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03/11/2002 - 04h42

Como em "Fale Com Ela", família tenta conviver com parente em coma

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da Revista da Folha

Os últimos sete anos da família Guilherme poderiam fazer parte do novo filme de Pedro Almodóvar, que estreou na sexta-feira. "Fale com Ela" enfoca as reações opostas de dois homens que se tornam amigos em um hospital.

De um lado, o enfermeiro Benigno, que há quatro anos vem cuidando de uma bailarina em coma como se nada de errado houvesse com ela: leva para tomar banho de sol, passa cremes em seu corpo inteiro, comenta filmes.

Do outro, o jornalista Marco, cético e arrasado diante da namorada toureira também inconsciente. Benigno recomenda: "Fale com ela. Você não sabe o que está se passando em sua mente".

É a mesma filosofia de boa parte das famílias com pessoas em coma. A história dos Guilherme começou há sete anos, quando a loja da família foi assaltada e Roque, 52 anos na época, levou um tiro no olho. Não voltou à consciência.

Tudo mudou na vida de todos. A mulher, Sandra Morcelli Guilherme, 58, largou a loja para cuidar do marido, primeiro no hospital, depois em casa. Foi substituída pela primogênita, Andréa Guilherme Del Rio, 34, que para isso abandonou a carreira de pedagoga. As duas filhas mais novas se revezavam nos cuidados.

Com o tempo, a vida foi se reestruturando em novos trilhos, sempre sob a esperança de que a situação fosse apenas provisória. No leito, Roque ganhou três genros e quatro netas. "Elas foram criadas pulando em cima dele, enchendo-o de beijos, dizendo "Oi, vovô" quando entravam em seu quarto", conta Andréa.

Para cada pequeno gesto do doente, uma comemoração. "Eu acho que, algumas vezes, ele nos ouvia. Quando contei que estava grávida de sua primeira neta, o rosto dele parecia emocionado", acredita Andréa.

Mistérios do lado de lá
O problema do coma é que a falta de respostas concretas sobre o que está realmente acontecendo no cérebro permite alimentar tanto o ceticismo dos médicos como a esperança dos familiares.

Laís Braun Ferreira, coordenadora da UTI do São Luiz, acredita que é possível que o doente ouça alguma coisa. "Mas ele não reconhece quem é." Milberto Scaff, 62, professor de neurologia da USP, é reticente. "Não existe aquela coisa de alguém despertar após anos dizendo que ouviu as vozes."

Diante da incerteza, como convencer a família de que a lágrima que brotou é só uma reação involuntária da pessoa? Ou de que "falar com ela" é perda de tempo?

A possibilidade é um consolo para o engenheiro Celso Giosa, 58, cuja mãe, Iolanda, 85, está em coma há um ano e oito meses, após complicações com um tumor. "Acho bom demonstrarmos que estamos aqui, que ela não foi abandonada", resume.

Falta de dinheiro e burocracia também contribuem para dificultar o cotidiano. Sandra Guilherme conta que, depois de dez dias na UTI, o convênio queria remover Roque para um hospital público.

"Entrei na Justiça e tive que ouvir coisas como "Seu marido está quase morto, o que a senhora quer que a gente faça?". Mas nós ganhamos a liminar e ele ficou mais sete meses lá", lembra.

O economista Carlos Costa, 76, marido de Margareth, 75, em coma há sete anos, teve de vender a casa de campo. "Coisa do destino", conforma-se ele.

Margareth entrou em coma depois de uma intoxicação alimentar, que acabou evoluindo para encefalopatia. O economista não alimenta esperanças. "Eu sou forte, mas não sei como reagiria se ela partisse", diz.

A família Guilherme já está aprendendo. No domingo passado, dois dias depois de darem entrevista à "Revista", Roque morreu. "Mas não queremos que ele seja excluído da reportagem", pediu sua filha Andréa. "Ela será um fecho digno do que esses sete anos representaram para nós."

Leia a reportagem completa da Revista no site www.uol.com.br/revista
 

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