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Entrevistas

Klaus Hendriksen colecionou 334 troféus e medalhas na vela

Matuiti Mayezo/Folha Imagem
RODOLFO LUCENA
Editor de Informática da Folha de S.Paulo

Foi um prazer e uma honra entrevistar o senhor Klaus Hendriksen, medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 1963, para colher o primeiro de uma série de depoimentos dos brasileiros vencedores naquela competição.

Com sorriso largo, esse brasileiro nascido na Alemanha recebeu a equipe da Folha de S.Paulo em sua casa, às margens da represa de Guarapiranga, na zona de sul de São Paulo, onde ele mora com a mulher, Mirtes, em um pequeno santuário dedicado à vela e às coisas do mar.

Na sala, um grande aquário com peixes exóticos; na parede, um enorme mapa-múndi todo marcado nos pontos visitados pelo casal, em competições ou a turismo. Mais à frente, uma prateleira envidraçada guarda parte dos 334 troféus e medalhas que Klaus conquistou ao longo de sua carreira, inclusive o ouro do Pan.

Muito organizado, o experiente proeiro, que já participou de festas com o rei da Noruega e representou o Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio, teria todas as lembranças da conquista, não fosse um desastre. Certa feita, a família mandou as medalhas para limpeza em uma firma especializada, onde foram roubadas.

Em compensação, os Hendriksen guardam em perfeita ordem fotos e recortes de jornais e revistas contando as vitórias. Aqui, Klaus fala delas, mas não esquece também os maus momentos. Navegue com ele.

Folha: Onde e quando o senhor nasceu? Quando veio para o Brasil?
Klaus: Meu nome é Klaus Hendriksen, muitos acham que esse é um nome estrangeiro, mas, na realidade, é um nome brasileiro com K, como Kubitschek. Todos nós somos imigrantes ou agora ou cem anos atrás. Todos nós praticamente, viemos de fora. Assim, eu me sinto muito brasileiro, também, com o meu nome.

Nasci em 1934, em Hamburgo, na Alemanha. Passei épocas difíceis durante a guerra em Hamburgo. Perdemos quatro vezes a nossa casa com os bombardeios da cidade. Inclusive, sofri muito vendo pessoas morrendo queimadas pelas bombas de fósforo que foram jogadas sobre Hamburgo. Em 1946, meu pai, que era capitão da Marinha Mercante conseguiu ser piloto no canal de Kiel e nós mudamos para Kiel.

Folha: Kiel?
Klaus: A cidade de Kiel é famosa mundialmente porque tem a mais conhecida regata de barcos a vela, a Semana de Kiel. É tão conhecida ou mais como a Semana de Cowes, Inglaterra. E lá tem o Kieler Yacht-Club, onde aprendi velejar.

Folha: Isso com que idade?
Klaus: Em 1946, ou seja, com 12 anos. Lá fiquei até os 18. Feliz ou infelizmente, velejei demais, em vez de ir para a escola, sempre estava na água e assim, em 1952, eu não passei na escola, teria de repetir o ano. Preferi sair da escola e ser marinheiro, como meu pai tinha sido. Marinheiro num barco pequeno, precisava limpar os banheiros, era cozinheiro, fiz todo trabalho duro, que depois me ajudou muito na minha formação profissional, porque sempre reconheci os colegas mais humildes, as faxineiras da firma como seres humanos, que fizeram trabalho como eu, naquela época, praticamente criança. E tive a sorte também de ser parte do campo de treinamento para os Jogos Olímpicos de 52, em Helsinque, onde não velejei, era jovem demais, mas participei como parte do grupo de treinamento.

Folha: Como assim?
Klaus: Porque os velejadores, para se formar, precisam vários competidores. O melhor depois vai para os Jogos Olímpicos, como em quase todos os outros esportes. Assim, eu era um dos dez jovens que treinaram junto com os bons velejadores e um deles, depois, representou o Brasil em Helsinque.

