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05/07/2001 - 12h01

Cirurgias dão esperança contra obesidade mórbida

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DANIELA FALCÃO
da Folha de S.Paulo

Eles fazem regime desde criancinhas, tomam todos os inibidores de apetite lançados no mercado, trancafiam-se em spas por meses a fio e apelam até para simpatias e tratamentos místicos. Antes dos 25, já pesam pelo menos 40 kg a mais do que deveriam e, por isso, carregam doenças que, em geral, só atingem pessoas com o dobro da idade, como hipertensão, diabetes e entupimento das artérias.

Na incapacidade de fechar a boca com os tratamentos convencionais, os obesos mórbidos, como são chamados, partem para técnicas ultra-radicais, que literalmente lacram parte do estômago para dar fim à compulsão.

Chamadas de gastroplastias ou cirurgias bariátricas, as técnicas assustam por causa dos efeitos colaterais. Dois deles: vômito quando se ingere de uma vez o equivalente a duas xícaras de chá de qualquer alimento e taquicardia e sudorese após o consumo de três módicos bombons de chocolate.

Apesar de o tratamento ser radical, as filas de espera nos hospitais que oferecem a cirurgia gratuitamente mostram que as gastroplastias são, por enquanto, a melhor opção para quem não consegue emagrecer e paga pelos excessos à mesa com a própria saúde.

"O tratamento da obesidade mórbida está cirúrgico, mas não vai ser assim para sempre. Daqui a uns 15 anos, com o desenvolvimento da terapia gênica, será possível curar a obesidade mórbida. Mas, por enquanto, essa é a melhor arma que temos", afirma José Afonso Salet, especialista em cirurgia digestiva.

O Hospital das Clínicas, pioneiro na realização das cirurgias de redução de estômago no país, não está aceitando novos candidatos porque a lista de espera tem mais de mil nomes. Se o atual ritmo de duas gastroplastias por semana for mantido, o último nome da lista só será operado daqui a dez anos. No hospital da Unicamp, a situação é ainda mais dramática: há 800 obesos na fila de espera, e, como só é feita uma cirurgia por semana, a espera chega a 18 anos.

"Até o fim do ano, vamos dobrar o número de cirurgias. Como há pacientes que não podem esperar tanto, damos prioridade aos obesos que já não conseguem andar ou correm risco de vida", explica José Carlos Pareja, coordenador do Ambulatório de Cirurgia Mórbida da Unicamp.

Mais gordos
A explosão na demanda por cirurgias redutoras do estômago tem duas causas principais: o crescimento exponencial da obesidade no país -estima-se que entre 1 milhão e 2 milhões de brasileiros hoje sejam obesos mórbidos- e o avanço das técnicas disponíveis bem menos invasivas do que quando começaram a ser realizadas nos EUA e na Europa, há 40 anos.

Dois dos três métodos mais utilizados atualmente, o bypass gástrico e o switch duodenal, provocam a perda de peso de duas maneiras: diminuem drasticamente o tamanho do estômago e evitam que os alimentos ingeridos sejam totalmente absorvidos pelo organismo.

As primeiras cirurgias realizadas no Brasil, no fim da década de 70, agiam apenas impedindo a adequada absorção da comida. Os cirurgiões isolavam quase todo o intestino delgado -deixavam apenas 45 cm de seus 4,5 m- e, assim, impediam que as enzimas digestivas absorvessem calorias, vitaminas e sais minerais dos alimentos ingeridos.
Radical demais, a técnica deixava os obesos fracos e desnutridos. Resultado: eram comuns pedidos para que o procedimento fosse desfeito porque o paciente não conseguia realizar afazeres cotidianos.

Embora também isole parte do intestino delgado, o bypass gástrico, técnica mais comum no país porque é a única realizada pela rede pública, é bem menos radical e provoca um desvio de apenas 1 m. Ainda assim, alguns médicos recomendam que os pacientes tomem suplementação vitamínica para o resto da vida para fugir da anemia e osteoporose.

Mesmo com esses avanços, a idéia de ter o estômago cortado e posteriormente grampeado ainda afasta da mesa de operações muitos obesos mórbidos que já desistiram de tentar emagrecer pelos métodos tradicionais e cuja única chance de se livrar das doenças decorrentes do excesso de peso é a cirurgia. "Há anos que eu ouvia falar da possibilidade de reduzir o estômago, mas nunca procurei um médico porque a idéia me parecia radical demais", diz o professor de mergulho Afonso de Luca, 43, que chegou a carregar 174 kg em seu 1,73 m de altura.

Quem se recusa a fazer o bypass ou o switch duodenal tem, por enquanto, duas opções: a banda gástrica e o BIB (balão intragástrico). Bem menos invasivas, as duas técnicas exigem, em contrapartida, mais cooperação do paciente, que é obrigado a fazer dieta hipocalórica e exercícios físicos.

"Os beliscadores compulsivos, que não conseguem seguir dieta, não dão certo com a banda gástrica porque abusam de líquidos hipercalóricos, como leite condensado, que passam direto pelo funil criado pela banda", afirma Arthur Garrido Jr., professor da USP e um dos pioneiros da gastroplastia no Brasil.

"Não dá para dizer qual a melhor das técnicas porque o bom resultado depende do perfil do paciente", diz Salet, que usa as três cirurgias em sua clínica e foi o introdutor do BIB no país.

Embora não haja consenso sobre qual a mais eficiente, todos os médicos concordam que a cirurgia só deve ser aplicada em quem tem índice de massa corpórea acima de 35 IMC (veja como calcular na pág. 10). "Se não for assim, vai ter médico colocando menina que precisa perder 15 kg na mesa de operação", diz Salet.

Pacientes que apresentam distúrbios emocionais graves, como depressão profunda ou esquizofrenia, também devem ser barrados. Para muitos obesos, comer é uma das maiores fontes de prazer. Impedir essa sensação pode piorar o quadro depressivo.

"Cerca de 20% dos pacientes podem apresentar depressão. Mas a maior parte se diz feliz com os resultados e diz que faria novamente a operação, mesmo com as dificuldades do pós-operatório", diz o psiquiatra Adriano Segal, do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do HC.

Para os que têm uma relação muito forte com a comida, a melhor opção é o switch duodenal, que não implica numa redução significativa da quantidade de alimentos ingerida. "Mesmo na banda e no bypass, o choque não é incontornável. Basta preparar psicologicamente o paciente antes da cirurgia e acompanhá-lo depois", diz Segal.

"Como a operação é no estômago, e não na cabeça, a gente tem de aprender a distinguir a diferença entre fome e vontade de comer. E isso leva tempo", diz a comerciante Mônica Medeiros, 32, que já perdeu 65 kg desde que fez o bypass, há nove meses.

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