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Tráfico no Rio

Beira-Mar atacava depósito do Exército

RICARDO FELTRIN
Editor da Folha Online

Luiz Fernando da Costa, 36, o Fernandinho Beira-Mar, é considerado um dos maiores traficantes de armas e drogas da América Latina. Nascido em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, ele não conheceu o pai. Foi criado pela mãe, dona Zelina, uma dona de casa e faxineira, que morreu em 1992 atropelada na rodovia Washington Luiz, no Rio.

Pobre, como a maioria dos meninos da Baixada, Luiz Fernando Costa encontrou no Exército uma opção profissional e uma forma de fugir da miséria. Mas não foi a profissão que o tiraria da pobreza, e sim o crime. Entre os 18 e 20 anos começou a praticar os primeiros assaltos. Lojas, bancos e até o depósito de materiais do Exército eram seus alvos principais.

Foi acusado de furtar armas pesadas do Exército e de vendê-las para traficantes do Rio.

Aos 20 foi preso por assalto, condenado a dois anos. Cumpriu a pena e, ao sair, voltou a morar na favela Beira-Mar, onde imediatamente se tornou um dos "cabeças" do tráfico local. Voltou à terra natal como um bandido respeitado até por traficantes rivais.

Ao mesmo tempo que ganhava dinheiro, investia na favela, ajudando a comprar remédios, roupas, comida e até pagando dívidas de jogo de amigos da infância. Por meio dessa "política" paternalista, era querido e protegido pelos moradores da favela Beira-Mar.

Ninguém sabe ao certo quanta cocaína movimentava a "firma" (como é chamada nos morros a máquina traficante).

A verdade é que entre 1990 e 1995 Fernandinho Beira-Mar conseguiu abrir canais próprios de distribuição de drogas --no atacado e no varejo. Morros como o Morel, Rocinha, Chapéu Mangueira e a favela do Vidigal eram abastecidos por seus "produtos", entregues em Kombis até então insuspeitas (ou, talvez, em ação facilitada por policiais corruptos).

O contrabando de armas e drogas chegava sempre aos morros cariocas por via marítima, aproveitando a enorme costa do Rio de Janeiro, cheia de praias desertas.

Ao mesmo tempo em que enriquecia, Beira-Mar tornou-se alvo de policiais civis e militares corruptos, que invadiam a favela semanalmente em busca de propina.

O traficante chegou a protestar que não aguentava mais ser "achacado" por policiais. Beira-Mar colocou a família para trabalhar também. Suas duas irmãs, Débora e Alessandra, teriam se tornado gerentes da "firma".

Ambas foram presas no Rio, acusadas de pertencer ao narcotráfico. Fernandinho seria ligado ao Comando Vermelho, maior facção criminosa do país.

Acabou sendo preso em 1996, mas não chegou a ficar um ano no presídio de Belo Horizonte.

Sua fuga é cercada de suspeitas até hoje. Agentes penitenciários foram acusados de facilitá-la, mas nada foi comprovado oficialmente. A corregedoria da Polícia Civil investiga o caso. Sabe-se que Beira-Mar saiu do presídio pelo portão da frente, andando.

"Surgiu uma oportunidade, e eu saí", disse ele, irônico, à CPI do Narcotráfico em Brasília, no final do ano passado.

Depois que fugiu, Beira-Mar teria se tornado uma espécie de "nômade". Paraguai, Uruguai e Bolívia teriam sido alguns dos países em que morara, fugindo de uma ordem de prisão emitida pela Polícia Federal no Rio.

Enquanto passava por esses países, Beira-Mar não apenas escapava da polícia, mas ampliava seu leque de amizades "ilegais". Deixava assim de ser um grande fornecedor de drogas dos morros fluminenses para se tornar um supernarcotraficante internacional.

Além de cocaína e maconha, Beira-Mar especializou-se no comércio ilegal de armas pesadas --principalmente as fabricadas na Rússia.

Foi nesse comércio que se tornou amigo dos principais líderes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), de quem se tornou o fornecedor oficial de armamentos de grosso calibre.

Por esse motivo, ele foi considerado mais um "revolucionário" na Colômbia, e ganhou proteção das Farc na selva amazônica. Até ser preso, em 21 de abril do ano passado, e extraditado, no ano passado. Quatro dias depois já estava em uma cela individual da PF em Brasília.

Depois o traficante foi encaminhado para Bangu 1, presídio de segurança máxima na zona oeste do Rio de Janeiro, onde é acusado de promover pelo menos duas rebeliões.

Em 27 de fevereiro Beira-Mar foi transferido para o presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes (589 km a oeste de São Paulo) após uma onda de violência que causou pânico no Rio e Baixada Fluminense e que teria sido comandada por ele. A permanência dele na cidade provocou resistência dos moradores.

No dia 27 de março ele foi transferido para a Superintendência da Polícia Federal de Maceió, em Alagoas, onde permaneceu sob forte esquema de segurança por 39 dias, retornando no dia 6 de maio para Presidente Bernardes. Segundo o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), o traficante ficará no Estado até que um presídio federal fique pronto e possa recebê-lo.


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