Folha: A Alemanha?
Klaus: A Alemanha, em Helsinque. Bom, como eu era um péssimo aluno, entrei na Marinha Mercante e tive a sorte de trabalhar durante dois anos num navio que fez sempre a cabotagem da Europa para o Brasil, o Uruguai e a Argentina e, assim, aproveitei para visitar os iate clubes de alemães, porque nesses países há descendentes de alemães e eles velejam muito. E foi assim que conheci o Iate Clube de Santo Amaro, que fica na represa de Guarapiranga, aqui em São Paulo. Visitei os velejadores alemães no Rio, em Buenos Aires e em Montevidéu. E, um dia, um dos velejadores residentes no Brasil me convidou para trabalhar na firma de importação dele. Isso foi em 1955. Como na Europa tinha sempre o perigo e o medo de uma eventual 3ª Guerra Mundial, eu vim para o Brasil. Gostei demais, especialmente, das praias, das meninas, quem não gosta das brasileiras? Cheguei como imigrante e logo me naturalizei para poder participar das eliminatórias brasileiras para os Jogos Olímpicos.

Folha: A naturalização foi uma decisão sua ou foi uma proposta de algum clube?
Klaus: Não, foi uma sugestão, inclusive, do Comitê Olímpico Brasileiro e dos velejadores mais famosos. Mas eu também queria ser brasileiro, porque, realmente, vim para um país onde até hoje eu não estou arrependido. Gosto demais do Brasil, que é o melhor país do mundo. Nós temos nossos problemas, aliás, só um, que é honestidade, que é o problema de corrupção, que não vamos falar, mas todos nós sabemos a profundidade, que causa todos os problemas que nós temos. Fora isso, o Brasil, realmente, é um paraíso. E, assim, eu estou muito satisfeito de ter me naturalizado. Nos documentos constam natural de Hamburgo, Alemanha. Assim, me naturalizei e fui convidado por um velejador, meu vizinho aqui, na represa Guarapiranga, chamava-se Joachim Roderbourg, que tinha mais ou menos 15 anos mais do que eu. E, nós, ele representou o Brasil nos Jogos Olímpicos de 1956, na Austrália, na classe finn, em vela. classe finn é um barco pequeno, onde veleja uma pessoa só. E, assim, nós fizemos, entre outras, as eliminatórias para os Jogos Olímpicos de 1960, que foram realizados em Roma, na Itália, mas perdemos por menos de 1% de pontos e perdemos por falta de suficiente maturidade, porque um barco precisa ser dirigido como uma empresa. Ou seja, a gente ficou muito nervoso quando tinha um concorrente à nossa frente, em vez de ficar calmo e dizer "Olha aqui, como num negócio também, eu vou passar, eu vou ser melhor". A gente fez bobagens e assim perdemos as eliminatórias.

Aliás, nesse caso, também queria lembrar que, a meu ver, vela é um dos melhores esportes para a educação, porque não somente exige físico preparado _treinei todos os dias durante a semana quando trabalhava como vendedor de material elétrico. À noite, treinei especialmente nadando na represa de Guarapiranga. Sábado e domingo, somente velejando. Quer dizer, como esportista em vela, a gente precisa ter um bom físico. Segundo, precisa ter uma boa observação das circunstâncias climáticas de onde vem o vento. O vento vai aumentar ou diminuir? Isso como um homem de negócios que precisa conhecer o mercado. Ele precisa analisar o que vai acontecer. Terceiro, é muito importante a preparação do barco. Isso é a mesma coisa que um comerciante ou um industrial deve fazer, preparar sua firma. Não pode começar com grandes idéias, precisa começar pequeno. Arrumar aqui, arrumar lá e assim, paulatinamente, melhorar com o que ele trabalha. E no barco é a mesma coisa.

Folha: Nessas eliminatórias para os Jogos Olímpicos, você já estava velejando no flying dutchman com o Joachim?
Klaus: Sim, quando o Joachim Roderbourg voltou dos Jogos Olímpicos em 1956, da Austrália, eu comprei um flying dutchman e vou logo explicar por quê. Ele era uma pessoa pequena e eu sou um homem bastante alto, assim era uma combinação muito boa para o tipo de barco.

