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28/10/2004 - 07h55

Efeitos da poluição começam a ser levados em conta

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RODRIGO GERHARDT
da Folha de S.Paulo

Enquanto ecologistas discutem as conseqüências das transformações do planeta para seu equilíbrio ambiental, uma outra categoria de especialistas ainda pouco conhecida afirma que não é preciso esperar as geleiras derreterem pelo efeito estufa para que a população seja afetada. Segundo os médicos ambientais, o impacto do ambiente urbano na saúde é maior e mais imediato.

"Estamos expostos a substâncias químicas em quantidades como nunca antes --no ar, na água, nos alimentos, nos produtos utilizados rotineiramente. Os resultados mais diretos são uma maior incidência de câncer, distúrbios neurocomportamentais, depressão e perda de memória", exemplifica Lia Giraldo, pediatra do Laboratório de Saúde Ambiental e Trabalho do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, em Recife (PE). Em agosto de 2003, o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos divulgou dados que mostraram que dois terços dos casos de câncer no país têm como causa fatores ambientais.

Problemas como esse fazem parte dos novos desafios da saúde ambiental, ciência que propõe um viés ecológico para a medicina. Até então restrita às questões de saneamento como objeto de estudo, ela vem mudando seu foco para o impacto na saúde da população e, para isso, já considera fatores como mudanças climáticas, ocupação do espaço e poluição. Dentro desse conceito, o estilo de vida, as condições sócio-econômicas e os ambientes urbano e doméstico também são levados em conta.

Quem trabalha sob condições adversas, por exemplo, está mais suscetível aos fatores de risco. É o caso do "marronzinho" --como são chamados os agentes de trânsito de São Paulo-- Isaías Viana, 41. O resultado das horas diárias de exposição à fumaça é percebido por ele mesmo na ardência que sente nos olhos e na cor da roupa, que fica mais escura no final de cada dia. "Mas eu até já me acostumei com a poluição", afirma Viana, que é agente há 13 anos.

Em uma pesquisa feita com 50 controladores de tráfego, não fumantes e sem doenças prévias --Viana entre eles--, da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET), o pneumologista do Instituto do Coração Ubiratan de Paula Santos constatou que todos apresentavam elevação da pressão arterial e variação da freqüência cardíaca nos dias de maior poluição atmosférica. A longo prazo, segundo o estudo, os agentes estão sujeitos a infarto do miocardio e derrame cerebral. Deles, 33% apresentaram condições típicas de fumantes -redução da capacidade pulmonar e inflamação freqüente dos brônquios.

Falsos oásis

Quem imagina que esses efeitos atingem apenas aqueles que passam horas à beira de avenidas movimentadas está enganado. Outra pesquisa, feita em 2002 com corredores habituais do parque do Ibirapuera, utilizou dados da estação local de medição dos poluentes no ar da Cetesb para mostrar que pessoas ativas e com a saúde em dia também sofrem dos mesmos sintomas detectados na pesquisa com os agentes da CET --diminuição da capacidade pulmonar, alteração da freqüência cardíaca e elevação da pressão sangüínea.

Por três anos, o empresário Adriano Corrêa, 37, correu diariamente no parque do Ibirapuera. A presença do verde e a distância do tráfego transmitiam segurança para a prática de exercícios. A tranqüilidade só foi quebrada após descobrir que, a longo prazo, ele também pode desenvolver doenças respiratórias e cardiovasculares simplesmente pelas condições do ar no local.

"Fiquei desapontado por não haver nenhuma orientação dentro do parque. Até então, nunca tinha ouvido falar dos efeitos do ozônio. Muitos freqüentadores aproveitam o almoço para ir ao Ibirapuera, horário em que a concentração desse poluente é maior", diz Corrêa, que passou a utilizar mais a esteira em casa e a alternar os roteiros da corrida.

"Não há dor, mal-estar ou qualquer outro sintoma imediato. Os efeitos da poluição não são percebidos, mas se acumulam no organismo. No futuro, podem ocasionar doenças que as pessoas não associarão ao ambiente ou anular os benefícios adquiridos com o exercício físico", explica o pesquisador da Faculdade de Saúde Pública da USP Ibsen Wilde Dalla Júnior.

