Equilíbrio
28/05/2002

A nova ordem doméstica

LUIZ RIVOIRO
colunista da Folha Online

Quando você menos espera, aquelas mudanças que você já previa que em algum momento aconteceriam realmente acontecem. Pode parecer detalhe, mas o fato é que basta uma olhadela ao redor para notar que aquele mundo pré-histórico -porém até certo ponto organizado- deixou de existir a partir do momento em que o João colocou seus pequeninos pezinhos em casa:

1) Ao atender o telefone, acostume-se com o fato de praticamente mais ninguém querer saber como você está. Isso mesmo, como o que importa é o João, aquele tradicional "Oi, como vai você?" dá lugar a um muito mais importante "Oi, e o João como está?". Às vezes, depois, rola um "E a Mãe, está bem?". E só.

2) Tal fenômeno -a redução do pai à sua insignificância- repete-se quando recebemos visitas. E aí incluem-se amigos, parentes, tios e avós. Ao abrir a porta, a sensação é de que somos invisíveis. E se ele estiver por perto então, esqueça. O pai será o último da fila a receber os cumprimentos.

3) Eles vão surgindo aos poucos, brotando nos lugares mais inusitados. Os brinquedinhos se multiplicam na mesma velocidade alucinante dos ursos e, assim como eles, são imbatíveis. É comum tropeçar, sentar ou escorregar em uma lagosta de pano ou em um trenzinho de borracha. Nem a cozinha escapa. Pelo contrário, é ali que eles encontram condições ideais de temperatura e pressão para se reproduzirem.

4) É comum me pegar perguntando, da sala -onde estou- para o quarto -onde a Mãe está- o que é que ela quer saber. Na maioria das vezes, faço papel de bobo. Não é comigo que ela está falando, mas com ele. Sim, diálogos inteiros, com perguntas e respostas, tudo. Aí, como estou de fora, bóio completamente.

5) Gostaria de saber o que passa pela cabeça dos fabricantes de fraldas. É incrível, mas não há meio termo. O João, por exemplo, já está grande demais para usar o "P", mas todas as "M" ficam enormes nele. Assim, com sua aparente lógica, eles nos colocam sob tensão permanente diante da possibilidade de um vazamento incontrolável. Sádicos.

6) É claro que não é preciso deixar de ouvir o tipo de música que gostamos em casa -rock and roll, claro, já falei disso em outra coluna-, mas com certeza não podemos mais colocar o volume no gás total como fazíamos antes. Nostalgia à parte, vivo o retorno do fone de ouvido. Não é tão ruim assim, só que não dá para pular muito senão o fio arrebenta.

7) A velocidade com a qual eles crescem é espantosa. No caso do João, que agora está com três meses e meio, as roupinhas tamanho "RN" já não servem. Muita coisa não dá para continuar usando, mas a Mãe, tesoura em punho, adaptou alguns macaquinhos, cortando mangas e pernas. Ficou bacana, com um visual meio "desestruturado".

8) Comecei a olhar com mais calma os objetos e móveis da casa e percebi detalhes que jamais havia notado. Como um radar, passei a investigar tudo aquilo que poderia significar algum risco de acidente. E, meus amigos, eles são muitos. Como o garoto é ainda muito pequeno, não tem problema, mas já vi que vamos precisar muito em breve mudar algumas coisas de lugar e até mesmo trocar algumas peças. O João é o nosso mais novo designer de ambientes.

9) Se o seu filho não nasceu, pode achar besteira o que vou dizer, mas prepare-se para gastar uma boa grana com fotografias. E não sinta-se culpado, pelo contrário. Para mim, máquina fotográfica e filmes são um investimento e tanto. Os porta-retratos já estão espalhados e começa a haver concorrência entre eles pelos lugares mais nobres da casa. No laboratório onde revelo as fotos, já sou até conhecido. "Bom dia! Trouxe mais filmes do João?" é a frase que ouço quase semanalmente. Tal assiduidade rende frutos. Nesse lugar, por exemplo, há ampliações como brinde. Programa de fidelidade é isso.

10) Bom, é claro que para muitos pais mais "experientes" o que descrevi acima é apenas o começo de uma situação que vai, dependendo do ponto de vista, se agravar. A casa vai ficar mais entulhada, pode ser que ele acerte a cabeça no canto da parede, em determinado momento vai começar a colocar os seus próprios CDs, os brinquedos vão aumentar de volume e por aí segue. Por outro lado, vamos poder acompanhar tudo isso juntos. Não é legal?
Luiz Rivoiro é jornalista, editor-chefe do Núcleo de Revistas da Folha e pai "de primeira viagem". Escreve quinzenalmente na Folha Online, às terças-feiras.

E-mail: lrivoiro@uol.com.br

Leia as colunas anteriores

 

FolhaShop

Digite produto
ou marca