Folha: Quais as alturas e por que isso é importante?
Klaus: Eu tenho 1,85 m e ele tinha mais ou menos 1,70m. Assim, ele como pessoa pequena ficou dentro do barco, no leme, e eu, como pessoa mais comprida, fiquei pendurado fora do barco manejando as velas, especialmente, os spinnaker (tipo de vela triangular). Eu, inclusive, inventei uma maneira de manejar o spinnaker que os norte-americanos, que perderam de nós várias regatas nos Estados Unidos_ nós vencemos algumas vezes em Miami várias regatas_, chamavam isso klausmenship. Além disso, o flying dutchman, naquela época, era o barco mais moderno, como hoje em dia o carro de corrida de F-1, muito sofisticado, e justamente quem velejava nessa classe precisava se dedicar muito. Meu vizinho e eu, no nosso tempo livre, não fazíamos nada mais do que velejar no Brasil ou fora do Brasil e, praticamente, sempre por nossa conta, todo dia...

Folha: Os dois financiavam isso com seu trabalho?
Klaus: Com meu trabalho, eu vendedor, depois gerente de vendas, depois gerente-geral de várias empresas, ganhei muito bem, porque as empresas sob minha direção tinham muito sucesso. Assim, tinha dinheiro para poder viajar. O governo brasileiro, somente para os Jogos Olímpicos em Tóquio, de que nós participamos em 1994, nos deu um paletó e um par de sapatos. O resto nós mesmo que precisávamos comprar. Onde o dinheiro ficou? Não quero discutir. E, assim, nós escolhemos o flying dutchman, porque, realmente, precisava muita dedicação e meu amigo e vizinho era tão entusiasta quanto eu para velejar e assim nós tivemos muito sucesso.

Nós ganhamos um ano as regatas da Semana de Kiel, na Alemanha. Velejamos juntos em outros países da Europa e especialmente nos Estados Unidos, de onde eram os melhores velejadores e ainda até hoje são, nessa classe e em outras classes.

Três meses depois que perdemos as eliminatórias para Roma, eu e meu amigo estávamos completamente desmotivados e até queríamos abandonar a vela... Qualquer esportista que já conseguiu uma boa posição, um bom ranking nas competições, sabe que ele um dia cai lá de cima e, para se refazer, realmente, precisa de um esforço tremendo. Mas, por outro lado, isso era para mim uma grande escola também para a minha vida profissional, porque na vida profissional, como também na vida familiar, você tem altos e baixos, e não adianta, se você caiu, por qualquer razão, desistir. Você precisa analisar calmamente o que você fez de errado. Nós treinávamos nós mesmos para evitar esses erros que nós fizemos e isso nos deu a possibilidade de vencer as eliminatórias para os Jogos Olímpicos e ganharmos de pessoas como o melhor velejador do Brasil da época, a meu ver, Reinaldo Konrad, que também ganhou os Jogos Pan-Americanos de 1963, na classe sniper. Ele tentou no flying dutchman, mas perdeu de nós porque não tinha o preparo que nós tínhamos, apesar de ele ser um crânio na vela. Assim, nós ganhamos o Sul-americano e vários Brasileiros sempre na classe flying dutchman.

Folha: E como vocês chegaram aos Jogos Pan-Americanos de 1963? Houve um processo de seleção?
Klaus: Tivemos várias eliminatórias e sempre os melhores velejadores do Brasil, como os irmãos Schmidt, do Rio de Janeiro, que ganharam vários campeonatos mundiais, perderam para nós. O Reinaldo Konrad e outros grandes velejadores tentaram nos vencer, mas não conseguiram. Assim...

Folha: Na flying dutchman só uma equipe representava o país?
Klaus: Como em todas as classes da vela, somente um barco representa o Brasil e no caso do flying dutchman foi Joachim Roderbourg e eu. Antes do Pan, em 1963, ganhamos um campeonato em Miami, ficamos em 5º lugar no Campeonato Mundial, em Tampa, Flórida, melhor do que os alemães _os australianos ganharam e também ganharam os Jogos Olímpicos.

Folha: O senhor estava falando das eliminatórias?
Klaus: Tudo isso era parte da preparação para as eliminatórias. E assim tinham as eliminatórias no Rio de Janeiro, uma série de regatas que nós ganhamos, e aqui em São Paulo.

