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moda / vintage

tropicalismo

estilo ácido reagia aos dias de chumbo do regime militar

Trinta anos depois, tudo conspira para reeditar -ao menos na aparência, que Wilde dizia ser também essência- os anos 1968/1972, a um só tempo deliciosos e malditos. O Brasil se dividia entre a carona no sonho internacional de liberdade e o pesadelo dos dias de chumbo do regime militar. Músicos, cineastas, dramaturgos e atores baianos, cariocas e paulistas, reagiam armados de atitudes e cores mais que vibrantes, fluorescentes, com as flores e mandalas abraçadas pelo movimento hippie e os brilhos da purpurina colada ao suor -antes do glamour rock.

Este era o país da costa de sol e sal e da precursora reverenciada pelo verso ambíguo "Carmen Miranda-da-da" no hino "Tropicália" ("Caetano Veloso", 68). Passados 50 anos da vanguarda antropofágica, tomava corpo uma segunda irreverência estética, notada mesmo no exterior durante o exílio de Caetano, Gil e cia.

Até o verão 2003 dá tempo de bordar um camisolão tipo Gal Costa, verdadeiro avatar feminino de Guilherme Araújo que inspirou identidade visual para seus empresariados baianos. Exceto para Bethânia, que se esquivou da frescura, mas acabou cheia de atitude dramática dirigida por Antônio Bivar em 73 ("Drama").

Em 70 Bivar também vagava na King's Road ao lado de outro autor, José Vicente ("Hoje é Dia de Rock", 70). Lindos, de cobertor de crochê cor-de-rosa, boá de plumas, cabelón e batom Mary Quant (Caetano também adotava boá-batom). Estilo que, em São Paulo, Rita Lee tornava ainda mais ácido, escancarando literalmente a fantasia: bruxa, alien e noiva com pandeiro.

No Festival Internacional da Canção, 69, Rita filosofava: "Astronarta libertado / Minha vida me ultrapassa" ("2001"). Naquele ano, nossa outra Monalisa era "Lindonéia", música caetana e depois tela de Rubens Gerchman, retrato de suburbana pop a contemplar a invasão baiana de São Paulo. A falange incluía um tal Edinísio (doce bárbaro de primeira ao vestir Gal com peles, dentes e ossos) e até a estreante de 17 anos Baby Consuelo, que jantava na cantina Gigetto com um retrovisor de carro amarrado à cabeça. Pelo amor de Shiva, alguém já foi além?

alvaro machado

foto folha imagem / Rita Lee em look tropicalista
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