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Mãos limpas com CPI - 31.ago.2000 (CPI da Corrupção)

Louvável, extremamente louvável que o presidente FHC venha agora a público desfiar boas intenções em relação à moralização da vida pública nacional, exigindo decência e mãos limpas no seu governo.

Pena que o faça somente após ter cumprido quase seis anos de mandato e abafado vários escândalos de corrupção, entre eles a ‘pasta rosa‘, o caso Sivam, a compra de votos para a reeleição, a privatização das teles, a ‘doação‘ de cerca de US$ 1,6 bilhão para os bancos Marka e FonteCindam e o mais recente, que envolve relações do seu braço direito, Eduardo Jorge, com o foragido número 1 do Brasil, o juiz Nicolau dos Santos Neto.

Nesse último caso, o Ministério Público já comprovou o roubo de, pelo menos, R$ 169 milhões dos cofres públicos, dos quais R$ 90 milhões ainda não se sabe onde foram parar. Em caixas de campanhas eleitorais? De quais candidatos? A sociedade precisa saber.

É claro que, em termos de ética na política, nunca é tarde para corrigir desvios e buscar um padrão honesto de conduta. O Brasil está há muito precisando disso. Mas, no caso desse governo, penso que a sociedade brasileira tem o dever de exigir uma única condição: aceitam-se até o arrependimento tardio e as promessas para o futuro, mas que não se deixe de investigar a fundo o presente e o passado para identificar os culpados pela roubalheira e acabar com a impunidade.

Mãos limpas, sim, mas sem ‘operação abafa‘ e com CPI.

O governo parece acreditar que já se safou das investigações por causa dos resultados parciais favoráveis que obteve, na subcomissão do Senado, com o esquema montado para o depoimento do ex-secretário-geral da Presidência e caixa de campanha de FHC. Parte da imprensa, subserviente ao poder, fez de tudo para amplificá-los. Mas isso não tem impedido que, a cada dia, surjam fatos novos e novas revelações que desmentem as declarações de EJ e demonstram que ainda há muito a investigar e a descobrir.

Como fazer isso, porém, sem ter poder para quebrar sigilos bancário, telefônico e fiscal, convocar testemunhas, requisitar documentos, exigir juramento dos depoentes e outras ações verdadeiramente eficazes?

Eu sempre parto do princípio de que todos são inocentes até prova em contrário. Mas estou convicto de que somente as investigações de uma CPI podem esclarecer até que ponto o governo está envolvido nesse mar de lama. E mais: estou convencido também de que somente a mobilização da sociedade vai levar o Congresso Nacional a instalar essa CPI de que o Brasil tanto precisa.

Os ataques que a cúpula do governo desferiu recentemente contra os procuradores do Estado e a nova tentativa de ressuscitar o projeto de Lei da Mordaça dão bem a medida do medo que esse governo tem do aprofundamento das investigações.

A verdade é que a atuação do Ministério Público tem dado cada vez mais visibilidade a crimes e criminosos que antes ficavam escondidos nas sombras do poder. É isso que está incomodando grande parte dos atuais governantes.

A falta de credibilidade do presidente FHC está chegando a tal ponto que até o ex-presidente cassado, Fernando Collor, se sente em condições de declarar publicamente que o seu governo se distingue desse pelo fato de não ter procurado impedir as investigações de corrupção.

E todos se lembram de que a situação começou a se complicar para Collor quando ele não soube explicar a aquisição de uma perua Elba. Agora, é preciso investigar o desvio, comprovado, de muitos milhões de reais _isso daria para comprar quantas Elbas?

O PT e as oposições estão tomando todas as medidas possíveis para elevar o nível de consciência e de mobilização da sociedade contra a corrupção e a bandidagem política que estão tomando conta do nosso país. Estamos fazendo isso tanto no Congresso como na organização de manifestações públicas. É preciso que os setores organizados da população continuem a dar o exemplo, mantendo a bandeira da CPI nas ruas.

Onde o Partido dos Trabalhadores governa, nós temos implantado, por exemplo, o Orçamento Participativo. O povo se reúne e decide como aplicar o dinheiro público. E exerce um controle cada vez maior sobre o governo. Esse é, sem dúvida, um caminho promissor para combater radicalmente a corrupção que está degradando o nosso país: o da democracia participativa.

Está chegando a hora de todas as pessoas de bem, de todas as pessoas éticas e honradas assumirem o controle da vida política do Brasil. É assim que nós vamos recuperar a auto-estima e a dignidade do povo brasileiro.


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