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20/03/2003 - 08h00

Animais de estimação fazem bem aos seus donos

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BETH CALÓ
da Folha de S. Paulo

Cobiçada por bonitões de todos os cantos do mundo, bem-sucedida e dona de uma conta bancária tão invejável quanto seu corpo, Gisele Bündchen supostamente não sofre de um mal meio prosaico que aflige boa parte das pessoas: a falta de companhia. Mas, longe de casa, essa menina de 22 anos nem sempre encontra um colinho que a ajude a espantar o cansaço e o medo de se machucar na fogueira das vaidades do mundo das passarelas.

É por isso que a modelo não abre mão da cumplicidade daquela que considera uma de suas melhores parceiras, Vida. É com ela que Gisele faz longos passeios pelo Central Park, em Nova York -onde mora a maior parte do tempo-, conversa, brinca e volta muito melhor. Aliás, estando estressada ou não, a top model disse que faz questão de reservar um tempo do dia só para as duas: desliga o telefone, esquece a agenda e mergulha numa espécie de terapia. "A Vida é minha vida", resume a gaúcha.

Bem longe da "Big Apple", numa casa de classe média paulistana, a dona-de-casa Aparecida Arruda ("dona Cida"), 79, também cumpre uma rotina terapêutica: logo pela manhã, chama Touga para comer uma frutinha no jardim e fica observando pacientemente o andar lento da amiga. Há também o Rambo, um amigo muito especial que, para seu orgulho, aprendeu a dançar com ela. Assim, um pouquinho com Touga, outro tanto com Rambo, dona Cida ameniza a saudade que tem do companheiro, Alírio, com quem foi casada durante 45 anos e que morreu há pouco mais de dois.

Mas o que Gisele Bündchen e "dona Cida" têm em comum?

Antes, é melhor esclarecer que Vida é uma cachorra, Touga é uma tartaruga, e Rambo, um papagaio. E o que elas têm em comum não é o dinheiro, a fama nem o corpo escultural, e sim histórias de parceria e de afeto com seus bichos.

Vínculos como esses são bastante comuns e ocorrem não é de hoje. Mas, se até pouco tempo atrás grande parte das pessoas torcia o nariz ao ouvir histórias de gente que dança com papagaio ou brinca com tartaruga, hoje as reações são bem diferentes. Por toda parte do mundo vêm à tona pesquisas, relatos e observações científicas que buscam provar que os animais são seres inteligentes, não agem apenas por condicionamento ou instinto, além de poderem ser amigos e até mesmo ajudar na cura de pacientes.

"Eles não são meras máquinas movidas a instinto como durante muito tempo se pensou. Possuem estruturas e componentes anatômicos idênticos aos do homem e, em algumas espécies, bastante desenvolvidos. Além da inteligência, da capacidade de abstração e de raciocínio, eles têm vontade e iniciativa de comportamento", diz Irvênia Prado, do Grupo de Pesquisas Psicobiofísicas e professora de neuranatomia da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, além de autora de vários livros sobre o assunto.

Diversos estudos endossam essa tese, especialmente os realizados com chimpanzés, como o trabalho do americano Roger Fouts, doutor em psicologia comportamental pela Universidade de Nevada, que dedicou 30 anos ao estudo de chimpanzés e à vivência com eles. Alguns grupos desses animais não só aprenderam a se comunicar na linguagem de surdos-mudos como transmitiram o conhecimento a outros do grupo. "Eles inauguraram uma nova linhagem", diz Irvênia.

Ela cita também os relatos do linguista americano Steven Fischer, diretor do Instituto de Línguas e Literatura Polinésias, na Nova Zelândia, onde mora e é considerado estrela de primeira grandeza por seus parceiros da área de linguística. Ele estudou duas espécies de macaco, cujos testes de Q.I. mostraram inteligência equivalente à de uma criança de dois anos e meio. Fischer descarta qualquer delírio de ficção científica ao afirmar que, no futuro, é possível que possamos nos comunicar com elefantes e dizer a eles para seguir determinado caminho. Ou alertar aves para que não voem sobre determinada região que está envenenada por pesticidas. Quem viver, verá, desafia.

A relação entre os animais e as pessoas pode trazer muitos benefícios. Desde que o afeto seja mútuo. O biólogo inglês Rupert Sheldrake, doutor em bioquímica em Harvard, onde também estudou filosofia, narra, em seu último livro lançado no Brasil, a história de sua gata Remedy, cujo nome foi dado pela mulher, Jill, quando esta constatou que sua presença carinhosa e "ronronate" era, de fato, um remédio. "Ela parecia sentir quando era muito necessária e sentava-se ou deitava-se no meu colo ou no de Jill, colocando sua magia curativa para funcionar", conta ele.

Sheldrake discorre ainda sobre a conclusão de uma pesquisa da Universidade de Cambridge em que a maioria das pessoas que haviam adquirido um cão desenvolveram segurança e auto-estima.

Apaixonada por animais, a escritora Hilda Hilst reconhece o temperamento de cada um dos cães que convivem com ela na chácara onde mora. "Há os manhosos, os irritados, os tímidos... Cada um do seu jeito. Eu os respeito, e eles me respeitam." Muitas gerações de cachorros -todos vira-latas, como ela chama- a acompanharam nesses seus mais de 70 anos. É em homenagem a eles que escreveu "Com meus Olhos de Cão".

