Equilíbrio
10/12/2002

Quando papai saiu em viagem

LUIZ RIVOIRO
colunista da Folha Online

Foi a primeira vez em nove meses que isso aconteceu. E foi difícil. Muito. Escalado para uma viagem a trabalho, deixei a Mãe e o João por aqui e voei para a África. Por uma semana, tivemos um oceano e um fuso horário de quatro horas de diferença entre nós. Não foi fácil.

Do outro lado do Atlântico, minha cabeça se dividia o tempo todo entre aquilo que via nas cidades e selvas africanas e a preocupação em saber como estariam as coisas com eles por aqui. Felizmente, deu tudo certo. Pelo menos era isso que a Mãe me dizia nos nossos telefonemas diários. Na verdade, foi um pouco diferente.

Do outro lado da linha, certo dia, ouvi dela que o João estava um pouco febril. "Mas é coisa pouca, não precisa se preocupar. Devem ser os novos dentinhos a caminho...", me disse, tranquilizando-me. É claro que não é fácil ouvir que o seu filho está com febre, ainda mais se você sabe que não pode fazer absolutamente nada, mas, no fim, preferi acreditar que tudo estava bem, que a febre desapareceria rapidamente e que ele não ficaria doente, enfim. Pensando assim, consegui dormir e seguir em frente.

Durante a viagem com outros jornalistas e guias, me peguei fazendo algo que sempre achei meio "brega" quando via outros pais fazendo. Não podia entrar num papo sobre bebês, filhos e cia. que lá estava eu com a foto do menino que guardo na carteira (sim, sim, eu admito que carrego a foto dos dois comigo...). "Olha só, mas ele não é mesmo bonitinho?". Quando percebi, lembrei que desde que o João nasceu que eu faço isso. Fico mostrando a foto dele para todo mundo. Que "brega" que nada! Levar a foto do filho na carteira e mostrar com orgulho para os outros é muito, mas muito legal.

Bem, mas voltando ao assunto, quando aterrissei de volta, carregado de bichinhos e coisas do gênero, percebi que algo não encaixava. Ao chegar em casa, na impossibilidade de falar com a Mãe (ela estava em reunião), telefonei para a minha irmã, que soltou algo do tipo "Pois é, ainda bem que ele está melhor" ou "Não foi fácil...". Desliguei com a pulga atrás da orelha, mas, sabe como é tia -e, ainda por cima, madrinha- sempre exagera. Pensando assim, resolvi ignorar as pistas.

Quando eles chegaram, foi uma festa. O bebê abriu um daqueles seus sorrisos e parecia não saber o que fazer tamanha sua alegria. Foi sensacional. Emocionante mesmo. Presentinhos pra cá e pra lá, a Mãe encosta e revela toda a verdade: "Na verdade a febre foi alta, quase 39ºC. E persistente. Não baixava de jeito nenhum e eu até tive de levá-lo ao pediatra. Passei a madrugada em claro cuidando dele, mas depois passou e nada de mais grave aconteceu". Chapei. Afinal, como ela fora capaz de me esconder tal situação? E como é que eu não havia percebido nada de diferente na voz dela? O bebê doente e eu lá longe!? Que miserável! Por que é que fui aceitar essa viagem? Eu deveria é ter ficado quieto no meu canto...

Passado o espanto e martírio iniciais, conversamos sobre o assunto e ela tentou me convencer de que havia tomado a decisão certa. Sinceramente, não sei se me convenci, mas sei que ela fez o melhor que pôde numa situação difícil e inédita, já que em todas as outras febres estávamos juntos. Assim, só posso agradecê-la por todo cuidado, amor e dedicação. Não só ao João, mas à família toda.

Em tempo: sobre as causas da misteriosa febre, as opiniões divergem: enquanto uns dizem que ela foi fruto de uma inflamação na gengiva provocada pela chegada de dois novos dentinhos, outros afirmam que foi mesmo saudade do papai. Egoísmo à parte, prefiro a segunda hipótese.
Luiz Rivoiro é jornalista, editor-chefe do Núcleo de Revistas da Folha e pai "de primeira viagem". Escreve quinzenalmente na Folha Online, às terças-feiras.

E-mail: lrivoiro@uol.com.br

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