S. Com raça e classe: combater o racismo na luta contra o capitalismo
Hoje, mais de metade da população brasileira descende dos negros e negras
africanos, que foram arrancados de suas terras e trazidos para cá como
escravos.
Foram quase 400 anos de sofrimentos, torturas e mortes. Mas, não só isso.
Foram, também, séculos de lutas, rebeliões e busca incessante pela
liberdade, numa história escrita com a garra (e muitas vezes com o sangue)
de gen-te como Zumbi e Dandara; os Malês, em Salvador; os Balaios, em São
Luis do Maranhão; Luisa Mahim e seu filho poeta, Luis Gama, e uma infinidade
de homens e mulheres que se levantaram contra a escravidão e a opressão
racial.
De lá para cá, apesar de inúmeras conquistas, a história dos descendentes
dos cerca de 7 milhões de escravos que viveram neste país tem sido marcada
por essa "dupla realidade": exploração e opressão enfrentadas cotidianamente
com resistência e luta.
Como demonstram alguns dados citados no decorrer deste texto (cujos alguns
exemplos serão retomados abaixo), aqui, como na África, nos Estados Unidos
ou na Europa, o racismo é utilizado pela classe dominante para superexplorar
todo um setor da sociedade. Como dizia Malcolm X, não existe capitalismo sem
racismo.
Neste sistema, o lugar reservado para negros e negras é o da miséria, da
fome, da falta de ensino, do desemprego e da violência. Conseqüentemente,
não há como lutar contra o racismo, sem combater o sistema que se alimenta e
se beneficia dele e, mesmo que lutemos de forma intransigente e cotidiana
contra até a menor e mais sutil forma de discriminação, temos certeza de que
o racismo e suas nefastas conseqüências só poderão ser extirpados quando
conquistarmos a verdadeira liberdade, numa sociedade socialista. Não há como
alimentar ilusões - como apregoam os pretensos democratas e reformistas - na
"integração" do povo negro numa sociedade capitalista "mais humana".
Neste sentido, o programa que ora apresentamos reafirma que essa luta só
pode ser travada coerentemente em aliança com a classe trabalhadora e os
demais setores oprimidos e marginalizados da sociedade - particularmente o
movimento negro, cuja organização o PSTU incentiva e procura impulsionar.
Uma luta que, de imediato, deve se voltar contra três dos maiores males que
afetam a população negra: as desigualdades no mercado de trabalho, a
exclusão do processo educacional e a violência racial.
De acordo com uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas), em média, um trabalhador branco ganha 573 reais, enquanto um
negro recebe 262 reais. Uma situação que segundo Dieese, se agrava ainda
mais devido à incidência do machismo. Em São Paulo, para cada 100 reais
recebido por um homem não-negro, 62,5 reais são pagos para uma mulher
não-negra; 50,6 reais para um homem negro e apenas 33,6 reais para uma
mulher negra. Além disso, em escala nacional, a taxa de desemprego entre
negros é cerca de 40% maior do que a que se tem entre brancos. Uma situação
que só tenderia a se aprofundar com a implementação da ALCA. Por isso,
propomos:
- Denunciar e exigir a punição de todo aquele que, baseado no ra-cismo,
obstruir a entrada de negros e negras no mercado de trabalho, dificultar sua
ascensão e promoção profissional, impor critérios de remuneração
diferenciada ou se omitir diante de manifestações racistas dentro das
fábricas e empresas. Para as empresas que pratiquem tais atos, defendemos a
imediata estatização.
- Como essas diferenças salariais baseiam-se numa combinação de diferenças
regionais - no Nordeste e no Norte, 70% declaram-se negros, enquanto 75% da
população branca reside nas regiões mais desenvolvidas - e exclusão de
negros e negras de importantes setores do mercado de trabalho, defendemos
uma política de desenvolvimento de programas especiais para as regiões menos
desenvolvidas aliado à qualificação da população negra e, fundamentalmente,
à imediata implementação do critério de "salário igual, para trabalho
igual", já que, segundo a Fundação Seade, os brancos ganham até 47,8% a mais
que os negros para cumprir a mesma função.
Como já denunciamos, até mesmo na África do Sul, que viveu 46 anos sob o
apartheid, os negros melhoraram mais sua escolaridade do que no Brasil, um
país onde, em média, a escolaridade média de um negro de 25 anos gira em
torno de 6,1 anos; enquanto um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4
anos de estudo. Diante desta situação, defendemos:
- Apesar de considerarmos ações afirmativas e/ou reparatórias (como cotas no
ensino e nos serviços públicos e nos meios de comunicação, por exemplo)
extremamente insuficientes no combate ao racismo, acreditamos que elas podem
cumprir um papel na mobilização de negros e negras e, conseqüentemente, na
minimização do abismo histórico que separa negros e brancos, ao forçarem o
Estado a reconhecer sua responsabilidade nesta situação. Por isso, a
aplicação de cotas para negros e negras nas universidades, no serviço
público e na publicidade institucional, defendendo que as cotas sejam
aplicadas de acordo com a porcentagem de negros e negras existentes nas
diferentes regiões do país (assim, por exemplo, em S. Paulo, o mínimo seria
de cerca de 30%; em BH, de 50% e em Salvador, de 80%). Os recursos para o
financiamento desta e outras políticas reparatórias devem ser obtidos com o
não pagamento das dívidas internas e externas (municipais, estaduais e
federal).
