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16/01/2003 - 03h44

Vinicultores requerem selos para garantir origem de seus produtos

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LUIZ HENRIQUE HORTA
free-lance para a Folha

Novo governo, novas reivindicações. Enfim a gastronomia se encontra com a política. Um monte de gente se ocupa agora em dar proteínas, calorias e nutrientes a quem precisa. E outras tantas começam a tentar transformar essa comida em posse coletiva, para além da ração alimentar.

Então aceitemos, num primeiro momento, que a comida seja reduzida a seu aspecto alimentício, para suprir as necessidades dos que passam fome. Mas em seguida é preciso que ela se torne prazerosa, entre num processo civilizatório, envolva os sentidos, seja gostosa, saborosa e variada.

E já que há uma valorização do produto nacional, que se aprofundem programas existentes, ainda no início, como o que considerou o queijo do Serro como patrimônio dos saberes, inscrito para tanto num livro de tombos do Ministério da Cultura, como um modo de fazer queijo típico daquela região de Minas e que tem como resultado um queijo com características inimitáveis.

O que antes parecia um delírio afrancesado -ter regiões demarcadas e selos de autenticidade garantindo pureza e origem de alimentos- está em pleno exercício. Os vinicultores do Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, se reuniram e criaram a primeira região de origem demarcada para vinhos no país.

Foi um processo que culminou em um certificado expedido pelo Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) no ano passado. É justamente essa entidade que parece estar mais bem equipada legalmente para dar conta dessa coisa de difícil definição que é a comida e determinar duas classes de produtos registráveis como regionais: a indicação da procedência, em que um local de produção de algo é assim reconhecido (caso dos queijos mineiros) e a denominação de origem, em que o local é reconhecido como possuidor de qualidades únicas para que dali saiam aqueles produtos (caso dos vinhos).

E há tantos... como os cafés das regiões sul de Minas Gerais e de São Paulo e norte do Paraná, as cachaças de Salinas, a goiabada de Ponte Nova, os queijos de cabra de Bueno Brandão, o dendê, a farinha de mandioca autêntica, fininha, correta. E estão aí alguns apóstolos dessas idéias como o chef francês Laurent Suaudeau, que batalha anualmente pela inclusão em cardápios de vasta lista comestível de produtos brasileiros de qualidade. "Uso um cupuaçu que é de chorar de tão bom."

Há quem ria, mas pensemos que o queijo Roquefort só foi regulamentado em 1961, a região de Champagne conseguiu exclusividade sobre o uso do nome há cerca de 20 anos e a tequila mexicana, no ano passado.

São decisões comerciais e de reserva de mercados? Sim, mas também de proteção de qualidade, como diz a nutricionista e pesquisadora Neide Rigo: "Além dos aspectos culturais e econômicos, a experiência de "denominação de origem" representa para o consumidor uma garantia de qualidade dada pela padronização (da matéria-prima, das normas sanitárias e modos de produção), assegura a qualidade e é aliada da segurança alimentar e evita que um produto passe por outro, valendo-se da credibilidade que um nome consolidado dá, como no caso do queijo Minas. Sabendo de onde vem e como foi feito, temos certeza da autenticidade e assim até a rastreabilidade fica mais fácil, no caso de contaminação".

Laurent se antecipa aos que verão aí mais um avanço da famigerada globalização: "O Brasil só tem a ganhar com isso. Ao contrário do que as pessoas pensam, vai reforçar as regiões, vai acentuar a origem regional, o produto artesanal, territorial e até mesmo gestual da produção". E acrescenta: "O Brasil é de uma importância singular na América do Sul, há muito mais do que o café gourmet, que já conseguiu seu lugar. E tanta coisa que pode se perder, como os excelentes requeijões cremosos de Minas, cheios de possibilidades, mas que estão acabando em copinhos".

Entre a fome e o hedonismo, todos teremos que percorrer uma longa estrada, mas começamos: a gastronomia encontrou uma causa, deixou de ser um prazer solitário a ser descrito em rodas cada vez mais especializadas e passa pouco a pouco a ser um processo mais amplo e generoso.

Libertos da tirania sufocante dos comentários pedantes sobre exclusividades, as temporadas de trufas, as alterações nos microclimas de restaurantes, ou das intermináveis discussões sobre quem é o melhor chef do mundo, podemos nos ocupar do alcance verdadeiro do ato de comer.
 

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