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01/05/2003 - 07h51

"Arquitetura do medo" isola cidadão e provoca fobia social

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ANTONIO ARRUDA
da Folha de S.Paulo

Muralhas, seteiras, fossos, arames farpados, lanças. Não se fala aqui de um castelo medieval, mas de edifícios e casas de bairros de classe média e alta de São Paulo e do Rio de Janeiro que cada vez mais incorporam à sua arquitetura elementos utilizados na Idade Média. Há ainda as residências que se assemelham mais a presídios de segurança máxima, com sistemas sofisticados de alarmes, sensores e câmeras de vídeo.

Num momento em que a capital paulistana lidera, pela primeira vez desde 99, o ranking de roubos no Estado e que, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, o número de roubos na cidade cresceu 89% em sete anos, a população tem se trancafiado cada vez mais.

"Estamos diante de uma arquitetura que explicita o medo da violência. É crescente o número de elementos medievais e carcerários presentes nas habitações", diz Sonia Ferraz, professora do departamento de arquitetura da Universidade Federal Fluminense.

A professora e sua equipe, financiadas pela Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), fotografaram cerca de 300 casas e edifícios de São Paulo e do Rio, identificando a presença maciça desses elementos.

Para se ter uma idéia do aumento da preocupação com a segurança, esse setor de serviços cresceu 12% no ano passado em relação a 2001, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança. "E tudo isso gera uma mudança radical na qualidade de vida das pessoas, que estão se encarcerando; foi-se o tempo em que era possível pedir uma xícara de açúcar para o vizinho", diz Ferraz.

Esse isolamento doméstico faz com que as pessoas, principalmente os jovens, fiquem carentes de uma vivência urbana, de acordo com a coordenadora do curso de arquitetura e urbanismo da Unicamp, Silvia Mikami Pina. "Como vai ser o sentido de territorialidade desse jovem, se ele só consegue demarcar seu espaço dentro de sua própria casa, não vai a uma praça no seu próprio bairro?", questiona.

O que está em jogo é o sentido de cidadania. Ao se trancafiar, a pessoa não percebe nem vivencia a cidade. "Não conhece os cheiros, os ruídos, as cores, as luzes da cidade. É como se estivesse descolada do espaço em que vive", diz a professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU), Sueli Schiffer. Dessa maneira, como desenvolver a noção de cidadania?

"Fica complicado, pois a classe alta defende-se dos efeitos da violência, mas não se sente comprometida a identificar as causas dessa violência", acredita Schiffer.

Tudo isso intensifica a "privatização da vida" e faz com que a relação com a cidadania seja castrada, na opinião do sociólogo Emir Sader, professor da USP e da Uerj . "O espaço público não é mais o espaço das trocas, do aprendizado. A rua não é mais um local de socialização, mas uma via que serve para levar as pessoas de um local privado para outro", diz ele.

Assim, a comunicação entre os diferentes estanca-se. E isso dá margens para que a fantasia, alimentada pela realidade, que de fato é muito violenta, crie monstros às vezes maiores do que são, diz a psicanalista Arlete Salgueiro Scodelario.

"A pessoa passa a ver o próximo com receio. De repente parece que todo mundo virou inimigo. Daí, forma-se uma bola de neve, o espaço de convivência social vai se restringindo, e o medo aumenta cada vez mais", diz a psicanalista.

Nancy Cardia, vice-coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que essas pessoas colocam muros muito altos e fios eletrificados porque há uma necessidade real. "São soluções de desespero. Nos últimos cinco anos, todo mundo conheceu alguém que foi assaltado, sequestrado ou assassinado. Alguns exageram um pouco? Talvez, mas cada um reage de uma forma às ameaças."

"Tudo isso sinaliza que vivemos a lógica da individualização. Todos esses elementos agudizam a idéia de uma guerra de todos contra todos", diz Sader.

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