Folha: Alguma dessas foi mais marcante, marcou a definição de sua escolha como representante do Brasil?
Klaus: Nós sempre pensávamos, como eu também sempre pensei na vida profissional, que, como nós tínhamos nos preparado ao máximo, nós iríamos ganhar. Esse desejo de ganhar, mas não com ilusões, como hoje em dia os políticos fazem nas campanhas eleitorais. Não. Na base estava o que realmente fizemos, a preparação do barco, a preparação mental. É claro, existe um nervosismo muito grande, como em quase todos os esportes. Fala-se que muitos esportistas tomam, ainda hoje, tóxicos, produtos químicos. Eu preciso confessar: eu não tomei isso, mas eu tomei calmante, que todo mundo provavelmente, hoje em dia, também toma. Calmantes que são permitidos para que a gente afrouxe e não fique nervoso, porque em qualquer esporte, na competição máxima, se você ficar nervoso, você já perdeu. Também é muito importante a ajuda da esposa. Eu tenho uma esposa maravilhosa, sou casado há 39 anos. O pai da minha esposa era alemão, a mãe era de origem portuguesa, uma mistura muito boa, porque o avô do lado latino e a organização e a confiança especialmente do lado germânico. Temos um casamento muito bom, e ela me ajudou muito. Quer dizer, ela me acalmou também constantemente. E, para ter uma idéia, quando nós fomos depois para os Jogos Olímpicos, o Comitê Olímpico Brasileiro proibiu que os brasileiros esportistas levassem esposa, fumassem, bebessem ou mexessem com mulheres japonesas, no Japão. Para os americanos, o comitê dos EUA falou: "Não, vocês podem levar a esposa para justamente acalmar". E o que aconteceu? Os brasileiros que foram para os Jogos Olímpicos continuaram a fumar, continuaram a beber e continuaram a mexer com as meninas. Se tivessem levado as esposas, provavelmente o Brasil teria ganho mais medalhas. Com isso só quero ressaltar a importância da tranquilidade para o esportista. Não ganhamos os Jogos Olímpicos, fizemos o 8º lugar, infelizmente, porque compramos um barco novo...

Isso foi um grande erro. Nós trocamos o equipamento para uma coisa que nós achávamos melhor, mas não tivemos tempo para nos adaptar. Foi um erro. E depois o Joachim Roderbourg começou a velejar em alto mar, em Santos, e eu arrumei um jovem para velejarmos juntos no flying dutchman. Representei o Brasil em vários Campeonatos Mundiais e ganhei na Noruega e outros lugares, no Canadá etc...

Folha: Mas vamos voltar aos Jogos Pan-americanos de 63. Como era a divisão de tarefas na equipe?
Klaus: O timoneiro era o Joachim, que tinha que ficar no leme, e eu era o proeiro, que fica em frente e nas maiorias das classes, hoje em dia, fica num trapézio, com um cinto em volta do corpo, pendurado no mastro lá em cima, para ficar fora do barco, somente apoiado com os pés na borda.

Folha: Como foi a competição?
Klaus: Os Jogos Pan-Americanos, como os Olímpicos, normalmente são sete regatas. Em cada uma, o primeiro ganha mais pontos do que o segundo. Assim é o sistema, cada país faz um sistema de conta, mas, em princípio é isso. Como nas corridas de Fórmula 1.

Folha: As regatas foram disputadas onde?
Klaus: Foi escolhida a represa de Guarapiranga (zona sul de São Paulo), normalmente conhecida como represa Santo Amaro, como lugar de vela, no fim de abril. Era de um lado de Socorro até mais ou menos 10 km para o sul. Era a raia e conforme de onde vem o vento a raia é colocada mais ao sul ou mais ao norte. Quer dizer, o comprimento da raia não era de 10 km, mas, como a gente velejava em triângulo, a distância era de 10 km a 15 km, dependendo do vento, o que dá duas, três, quatro horas... Exige muito preparo físico e como, provavelmente, todos os esportes, hoje em dia, quando são feitos por amadores, ele precisa gastar todo o tempo que ele tem. Não pode ter outros interesses porque simplesmente não dá. No caso de esporte profissional, a pessoa treina oito, dez horas por dia, o que é um outro assunto.

