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12/08/2004 - 07h41

Co-dependência é um distúrbio mais freqüente do que se imagina

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ANA PAULA DE OLIVEIRA
da Folha de S.Paulo

O marido que cerceia o crescimento profissional da mulher. A mãe que faz o impossível para o filho não sair de casa. O chefe que não permite ao empregado crescer dentro da empresa. A namorada que exige do parceiro 24 horas de dedicação incontestável e absoluta. A esposa que prefere deixar o marido alcoólatra beber em casa a ir ao bar. O avô que paga ao traficante as dívidas do neto. São exemplos genéricos, mas clássicos, de como a co-dependência --depender da dependência do outro em relação a si mesmo-- está tão profundamente enraizada no convívio social e familiar.

É uma via de mão dupla, em que, no final das contas, as partes dependem umas das outras. A mulher "podada" pelo marido controlador necessita dessa figura para se sentir protegida: ela é sua dependente, e o marido também precisa dela e alimenta essa dependência.

Embora não seja catalogada oficialmente como transtorno mental, hoje a co-dependência é tida como um distúrbio da mente.

Originalmente, o termo co-alcoólatra foi designado para caracterizar as mulheres de alcoólatras, que, na década de 70, passaram a fazer reuniões paralelas às que seus maridos freqüentavam no AA (Alcoólicos Anônimos). Nesses grupos, elas perceberam possuir um denominador comum: toda a sua vida familiar girava em torno do dependente.

No próximo dia 26, será divulgada, no Encontro do Colégio Internacional de Neuropsicofarmacologia, no Rio de Janeiro, uma pesquisa que constatou que 97% das mulheres de alcoólatras preenchem o diagnóstico de co-dependência e possuem algum distúrbio de ansiedade (síndrome do pânico, fobia social). Os estudos --feitos com 485 famílias-- foram coordenados pelo psiquiatra Jorge Jaber, fundador da Associação dos Familiares dos Dependentes Químicos, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

De acordo com Sergio Nicastri, coordenador do Programa Álcool e Drogas do hospital Albert Einstein, temendo perder o controle do sujeito subordinado, o co-dependente chega até a comprar ou pagar o vício do dependente. "Por isso existe a necessidade de tratar tanto o alcoólatra como a sua família", explica.

São dependências paralelas. Da mesma maneira que um dependente desenvolve uma ligação com a droga que não consegue controlar, o co-dependente estabelece uma relação de sujeição com o outro que não consegue controlar, como explica Jaber, que também é diretor da Abrad (Associação Brasileira de Álcool e Droga).

Auto-ajuda

Apesar de não ter participado do estudo acima, a escritora e jornalista Rita Ruschel, 54, enquadra-se perfeitamente no perfil da pesquisa. Filha de pai alcoólatra, toda sua vida foi cercada de relações de co-dependência, em maior ou menor grau. "Tentava controlar o ambiente para o meu pai não beber e minha mãe não chorar. Não tinha vida própria." Já adulta, Rita Ruschel passou, inconscientemente, a absorver o único modelo de relacionamento que conhecia: envolveu-se com alcoólatras e com homens emocionalmente indisponíveis. "Hoje sei que, como sempre tive de correr atrás do meu pai para ele gostar de mim, passei a fazer o mesmo com meus parceiros", diz Ruschel, autora de "Rita, Ritinha, Aprendendo a Amar" (ed. Ágora).

Há dez anos, Rita Ruschel começou a participar de grupos de auto-ajuda a familiares de dependentes e descobriu que fazia apenas a vontade do outro. "O co-dependente é assim. Vive em prol do outro. Hoje já começo a saber do que eu gosto. Se estou curada? Se bobear, eu me pego ainda fazendo o trabalho dos outros e colocando os amigos em primeiro lugar. Sou perigosa para mim."

Para a psicanalista Lygia Vampré Humberg, a co-dependência deve ser encarada como uma doença crônica --assim como diabetes e hipertensão. "Portanto exige contínua vigilância", orienta Humberg, que escreveu uma dissertação de mestrado sobre o tema na faculdade de medicina da USP.

De vítimas a heróis

"Eu quis viver a vida do outro, esquecendo da minha própria. Sempre fui co-dependente em todos os meus relacionamentos. Essa doença não permite que sejamos nós mesmas", conta Maria (nome fictício), em uma reunião do Mada (Mulheres que Amam Demais Anônimas).

Inconscientemente, o co-dependente se transforma em vítima, dizendo "sou coitado, mas veja como sou forte e o que eu tenho de suportar", explica a psicóloga Maria Aparecida Junqueira Zampieri. "É um heroísmo e uma necessidade dolorida de ajudar os outros", continua Zampieri, que acaba de lançar o livro "Co-dependência, o Transtorno e a Intervenção em Rede" (ed. Ágora).

São nos grupos de auto-ajuda, como o Coda (Co-dependentes Anônimos) e o Mada, que os freqüentadores se descobrem controladores compulsivos e percebem que o que procuram são relacionamentos sofridos.

Sob o lema "Aprender a desenvolver relacionamentos saudáveis", os Co-dependentes Anônimos seguem a mesma cartilha do AA: viver um dia de cada vez sob alguns "mandamentos", como --e principalmente-- colocar-se em primeiro plano. Sempre.

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