Da mesma forma, a maioria dos que buscam o parque Trianon como um refúgio do trânsito caótico não têm idéia de que o "pulmão da Paulista", como é apelidado o parque da avenida mais famosa de São Paulo, está localizado em uma das regiões de maior emissão de radiação eletromagnética do país. Lá, também não é possível escapar da poluição sonora.

Depois de detectar um excesso de ruído em todos os pontos avaliados na cidade de São Paulo, em 2002, a fonoaudióloga Carolina Moura analisa agora a percepção da população sobre os impactos da poluição sonora. Dados preliminares mostram que ela é vista como algo ao qual é possível se adaptar, e como um preço a se pagar pela vida na cidade. "Mas pessoas expostas constantemente a um nível elevado de ruídos podem perder a audição progressivamente, além de sofrer sintomas como insônia, irritabilidade, estresse, alterações endócrinas e fadiga", diz Moura.

Mesmo profissionais da saúde negligenciam os efeitos do barulho em excesso. Em sua tese de mestrado, a otorrinolaringologista Raquel Paganini avaliou o nível de ruídos produzido em uma unidade de terapia intensiva do hospital São Paulo. O barulho dos equipamentos, somado à conversação da equipe médica e dos familiares do paciente, produz o mesmo nível sonoro de um escritório (65 decibéis) --um índice bem acima do recomendado pelas normas para um ambiente hospitalar (35 a 45 decibéis).

A falta de silêncio pode dificultar a recuperação dos pacientes. "Os ruídos podem aumentar a sensibilidade à dor e alterar os batimentos cardíacos do paciente. Esse problema também é enfrentado em outros hospitais", afirma Paganini.

"A relação com o ambiente traz impactos positivos e negativos para a saúde. Saber o peso de cada um e como agem no organismo a longo prazo é a chave que precisamos desvendar", diz Nélson Gouveia, epidemiologista ambiental da Faculdade de Medicina da USP.

No Brasil, a saúde ambiental ainda está dentro dos muros das instituições de pesquisa, diferentemente de alguns países europeus e dos Estados Unidos, onde a figura do médico ambiental é realidade. "A maioria dos profissionais não têm o conhecimento necessário para avaliar o contexto ambiental na saúde. Uma das nossas funções é ajudar na formação desse corpo clínico", explica Tom Goehl, editor-chefe da Environment Health Perspectives, publicação oficial do National Institute of Environmental Health Sciences (Instituto Nacional de Ciências de Saúde Ambiental). Além de formar especialistas, o instituto norte-americano realiza pesquisas que ajudam o departamento de saúde do país a elaborar políticas públicas de saúde ambiental.

"Na prática, esse profissional é um híbrido entre um epidemiologista e um toxicologista, capacitado para avaliar os mecanismos pelos quais os fatores ambientais promovem danos à saúde humana", explica o pneumologista Paulo Saldiva, pesquisador do Departamento de Saúde Ambiental da Universidade Harvard (EUA) e chefe do Laboratório de Diagnósticos da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Futuro

Mas as coisas começam a mudar por aqui também. O Ministério da Saúde está elaborando uma política nacional de saúde ambiental em conjunto com os ministérios do Meio Ambiente, do Trabalho e da Agricultura, segundo o secretário de vigilância ambiental, Jarbas Barbosa. Neste ano, a Faculdade de Medicina da USP ofereceu pela primeira vez uma disciplina optativa de medicina ambiental. Para o próximo ano, a faculdade anuncia a criação do primeiro ambulatório de saúde ambiental do país.

Segundo o pediatra Alfésio Braga, pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica e criador da disciplina de saúde ambiental da USP, os médicos devem considerar com mais cuidado os fatores ambientais no diagnóstico do paciente. "Crianças com problemas respiratórios nunca serão tratadas definitivamente se o contexto ambiental não for inserido na avaliação médica." Aliás, assim como o efeito estufa é causado pela poluição atmosférica, a causa desses males também pode ser a falta de bons ares.

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