Equilíbrio
03/09/2002

O explorador

LUIZ RIVOIRO
colunista da Folha Online

Bi-bi! Essa é a senha. Logo em seguida -pelo menos quando lhe convém- ele abre a boca e devora a papinha. Isso mesmo, entre uma colherada e outra, o João vem sendo apresentado a esse irresistível mundo de sabores. E dá-lhe cenoura, batata, beterraba e outros alimentos afins. No final, lambuzado até a cabeça, a boca se fecha e o bi-bi perde a sua eficácia. O garoto está satisfeito.

Quem começou com essa história de bi-bi foi a Mãe, quando serviu ao menino suas primeiras papinhas de fruta lá pelos lados das Gerais. Agora, com as refeições salgadas, me apropriei do estratagema e, posso atestar, vem dando resultado. Sábado e domingo últimos ele comeu, digamos, 70% do que lhe foi oferecido. Outros 20% se espalharam pelo rosto, pescoço, mãos e cabelo, enquanto que o restante foi devidamente devorado pela Mãe, uma autêntica gourmert e entusiasta das delícias do menu infantil.

Ainda que leve um certo tempo -às vezes quase uma hora- me divirto com essa minha nova atividade. Além de liberar a Mãe para outros afazeres, o ato de alimentar o bebê é mais uma oportunidade de ficarmos juntos -ele e eu- e compartilharmos um pouco mais de intimidade. E é curioso notar como uma tarefa tão corriqueira no nosso dia-a-dia, quase mecânica mesmo, acaba ganhando uma outra dimensão, capaz de fazer com que nos tornemos cúmplices na descoberta dos sabores -ele- e da "técnica" capaz de extrair o melhor resultado do bi-bi -no caso, eu.

Nesse pouco tempo que tive para aprimorá-la, notei que não se pode dar muita moleza ao garoto não. É preciso manter um ritmo, num equilíbrio perfeito entre quantidade de papinha na colher, volume da buzininha, velocidade e, claro, uma certa força. É, força, mesmo. Não se trata de crueldade, mas o vigor por vezes se faz necessário a fim de evitar a dispersão da atenção -e da comida. Aos poucos a gente pega o jeito e vai tentando fazer com que ele chegue a pelo menos 85% de absorção. O restante, não me iludo, vai continuar se espalhando, sobretudo quando ele não se aguenta e abre o sorriso com a boca toda alaranjada cheia de papinha de cenoura. Quanto à Mãe, bem, o objetivo é que ela não precise se alimentar das iguarias do bebê...

Outra novidade desses 15 dias foi a nova postura adotada pelo João: sentado, costas eretas, sem apoio. Foi assim, uma terça-feira de manhã, antes de a Mãe levá-lo para o berçário, conversávamos os dois quando, de repente, ele ficou parado, sem necessidade de amparo. A partir daí, o mundo parece ter ganho uma outra dimensão para ele. É verdade que o garoto ainda não consegue se sentar sozinho, mas, uma vez colocado na posição, fica, concentrado, brincando com suas bolinhas coloridas.

Também é bom dizer que, aos seis meses e meio de idade, seus novos movimentos não se restringem ao "sentar". Ultimamente, o seu pedaço (edredon cercado de outro edredon e algumas almofadas no meio da sala) parece não mais ter limites. Ao ver um objeto que lhe interesse, digamos, a até bem pouco tempo inatingíveis 50 cm, não se aperta: arrasta-se ou simplesmente rola até alcançá-lo.

Essa vem sendo a sua nova diversão. Romper fronteiras até então impensáveis de serem transpostas. Descobrir seus limites, fazer muita força para se deslocar, dar risada e gritar de alegria ao conseguir o seu objetivo, abrir o bocão e chorar depois de perder o equilíbrio e despencar de costas -ou de lado, ou de frente... Do alto de minhas pernas ou sentado ao seu lado, percebo cada vez mais que o voraz apetite desse explorador parece não ter fim. Bom para ele. Bom para nós. Vamos juntos explorar o mundo.
Luiz Rivoiro é jornalista, editor-chefe do Núcleo de Revistas da Folha e pai "de primeira viagem". Escreve quinzenalmente na Folha Online, às terças-feiras.

E-mail: lrivoiro@uol.com.br

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