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04/09/2003 - 07h33

Depressão em jovem tem feições próprias

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GUSTAVO PRUDENTE
free-lance para a Folha

O que você diria de uma menininha que fica exacerbadamente brava toda vez que não tem as suas vontades satisfeitas? Quando perde o programa de TV preferido, então, aí é como se o mundo desabasse sobre a cabeça dela. Não seria uma criança mimada, mal-educada? Talvez, mas o seu comportamento também tem um quê de depressivo.

Criança tem depressão, assim como adolescente (e até bebê!). E a incidência da doença entre os menores está crescendo. Diferentes estudos mostram que 15% dos adolescentes e até 9% das crianças sofrem de depressão. O maior nó da questão é que os sintomas se confundem facilmente com comportamentos típicos dessas fases da vida. Por esse motivo e também por preconceito e falta de informação sobre essa que é uma doença tal qual o diabetes e a hipertensão, 80% dos casos não são diagnosticados.

"Na última década, a depressão vem se manifestando cada vez mais cedo, seja por fenômenos de antecipação --mudanças na doença devido a fatores genéticos, sociais e ambientais--, seja porque as pessoas estão procurando ajuda profissional", diz o psiquiatra Ricardo Moreno, diretor do Gruda (Grupo de Estudos de Doenças Afetivas da Faculdade de Medicina da USP).

Para a psicóloga clínica Angelina França, uma das principais causas do aumento da doença entre adolescentes é a liberdade sem limites dada a eles numa fase em que ainda não possuem estrutura para organizar o que é bom ou não para si. A liberdade desassistida pode levar à depressão, diz.

O suicídio entre jovens triplicou em 30 anos e já é a segunda principal causa de morte, perdendo apenas para os acidentes. Em 51% dos casos, a depressão está presente.

Os sintomas de cada idade

Entre as crianças, são muito comuns manifestações atípicas da doença, como irritabilidade, hiperatividade e até perfeccionismo exagerado, sintomas que mal lembram a clássica apatia do deprimido adulto.

Além disso, ela se expressa de forma variada segundo a fase de desenvolvimento da criança.

As pequenininhas, que não dominam a linguagem ou nem sequer falam, usam artifícios não-verbais, como retrair o rosto e o corpo ou chorar muito. "Na fase escolar, são mais comuns dores e movimentos repetitivos do corpo, hiperatividade ou mesmo regressão --a criança fala de forma infantilizada e volta a urinar e a defecar na cama", diz o psiquiatra Rogério Morihisa.

Já na adolescência os sintomas são mais próximos aos dos adultos, porém acrescidos de um componente maior de agressividade.

O sentimento de não conseguir ver "luz no final do túnel", clássico da depressão, é o mesmo nos adolescentes, diz França. Mas, em geral, eles transferem isso para a agressividade, por ser "uma linguagem mais natural, menos elaborada". E também não assumem a doença. Já a criança sequer entende o que se passa com ela por uma questão cognitiva, diz França.

A partir da adolescência, a incidência da doença em meninas passa a ser o dobro da masculina. Não se sabe a razão, mas desconfia-se, por exemplo, da pressão social sobre o corpo feminino e de fatores hormonais.

"Nas meninas, há alta incidência de transtornos alimentares, como bulimia e anorexia. Nos meninos, podem surgir quadros ansiosos do tipo pânico", diz Geraldo Ballone, presidente da Sociedade Paulista de Psiquiatria Clínica. Eles também costumam apresentar mais comportamentos autodestrutivos, como participar de "rachas" de carro e abusar de drogas lícitas e ilícitas.

Medo de pai

Por culpa ou por medo, os pais costumam demorar ou relutar para procurar ajuda psicológica. "É muito raro uma criança ou um adolescente chegar ao meu consultório porque os pais perceberam algo de errado, a não ser no caso de tentativa de suicídio. Em geral, quem reconhece o quadro depressivo é o professor ou um psicólogo", diz o psiquiatra Arani Borges.

Os pais têm muito medo de levar o filho ao consultório e depois se verem responsabilizados pelo problema do rebento. Afinal, diz França, a família é envolvida diretamente no tratamento. "Mas pedir ajuda não é sinal de fraqueza, ao contrário, é de coragem porque implica enfrentar mudanças", diz a psicóloga.

A culpa dos pais também pode ser aliviada se a depressão deixar de ser encarada como resultado de falha de caráter ou de criação. Como qualquer doença, ela precisa ser diagnosticada e controlada. "Caracteriza-se pela dificuldade do cérebro em usar certas substâncias, como serotonina, dopamina e noradrenalina, para administrar informações entre os neurônios", explica o neurologista João Radvany, do hospital Albert Einstein (SP). Estão em jogo predisposição genética, educação e fatores sociais, ambientais e comportamentais.

Sabe-se, por exemplo, que filhos de pais deprimidos possuem até quatro vezes mais chances de ter a doença e que traumas emocionais pesados, como abuso sexual, podem detoná-la. Mas há quem sofra da doença sem nenhum motivo aparente. Seja como for, a doença deve ser tratada dado o primeiro alerta. Do contrário, ela tende a se tornar crônica.

"A probabilidade de um segundo episódio de depressão é de 35%, a do terceiro é de 70% e depois chega a quase 100%. Com tratamento correto, essas chances caem para quase a metade", diz Ballone.

Os riscos que rondam crianças e adolescentes deprimidos são muitos. Eles podem crescer menos que os outros e ter peso abaixo do normal. Também têm mais propensão ao alcoolismo, a consumir drogas e a se colocar em situações arriscadas. "Criança não tenta suicídio, brinca com a morte", diz Rogério Morihisa. "O adolescente pode criar relacionamentos pouco saudáveis e transar sem camisinha, por exemplo", diz Josef Kijner, psiquiatra e coordenador do curso de psicoterapia do adolescente do Instituto Sedes Sapientiae (SP). Acidentes de carro, em algumas situações, podem ser tentativas inconscientes de suicídio. Além disso, há sequelas "secundárias": uma adolescente anoréxica, como consequência do desequilíbrio nutricional, pode ter o ciclo menstrual desregulado.

Depressão não deve ser vista em qualquer manifestação de tristeza ou irritação. O diagnóstico preciso é feito por um profissional. Os tratamentos são eficientes e seguros e, na maioria dos casos, duram de seis meses a dois anos. "As pessoas acham que antidepressivo vicia, o que não é verdade", diz Ricardo Moreno.

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