As emoções e personalidades dos animais são amplamente discutidas pelos americanos Jeffrey Masson, psicanalista e ex-diretor de projetos dos Arquivos de Sigmund Freud, e Susan MacCarthy, bióloga, no livro "Quando os Elefantes Choram". Baseado em estudos científicos e trabalhos de campo relatados por biólogos, etólogos, treinadores e investigadores do comportamento animal, o livro procura mostrar que os bichos têm sentimentos como ódio, ciúme e altruísmo.

O jornalista e também escritor Cláudio Fragata, que lança em breve pela Record "As Filhas da Gata de Alice Moram Aqui", sempre se manteve bem informado sobre questões do comportamento dos bichos. Por isso dedica um tratamento especial às suas três gatinhas, Olívia, Dinah e Sofia -respectivamente avó, mãe e filha. Seu desafio hoje é harmonizar a relação das três ciumentas com o recém-chegado Fellini, um filhotinho de três meses. "Elas são assim: têm ciúmes, raiva, medo, solidariedade, amor, tal como os seres humanos. Isso é visível para quem convive com os animais. Percebo que minhas gatas sofrem até de tédio. Tem horas que nem colo, nem ração, nada resolve o problema delas", ironiza.

Maria Lúcia Pereira Soares, 49, bióloga, é outra que aprendeu a respeitar a personalidade dos seus bichos -periquitos e canários. Solta-os e deixa que voem o quanto quiserem. Eles sempre voltam para casa. A única exceção foi Manduca, um periquito que resolveu fugir com a namorada, Marion. Hoje, ela divide o apartamento com Pavinha, um canário de 16 anos. Não sai para trabalhar sem se despedir do passarinho. Ao fechar a porta, não deixa de sentir um certo alívio: o amigo está meio velho, acomodado e, portanto, não a deixará por qualquer sirigaita, como fez Manduca.

Além de dar carinho, divertir, acalmar e fazer companhia, os bichos de estimação às vezes desempenham um papel ainda mais nobre, ajudando nas perdas, por exemplo. Diversos estudos com pessoas que perderam seus cônjuges mostram que os donos de animais de estimação estavam menos propensos à depressão e à sensação de isolamento. Sua saúde era melhor e exigiam menos medicamentos.
Rupert Sheldrake descreve várias histórias desses que ele chama de "animais consoladores". São mais de 120 relatos emocionantes, mas, um dos mais simples, porém dos mais eloquentes, foi feito por Sue Norris, que assim lhe escreveu: "Sou autista e tenho uma cachorra, a Nikita, que sabe como eu sou. Ela me consola antes de eu dizer qualquer coisa".

Em São Paulo, Rafael Preto Pereira, de 8 anos, vive cercado por cachorros, pássaros e, principalmente, pelo carinho dos pais. Por causa de uma anoxia (redução de oxigênio) ocorrida no parto, tem uma paralisia cerebral que comprometeu sua capacidade motora. O tratamento inclui, entre outros, a terapia com cavalos (equoterapia), em que o movimento do animal ajuda no equilíbrio e no fortalecimento da musculatura. Quando fala desses amigos, os olhos do garoto brilham e mostram que os benefícios vão além dos exercícios motores -são também de ordem emocional.

Já a cachorra Bina faz parte do dia-a-dia do menino e comporta-se como se fosse uma babá: cuida, protege, faz companhia e, se percebe que o menino está precisando de um cuidado que ela não pode dar, avisa a mãe, Rita, latindo sem parar.

Os animais-terapeutas -ou co-terapeutas, como chamava a psiquiatra Nise da Silveira- são usados ainda com timidez no Brasil. Nos EUA, mais de 2.000 programas chamados PAT (Pet is a Terapy) levam animais para visitar doentes, pessoas desamparadas, crianças com doenças crônicas e idosos.

Sheldrake relata a história de um animal-terapeuta na Inglaterra que ia com sua dona, Ruth, visitar diariamente um abrigo em Birmingham. Segundo Ruth, ele sabia exatamente como se comportar diante dos vários pacientes. Com alguns fazia palhaçadas, com outros se deleitava em carinhos, percebendo o que cada um necessitava. Fez várias amizades. Uma das amigas, certa noite, pediu à enfermeira que chamasse o cachorro. Ela estava morrendo. Ele ficou ao lado, com a cabeça repousando sobre a cama, até o fim.

Os animais podem deixar belas lições aos homens. Os 13 anos de convivência de Antônio Costella, professor aposentado da área de comunicações da USP, com seu cachorro, Chiquinho, é um belo exemplo. Depois de várias viagens pelo exterior com o parceiro, muito envolvimento e pesquisas para entender melhor comportamento animal e ecologia, o professor descobriu uma nova maneira de enxergar a vida. Tornou-se até vegetariano: "Não posso ver um bife no prato que penso no músculo de algum animal", conta. Para ele, Chiquinho deixou várias lições. "Era um sujeito que tinha um cachorro, gostava dele, assim como gostava da natureza, mas só usufruía. Hoje me sinto comprometido com tudo o que faz parte da vida. Veja só. O amor por um cachorro transformou-se, em mim, em amor por toda a criação", diz, comovido.

Experiências assim são um convite para tornar as pessoas mais tolerantes, sensíveis e, principalmente, mais humildes em relação à complexidade da vida.
 

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