Folha: Certo. Foram sete regatas, não é? Como foram? Teve alguma mais emocionante?
Klaus: Nós terminamos as primeiras seis regatas sempre em primeiro ou em segundo lugar, mas até a última regata não estava ainda decidido que nós seríamos os campeões. A mesma quantidade de pontos tinha a equipe norte-americana, que era um casal. Eu dormi no Iate Clube de Santo Amaro, onde as equipes de outros países também dormiram, exceto o meu timoneiro, o Joachim, que dormia em frente ao Iate Clube Santo Amaro, do outro lado da represa, onde ele tinha uma casa. E, assim, à noite eu tinha contato com os meus adversários, e eles tentaram me deixar nervoso. Queriam que eu tomasse muita cerveja, o que eu não fiz. Com brincadeiras, tentaram me excitar para eu ficar nervoso e não dormir bem. Mas consegui me livrar desses ataques de inimigos desportistas. Assim, até à última regata, não estava claro, se nós íamos ganhar ou não. Por outro lado, as outras duas equipes do nosso clube, que representavam o Brasil nos Jogos Pan-Americanos, ou seja, os irmãos Konrad e o Domschke, eles já tinham _o Domschke, na finn, e os Konrad, na snipe_ se tornado campeões. Além disso, havia mais duas ou três tripulações brasileiras, uma de classe lightening, dos irmãos Schmidt, mais uma terceira pessoa, que já estavam eliminados do primeiro lugar e só tinham conseguido o segundo lugar, e tinha um outro, da classe dragon, sr. Krueder, que já estava em quinto ou sexto lugar. Assim, quem tinha interesse em vela e todos os velejadores do Brasil estavam olhando para nós, a última equipe que podia eventualmente ganhar uma medalha de ouro para o Brasil. Isso, logicamente, era uma responsabilidade muito grande e deixava a gente também nervoso. E, assim, na última regata, nós conseguimos largar muito bem _na regata, a gente precisa ter uma posição muito boa na largada para já ter meio metro, um metro do concorrente mais importante. Assim, conseguimos o tempo todo ficar em primeiro lugar. Mas, de repente acabou o vento. E justamente onde estavam os americanos chegou o vento primeiro. Assim, pode se imaginar como nós ficamos nervosos. Eles nos ultrapassaram. Mas, depois, com esse sistema de klausmanship, essa maneira especial de manobrar o spinaker, nós conseguimos de novo passar e entramos na frente deles, poucos metros à frente deles, depois de mais ou menos três horas de vela.

Folha: E você foram recepcionados aí?
Klaus: Logicamente, foi uma festa fantástica, todos os velejadores que estavam lá no Iate Clube de Santo Amaro e, especialmente, aqueles perto da linha de chegada fizeram uma festa muito grande, foi uma emoção excepcional e para mim um dos pontos mais altos do esporte. O mais alto, na minha vida, foi quando eu entrei com a equipe brasileira nos Jogos Olímpicos, no estádio Nacional de Tóquio, com a bandeira brasileira, que foi transmitido para o mundo inteiro e isso me emocionou de tal maneira, que hoje eu nem olho a abertura dos Jogos Olímpicos de medo de ter um infarto porque é realmente uma emoção que não se pode explicar.

Folha: Como a festa seguiu?
Klaus: A regata terminou mais ou menos na hora do almoço. À noite tinha uma grande festa, e o Iate Clube de Santo Amaro, que foi fundado por alemães e tem ainda muitos sócios descendentes de alemães, não sabia como nos honrar, o que podia fazer para reconhecer esse grande feito que, justamente, três tripulações do clube participaram dos Jogos Pan-americanos e esses três foram os únicos brasileiros que ganharam a medalha de ouro. Assim, à noite, eles nos entregaram, a esses cinco velejadores, o título de sócio honorário, ou seja, até hoje sou sócio, mas não pago, o que também para um aposentado, hoje com 68 anos, é uma vantagem, sem dúvida. Quer dizer, foi uma festa tremenda e, para mim, além do orgulho de ser o melhor velejador dessa classe no Brasil, também, me ajudou muito profissionalmente a ter a convicção de que, se você se prepara bem para o seu esporte ou para a sua profissão, sabe o que você, realmente, deve fazer e faz dentro de um plano, você vai vencer. Assim, a vela me ajudou muito a subir na vida, porque eu cheguei aqui como simples marinheiro, nem falando português, pensando que no Brasil se falava espanhol, e assim trabalhando, sempre fazendo as coisas corretas, sempre seguras, sempre bem preparadas, eu venci na vida profissional também.

