade de lidar com a diversidade sexual podem atormentar a vida de gays, lésbicas e transexuais, já que "assumir" uma orientação sexual e ter estrutura para enfrentar a sociedade -que ainda é preconceituosa- são os dois melhores jeitos de manter qualidade de vida e não viver como um se fosse um E.T..

As recentes manifestações de gays pelo mundo, como a Parada Gay de São Paulo (realizada no dia 17 de junho), mostram que a democratização sexual está crescendo. Participaram 200 mil pessoas e a conscientização parece ter sido maior.

"O preconceito é uma questão de valores sociais. Buscamos o que é próximo de nós. Nem todos sabem lidar com a diferença e com o que não é usual", disse Alexandre Saadeh, psiquiatra do Projeto Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Para o psiquiatra Marco de Tubino Scanavino, também do ProSex, atualmente, até por conta de movimentos que lutam pela diversidade sexual, o homossexual passou "a ser mais aceito socialmente". "O preconceito não aparece de maneira tão evidente, porém, quando se aprofunda um pouco ele surge porque a sociedade é normatizadora", disse.

Para Saadeh, há duas questões interessantes neste processo: admitir a homossexualidade para si mesmo e, a mais difícil delas, bancar a orientação socialmente. "Em termos de qualidade de vida, 'assumir-se' é fundamental para a saúde mental do homossexual", afirmou o psiquiatra.

Dos 17 milhões de homossexuais existentes no Brasil, segundo pesquisa do Instituto Kinsey de Sexualidade, apenas 5% "assumiu" a orientação sexual. "Quem continuar na gaveta vai morrer sufocado no terceiro milênio", diz o presidente do Grupo Gay da Bahia Luiz Mott, 55.

Profissão e sociedade

A decisão de declarar a orientação sexual muitas vezes emperra em questões como a profissão ou o papel social desempenhado. O preconceito fecha portas e pode impedir a ascensão do profissional. "Não adianta forçar certas pessoas a aceitar a homossexualidade", disse Saadeh.

"Tempos atrás a homossexualidade era mais estigmatizada. Hoje, se você estiver numa roda e se colocar contra, você acaba sendo mal visto. É claro que existe uma certa tolerância social, mas é diferente de haver aceitação do comportamento sexual alternativo dentro de um padrão de comportamento", afirmou o psiquiatra Marco de Tubino Scanavino.

Alguns homossexuais se sentem como "peixes fora d'água" quando percebem não serem "correspondidos" pelo que a sociedade espera, por não apresentarem algo semelhante ao conceito de relacionamento "homem e mulher".

A constatação geralmente acontece na infância, mas em alguns se torna evidente na adolescência, período em que a sexualidade aflora e vem à tona. "Lá no fundo a pessoa sabe, tem uma sensação de estranheza. Pode até fazer de conta que não está acontecendo nada, mas sem dúvida sabe que está", disse Saadeh.

"A aceitação é um processo muito difícil. Começa com a percepção da orientação homossexual. Existe um movimento da pessoa contra sua orientação, já que a tendência normatizadora do comportamento sexual imposto pela sociedade é da orientação heterossexual", disse o psiquiatra Scanavino.

Para Saadeh, cada um sabe o caminho que vai seguir. "Tem uns que vão negar até o final da vida, mas que vivem experiências homossexuais avulsas", afirmou o médico.

Ajuda

Quem sofre com sua sexualidade pode buscar ajuda profissional, participar de grupos que lutam pelos direitos homossexuais e buscar amizades num círculo social onde seja aceito, o que não quer dizer fechar-se num grupo estritamente homossexual. "É importante manter uma postura aberta para relacionamentos fora do grupo ao qual pertence para o preconceito não seja repetido", afirmou Scanavino.

"Quando os preconceitos limitam a vida, uma das saídas é procurar acompanhamento para poder lidar da melhor maneira possível com as suas diferenças diante da sociedade", disse o médico.

A família

"Pai, eu sou gay!"... Só quem já disse esta frase pode saber quão difícil pode ser. Se a família é conservadora e preconceituosa, a notícia pode cair como uma bomba.

"Há pais e mães que não vão aceitar nunca, mas tem os que vão respeitar. Nenhum pai e nenhuma mãe quer ter um filho homossexual, mas tudo depende da abertura e da disponibilidade afetiva para saber lidar bem com a situação", disse Saadeh.

Uma das reações mais comuns dos pais que não aceitam a orientação sexual dos filhos é se perguntar onde foi que erraram e tentam encontrar um motivo. A resposta é simples. Em sexualidade, não existe erro. A orientação dos filhos não tem relação com a educação recebida ou com algum erro de infância.

"A homossexualidade não é culpa de ninguém. Não se sabe ainda qual é a origem, mas pode ser multifatorial. A família pode buscar orientação e aprender a conviver com o parente para ver que não é nada diferente do que ele está acostumado. Há o estereotipo da promiscuidade, que não é a verdade", afirmou o psiquiatra Alexandre Saadeh.

Muitas famílias reprimem as crianças, que sobre seu ponto de vista, estão apresentando um comportamento mais condizente com o do sexo oposto. O comportamento não deve de maneira alguma ser reprimido ou abafado.

"Pode ser apenas uma provocação, não necessariamente um instinto homossexual. Um dos tratamentos é a terapia familiar, não para enfocar o comportamento da criança, mas para tratar a família. A intenção é saber se as relações familiares estão harmoniosas e se criança poderá se desenvolver num ambiente saudável, inclusive do ponto de vista sexual, independente da orientação", disse o psiquiatra Marco de Tubino Scanavino.

Visibilidade

O Dia do Orgulho Gay, lembrado em todo mundo depois de um confronto entre homossexuais e policiais, em 28 de junho de 1969, em Nova York (EUA), é uma das ações para conseguir visibilidade e respeito. Em São Paulo, a 5ª Parada do Orgulho Gay reuniu, segundo a Polícia Militar, 200 mil pessoas.

Atualmente, os movimentos homossexuais estão conseguindo visibilidade por meio da imprensa, que tem acompanhado os eventos organizados pelos grupos. Há algum tempo, no entanto, a disseminação do discurso homossexual se dava pela imprensa especializada.

Foi este o tema da dissertação da jornalista e mestre em linguística Graziela Kronka, 25, apresentado em junho do ano passado no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Em "A homossexualidade nas Bancas de Jornal: a Enunciação do 'Assumir-se' Homossexual na Imprensa Especializada", a jornalista analisou nessas publicações qual eram as relações do discurso homossexual, principalmente no que dizia respeito à militância gay.

"Ao mesmo tempo que uma revista era um produto de mercado, surgiu num momento importante com propósitos de militância", disse Graziela. A publicação, que acabou em 2000, também participou do início das transformações das relações de sentido do discurso da homossexualidade.

"A revista conseguiu mostrar ao Brasil, mesmo que em pequenas dimensões, a homossexualidade é desvinculada da pornografia gratuita", afirmou a jornalista, que é mestre em linguística. "O movimento trabalha com um conceito de orientação sexual. Não quer ser visto com indivíduos que estão em busca de sexo o dia inteiro."

No trabalho, Graziela fez um histórico de como surgiu a noção de homossexualidade, retomando as lutas do movimento organizado e a imprensa homossexual.

"Pelo que analisei percebi que há uma espécie de estímulo [ao 'assumir-se'] porque o movimento busca visibilidade. Alcançando visibilidade pode-se alcançar outros direitos, como cidadania e respeito", disse a jornalista.

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