- Uma política imediata de alfabetização e formação escolar da população
negra, que vise pôr um fim à enorme desigualdade que hoje existe, neste
campo, entre negros e brancos. Neste sentido, o PSTU luta por uma completa
modificação na estrutura educacional brasileira (primária, secundária e
universitária) que vise a eliminação de todos traços racistas,
discriminatórios e estereotipados em relação à população negra.
- A inclusão, nos currículos escolares, de disciplinas que visem a
conscientização da população em relação à questão racial e suas implicações
tais como: a História dos Negros e sua participação na formação do país; a
História da África e da dispersão da população negra pelo mundo; diferenças
étnicas e diversidade cultural e social produzidas por essas diferenças.
Essas disciplinas seriam criadas a partir de propostas discutidas pela
comunidade, estudantes, intelectuais e educadores negros. Neste sentido
também defendemos programas de capacitação de professores (dirigidos por
militantes negros) no que se refere ao trato da questão racial.
Um artigo intitulado "Negro morre a bala; branco, do coração", publicado na
Folha de S. Paulo (17/05/98), revelou que os homicídios por arma de fogo são
a principal causa de morte entre negros (enquanto é a quinta entre brancos).
Essas mortes são provocadas tanto pela violência que campeia na periferia,
quanto pela ação de policiais e "justiceiros". Diante disto defendemos:
- Combater, particularmente, qualquer ato de violência motivado pelo
racismo, seja ele praticado pelos órgãos de repressão institucionais ou
pelos grupos de direita existentes no país, exigindo a punição exemplar de
seus autores. Incentivar uma política de autodefesa das comunidades
atingidas pela violência.
Para combater as muitas outras facetas do racismo - na comunicação, na
Saúde, etc - apresentamos as seguintes propostas:
- Lutar contra todas as expressões de racismo e discriminação racial - seja
nos locais de lazer ou moradia, por exemplo -, denunciando e exigindo a
severa punição de indivíduos, organizações, entidades ou instituições que o
pratiquem.
- Combater a divulgação e utilização de qualquer termo pejorativo utilizado
para se referir aos descendentes dos escravos seqüestrados da África,
denunciando, particularmente, a utilização dos meios de comunicação como
veículo de difusão de estereótipos racistas e discriminatórios.
- Defender a total liberdade de expressão do povo negro e o resgate de suas
tradições e formas próprias de manifestação no campo social, cultural e
religioso.
- A combinação entre machismo e racismo vitima cotidianamente a mulher
negra. Diante disso, o PSTU defende, além do programa geral elaborado para
as mulheres, uma política específica para as mulheres negras que vise
com-bater o desemprego, a violência e baixa formação escolar que atingem
particularmente a população feminina negra. Neste sentido, o PSTU condena
particularmente a utilização do estereótipo da mulher negra como "pro-duto
de consumo e exportação", amplamente divulgado pelos meios de comunicação,
que em última instância, são em grande parte responsáveis (junta-mente com a
miséria generalizada) pelo enorme número de mulheres negras prostituídas.
- Defender o tratamento adequado e uma especial atenção às questões de Saúde
que, se combinadas com o fator raça (como a anemia falciforme, a hipertensão
e a miomatoses, entre outras), são agravadas devido à desnutri-cão, à
miséria e crônica falta de estrutura médica que afetam as comunidades onde
vive a grande maioria do povo negro.
- Defender a imediata concessão de posse e o direito de propriedade coletiva
dos negros descendentes de quilombolas conforme assegurado no artigo 68 das
Disposições Transitórias da Constituição de 1988 que prevê a emissão de
títulos de propriedade definitiva aos moradores dessas comunidades
remanescentes dos quilombos. Até hoje praticamente nada foi feito neste
sentido. Existem cerca de mil comunidades quilombolas como Oriximiná e
Trombetas, no Pará; Santa Isabel e Campinho, no Rio de Janeiro; Calungas, em
Goiás; Guariterê, em N'lato Grosso; Cafundó, em São Paulo, entre outras.
- No que se refere particularmente ao tema das terras quilombolas, e como
parte da campanha contra a ALCA, defendemos particularmente as terras de
Alcântara, símbolo fundamental da luta de nossos antepassados e principal
marco, na atualidade, da luta contra os ataques do imperialismo.