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31/01/2002 - 10h05

Supervalorização do orgasmo limita o prazer

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SERGIO VILAS BOAS
da Folha de S.Paulo

Nos últimos 40 anos, muitos tabus sexuais foram derrubados. No passado, o orgasmo era considerado uma vantagem natural dos homens. Às mulheres restavam o silêncio e o consentimento. Isso mudou.

O prazer físico está mais livre de restrições religiosas e de gênero. Mas persiste a fixação no desempenho. A primeira consequência dessa fixação é o que os especialistas chamam de ditadura do orgasmo.

Segundo eles, o orgasmo está supervalorizado. Virou fonte de saúde, sinônimo de satisfação, de normalidade sexual e sinal de estabilidade nos relacionamentos afetivos.

"As pessoas têm-se sentido ansiosas porque não atingem o orgasmo em todos os contatos íntimos", afirma a psicoterapeuta Albangela Ceschin, pesquisadora do Projeto Sexualidade (Prosex) do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Homens e mulheres -homo ou heterossexuais- associam satisfação a orgasmo, objetivo da grande maioria das relações. Pesquisa realizada pelo Instituto Paulista de Sexualidade mostrou que 80% das mulheres da Grande São Paulo consideram o orgasmo a principal fonte de prazer.

Mas menos de um terço delas o experimenta durante a penetração. A grande maioria (75%) das mulheres que atingem o orgasmo em um ato sexual precisa de algum tipo de excitação oral ou manual.

Excesso de preocupação
"Em consultório, pessoas sem nenhuma disfunção orgânica demonstram uma preocupação tão excessiva com o clímax que se esquecem de aproveitar todo o processo, que também envolve desejo, sedução e criatividade.

Isso gera muita angústia", afirma o ginecologista e sexólogo Gerson Pereira Lopes, co-autor, com Mônica Maia, de "Sexualidade e Envelhecimento" (ed. Saraiva).

No Brasil, 10% dos homens e 30% das mulheres nunca experimentaram o orgasmo. O uso de medicamentos antidepressivos e anti-hipertensivos é uma das causas da anorgasmia -impossibilidade de ter orgasmos.

Doenças cardiovasculares, diabetes e alcoolismo também dificultam, mas, em sua maioria, as doenças e os medicamentos inibem o desejo, não o orgasmo.

"Somadas, as causas orgânicas não explicam nem 10% dos casos de pessoas com alguma dificuldade de chegar ao clímax da relação", diz Lopes.

As notícias sobre sexo espalham-se rapidamente. Nos últimos dois anos, foram divulgadas pesquisas preliminares sobre melhoras na saúde de pacientes que tinham pelo menos dois orgasmos por semana. Um desses estudos sugere a possibilidade de o orgasmo prevenir doenças como diabetes, depressão e até gripe.

Outra pesquisa apresenta o orgasmo como remédio contra celulite, cólicas menstruais e estresse. Uma terceira relaciona o clímax do ato sexual à longevidade, ao aumento da capacidade imunológica, da disposição para o trabalho e da autoconfiança e à melhoria da qualidade do sono.

"Por enquanto, não há nada confiável sobre os benefícios do orgasmo para a saúde", afirma a psicóloga Carla Cecarello, presidente da Associação Brasileira de Sexualidade.

O orgasmo é um evento físico e psíquico. De modo geral, não causa danos à saúde.

Quanto melhor o estado de saúde do indivíduo, maior a possibilidade de contatos sexuais livres de perturbações. Mas relações baseadas somente no gozo final são perigosas. "O orgasmo não pode ser um fim em si mesmo", afirma o sexólogo Gerson Lopes.

A anorgasmia eventual ou persistente pode ter como causa relacionamentos afetivos conturbados. Indiferença, agressões verbais e competições entre os parceiros são inimigas do prazer.

"Muitas pessoas se sentem anormais porque não conseguem chegar ao orgasmo. Depois que entram em terapia descobrem que, na verdade, o que haviam perdido não era a capacidade de ter orgasmo, e sim o desejo pela outra pessoa", diz a psicoterapeuta Albangela Ceschin.

Outras formas de prazer
O foco estrito no orgasmo pode transformar a relação sexual em uma espécie de circuito de Fórmula 1. Os parceiros visam a bandeirada de vitória e esquecem-se das curvas, retas, ultrapassagens e paradas estratégicas.

Fisiologicamente, o orgasmo é um estímulo acionado pelo pênis e pelo clitóris.

"Mas prazer é também beijo, toque, carícia, masturbação, cheiro", lembra Carla Cecarello.

Para os homens, historicamente, o desempenho na cama é medido por "quantas vezes foram até o fim". A falta de ereção, que bloqueia esse afã quantitativo, será sempre um fantasma nos corredores da intimidade masculina.

O lançamento do Viagra, em 1998, aliviou algumas disfunções orgânicas, mas não os bloqueios psicológicos e tampouco a ejaculação precoce.

A simples ansiedade ainda é a principal causa de problemas sexuais entre jovens de até 25 anos, segundo pesquisa do Prosex. Acima dos 35, mulheres e homens, segundo a mesma pesquisa, mostram-se excessivamente presos a mitos.

Elas estão valorizando o orgasmo múltiplo. Eles, o orgasmo simultâneo -aquele em que os parceiros atingem o clímax ao mesmo tempo.

"Os homens passaram a acreditar que o orgasmo das mulheres depende deles. Por isso sentem-se cada vez mais obrigados a proporcioná-lo", explica Lopes.

Em psicoterapia sexual , os pacientes são estimulados a identificar o que mais lhes interessa em seus relacionamentos: gozar ou ter prazer. Relações instantâneas, em que o desejo, a excitação e o orgasmo ocorrem rapidamente, podem não satisfazer.

"Por natureza, as pessoas reclamam que precisam buscar algo além do prazer físico", observa Ceschin.

Sexo mecânico
A cultura brasileira projeta a relação sexual sem orgasmo como frustrante e incompleta. Mas o sexo mecânico é inimigo do orgasmo. Sob estresse, dor de cabeça, rancores e apreensões, por exemplo, é mais difícil atingir o orgasmo.

"Os casais precisam entender que desfechos diferentes do almejado não significam, necessariamente, que algo vai mal na relação", explica Ceschin.

A pressão cultural e social pelo orgasmo, que o transforma em uma panacéia, tem incomodado também os especialistas. Segundo psicólogos e médicos, as pessoas são muito suscetíveis ao que vêem, lêem e ouvem sobre qualquer assunto ligado a sexo.

"Hoje, tudo em nossa cultura precisa ser medido para ter sentido. Quem não chega ao orgasmo em todas as relações cria monstros de sete cabeças.

O preocupante é que, na maioria dos casos, não há motivo para isso", afirma Cecarello.


 

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