Equilíbrio

NUTRIÇÃO

06/11/2001 - 16h49

Cardápio cru de "No Limite" pode causar infecção gastrointestinal

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JANAINA FIDALGO
da Folha Online

Testículo de búfalo, cérebro de boi "fresco", olho de cabra, fígado cru e ovo de camaleoa semi-cozido. Alguém come isso? É possível fazer um "banquete" com estes alimentos, mas só no programa "No Limite", exibido pela Globo no domingo passado, na prova em que os participantes do "reality show" tiveram de ingerir os alimentos estranhos e indigestos.

O "cardápio" oferecido aos integrantes do programa "No Limite" no episódio de domingo pode causar, além de repulsa, uma infecção gastrointestinal, garantem especialistas. A ingestão de carne crua -no caso, o fígado- não é recomendada porque pode transmitir bactérias.

"Os produtos crus são plausíveis de contaminação e colocam em risco a saúde do ser humano. As carnes só são inócuas se forem consumidas depois de cozidas", afirma o microbiologista Eneo Alves da Silva Júnior, consultor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Quem come carne crua pode ser infectado por bactérias como salmonela, Yersinia, Listeria e Campylobacter, que provocam febre, vômito, diarréia, desmaios, calafrios e mal-estar, entre os sintomas mais comuns. A carne crua também pode transmitir parasitas causadores de doenças como hidatidose e teníase.

A simples cocção destes produtos, a uma temperatura mínima de 74ºC, diminui as chances de haver contaminação.

"Existe o medo de contaminação porque eles [concorrentes do programa] podem não estar preparados. A situação se agrava mais ainda em razão do estado de estresse e debilidade a que são submetidos", diz o microbiologista.

O prato de macarrão com minhocas vivas foi o que mais causou polêmica no programa. A "receita" não é recomendada. Embora tenha alto valor protéico, o consumo de minhoca não é aprovado. Ainda não se sabe se a minhoca tem alguma toxina prejudicial ao homem.

"A minhoca em pó está sendo estudada para ser usada no enriquecimento de rações animais, mas não foi aprovada para o consumo humano", afirma Silva Júnior.

Dos "quitutes" oferecidos aos participantes do "No Limite", o mais inofensivo é o olho de cabra, ingrediente de um "delicioso" brigadeiro. Segundo Silva Júnior, a não ser pela repulsa, o prato não causa, em hipótese alguma, contaminação.

A diretora do serviço de dietética do Hospital das Clínicas, Nidia Denise Pucci, destaca também o peso das reações psicológicas provocadas pela ingestão de alimentos não-convencionais. "O emocional está muito ligado ao estômago porque comemos com os olhos. Só de ver um alimento estranho, já sofremos uma interferência na digestão", afirma.

O critério de seleção dos alimentos também tem relação com os hábitos culturais e as necessidades de cada povo, de acordo com a nutricionista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Márcia Regina Banin.

"Nos países asiáticos é comum comer alimentos que os ocidentais consideram exóticos. O francês come escargot, mas toma cuidados no cultivo. Os chineses comem insetos. É uma questão cultural, eles sabem diferenciar o que não podem comer, o que é venenoso."

Outro lado

O microbiologista Edelmiro Duarte, da Bioqualitas Análise de Alimentos e Treinamentos Contínuos, laboratório responsável pelo cardápio do "No Limite", descarta a possibilidade de infecção em qualquer um dos participantes. Ele afirma que todos os alimentos foram retirados de animais abatidos especialmente para o programa, com procedência garantida.

"O búfalo, o boi e a cabra tinham carteira de vacinação em dia, o que garante a criação correta. No abate, seguimos normas de higiene especiais para que não houvesse contaminação", diz o microbiologista consultor de "No Limite".

Os testículos de búfalo e o cérebro de boi, segundo o microbiologista, depois de extraídos passaram por um processo de cocção. Os órgãos foram colocados em água fervente a mais de 74ºC e sem condimentos para não "melhorar" o sabor. Depois disso, foram congelados para aumentar a vida útil e a segurança dos alimentos, já que os pratos foram preparados no Rio de Janeiro e o programa está sendo gravado no Pará. Antes de serem servidos, foram descongelados sob refrigeração.

De acordo com Duarte, como o fígado não foi cozido, para impedir que houvesse qualquer tipo de infecção, a carne foi lavada com uma solução clorada e depois com água destilada e esterilizada. "No final, ainda fizemos uma análise no laboratório para detectar a possível presença de microrganismos. Só então o fígado foi congelado e transportado numa bolsa térmica com gelo seco a -18ºC", diz.

Já as polêmicas minhocas foram lavadas individualmente com uma solução fraca de cloro e depois com água destilada e esterilizada. Só então foram colocadas em caixas com húmus esterilizado. O processo foi repetido quatro vezes para que todas as substâncias contaminadas da primeira caixa de húmus fossem completamente eliminadas.

O microbiologista da Bioqualitas afirma que todos os pratos sofreram ainda uma análise microbiológica para detectar a presença de bactérias.

Eficiência questionada

A Anvisa contesta a eficiência dos processos adotados para a preparação dos pratos servidos no programa da Globo. De acordo com ele, no caso do fígado, só o cozimento seria capaz de matar qualquer bactéria.

"A salmonela está dentro do tecido. O cloro fica inativo em matéria orgânica, por isso não adianta. Além do mais, a análise em laboratório é feita em apenas uma amostra da carne. Não é possível provar que o fígado inteiro não tem bactéria", afirma Silva Júnior.

Para ele, os cuidados com a seleção e o abate dos animais diminui os riscos de infecção, mas eles não são suficientes para garantir ausência de causadores de doenças. "Isso garante que não há perigo químico [hormônios e agrotóxicos] nem físico [pedaços de osso ou de dente], mas não garante a ausência de contaminação porque a bactéria faz parte do animal."

Quanto às minhocas, o consultor da Anvisa volta a insistir no fato de o consumo ainda não ter sido aprovado. "O problema não é a contaminação externa da minhoca, mas as toxinas que ela naturalmente pode ter."

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