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25/03/2004 - 05h47

Existe versão saudável de workaholic

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VERÔNICA FRAIDENRAICH
free-lance para a Folha de S.Paulo

Jornadas intermináveis de trabalho e tempo escasso para lazer e descanso. Rotina típica de workaholic, certo? Não, pode tratar-se do oposto: rotina de worklover. O conceito foi criado pelo psicólogo Wanderley Codo, coordenador do Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília, que identifica uma fartura de worklovers no Brasil --de executivos a encanadores. Leia a entrevista.

Folha - Em que o senhor se baseou para desenvolver o conceito de worklover?

Wanderley Codo -
Esse termo vem sendo construído a partir das pesquisas que temos feito desde 1979. Sempre que fazemos o diagnóstico do trabalho, encontramos pessoas extremamente apaixonadas pelo que fazem. Mas foi há cerca de dois anos que passamos a usar o termo em contraposição a workaholic e também como uma crítica a ele, porque o que começou a ser difundido é que qualquer pessoa que trabalhasse muito era um viciado e a gente apostava que não. Há quem, simplesmente, goste muito do trabalho, inclusive daqueles considerados chatos, e que não é viciado nem usa o trabalho como um meio para fugir da vida, mas é uma pessoa com uma vida afetiva regular e satisfatória.

Folha - Como definir o worklover?

Codo -
Uma pessoa que pode perceber o poder de transformação de si mesmo e do mundo que o trabalho tem. Deus criou o mundo à sua imagem e semelhança, e cada homem vê o mundo à sua imagem e semelhança. O trabalho é que permite isso. O trabalho do marceneiro faz com que se transformem árvores em mesas e, ao fazer mesas, o profissional muda o mundo e muda você também. Quando você se senta à mesa, você deve um tributo ao marceneiro. Quer achar fácil um worklover? Pergunte para alguém o que faria se ganhasse na loteria. A pessoa dirá que viajaria, compraria carro, mas que continuaria trabalhando exatamente naquilo que trabalha.

Folha - Há profissões mais propensas à existência de worklovers?

Codo -
As que são menos alienadas, nas quais o indivíduo é capaz de saber o significado de seu trabalho. Professores, cientistas, artistas, jornalistas, executivos ou biscateiros, como pedreiros e encanadores. Um encanador que não trabalhe dentro de fábrica é uma pessoa que tem conhecimento e controle do processo. Ao ser chamado para resolver um cano entupido, por exemplo, saberá detectar o problema, fazer o diagnóstico e resolvê-lo. Assim ele deixa você feliz e o transforma. Se esse encanador tiver uma relação alienada com o trabalho, na obra de um prédio, por exemplo, ganhando um salário de R$ 300 e simplesmente obedecendo a ordens sem entender o motivo, ele terá dificuldade de se conscientizar da transformação que está realizando. Ele faz a transformação, quer queira, quer não, mas precisa ter alguma consciência.

Folha - Há worklovers em trabalhos mecânicos?

Codo -
Sim. Muitas vezes o trabalhador tem uma consciência mágica: estou colocando este cano aqui porque preciso sofrer para ir para o céu. É uma alienação. É uma saída mágica que ele encontrou e que, de alguma forma, o realiza. São casos mais raros, mas acontecem. Da mesma forma, você pode encontrar alguém que fica apertando o mesmo parafuso oito horas por dia e ama esse trabalho. Fazer tricô, por exemplo, é rotineiro, sempre o mesmo movimento, no entanto, é muito criativo e prazeroso. A pessoa quer dar um presente para o neto. É bonito isso, porque ela transmite o afeto para o outro por meio do produto do seu trabalho. Ao escrever uma reportagem, você está, de certa forma, transmitindo afeto para a humanidade --pode ser afeto negativo, se você não gosta da humanidade.

Folha - Quais as diferenças entre os work-lovers e os workaholics?

Codo -
Os dois trabalham demais, tendem a se envolver muito no que fazem. Na superfície são idênticos, mas, se você chega perto, as diferenças aparecem. No plano do significado, do sentido que o indivíduo tem do trabalho, a coisa é totalmente oposta. O workaholic trabalha porque não pode viver, não pode levar sua vida. O worklover trabalha porque gosta disso e pode, perfeitamente, gostar da mulher, de sexo, da vida dele fora do trabalho. Aliás, existem pesquisas mostrando que pessoas altamente dedicadas ao trabalho também são indisciplinadas com relação a ele. Não necessariamente chegam na hora, porque são pessoas que têm um vínculo com o trabalho de outro tipo. Eu tenho um pesquisador no laboratório que volta e meia não vem trabalhar de manhã. Pergunto por que e descubro que ele ficou no computador resolvendo um problema nosso até de madrugada no dia anterior. E o bom administrador sabe que esse cara está cuidando da vida e não fica cobrando horário.

Folha - No Brasil, há uma estimativa dos worklovers?

Codo -
Por paradoxal que pareça, numa situação mais pobre economicamente, o trabalho se torna mais informal e, logo, menos alienado. Então há muita gente no Brasil que adora seu trabalho. É um dos povos que mais trabalham no mundo. A tendência, portanto, é afirmar que muitos brasileiros são felizes.

Folha - Qual a importância do trabalho para o homem?

Codo -
É ele que nos constrói. É através dele que a gente olha no espelho e se reconhece. É algo muito prazeroso e, quando não é, alguma coisa está errada.

Wanderley Codo, 53, coordena o Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB)
 

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