Folha: Com a medalha, vocês tiveram algum tipo de benefício financeiro ou profissional?
Klaus: Bom, naquela época, não tinha patrocínio como hoje em dia tem no esporte. Nós não tínhamos ajuda financeira de ninguém. Uma vez eu ganhei uma viagem para a Alemanha, de um sócio do nosso clube, que gostava muito de mim e queria me ajudar porque eu, realmente, era pobre. O resto eu precisava financiar do meu salário, da minha comissão, que ganhava como vendedor. Naquela época, ninguém tinha a vantagem de patrocínio. Mas, por outro lado, um dia eu tinha uma vantagem financeira fantástica, porque depois de muitos anos de ter trabalhado como vendedor e gerente de vendas me candidatei, por anúncio, numa firma alemã que queria abrir aqui um comércio de autopeças. E o dono pediu que eu mandasse um currículo em inglês _eu falo perfeitamente inglês e alemão e no português estou melhorando todo dia_ e eu também mencionei meu sucesso no esporte, especialmente que eu ganhei 334 troféus e medalhas para o Brasil. E, como ele gostou da minha apresentação do currículo e eu, inclusive, ofertei para ele uma alternativa, eu falei: "Bom, eu trabalho durante a semana, só posso me apresentar para o senhor no sábado, mas, como o senhor está na Alemanha, se o senhor quiser, eu invisto, eu pago a passagem aérea para a Alemanha, depois o senhor me devolve, mas eu só posso sair na sexta-feira à noite para estar sábado com o senhor e voltar sábado à noite para o Brasil". Assim, desta maneira de pensar o que o outro está pensando, ou seja, o homem de um grande império, não tem tempo, e vem um brasileiro, de longe, e ele investe o dinheiro para viajar, nem sabe se, realmente, eu vou pagar de volta. Recebi tudo em dinheiro. Mas isso também no esporte é a mesma coisa. Você precisa investir em alguma coisa. Você precisa investir numa sistemática. Você precisa confiar. Muito bem. Com isso fui para a Alemanha e ele, vendo o currículo, de novo falou: "Olha aqui, eu gosto de admitir esportistas de sucesso". Ele também tinha sido corredor antigamente, não chegou nem a ser campeão alemão, mas ele falou o seguinte: "O esportista, realmente, que consegue uma boa posição, ele precisa lutar, ele precisa se sacrificar em muita coisa e ele precisa ter garra e é isso o que eu preciso para um gerente-geral no Brasil. O senhor tem o emprego". E com o emprego nessa empresa, onde trabalhei 27 anos, saí agora, recentemente, aposentado, em janeiro deste ano e ganhei muito bem. Assim, eu posso dizer que isso foi para mim um prêmio, um pagamento de outra maneira, uma recompensa aos meus esforços. E eu tenho certeza de que qualquer jovem que seja um grande esportista, se ele não entrar na malandragem ou na boa vida, ele vai ter profissionalmente também um grande sucesso. Aliás, todos os outros ganhadores de medalhas de ouro de todos os Pan-Americanos que eu conheço e são do meu clube têm grande sucesso profissional. Em parte, ao meu ver, por causa desse preparo do esporte.

Folha: Depois do Pan, o senhor ainda avançou mais e foi disputar as Olimpíadas de 64.
Klaus: Bom, aconteceram as eliminatórias para os Jogos Olímpicos de 64 no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ganhamos também do Reinaldo Konrad, um grande velejador, que ganhou os Jogos Pan-Americanos da classe snipe de 63.

Folha: Em Tóquio, vocês ficaram em oitavo lugar?
Klaus: Oitavo lugar. Depois eu e meu amigo Joachim Roderbourg nos separamos. Eu comecei com um outro moço daqui e fomos ao Canadá, à Noruega, mas perdemos as eliminatórias de 67, para o México, e assim eu parei de velejar na flying dutchman porque em todos os esportes, uma vez que você está lá em cima, vai chegar o dia em que você não vai mais poder acompanhar os novos. Veja o Pelé, a mesma coisa. Não me quero comparar com o Pelé, mas a trajetória é a mesma. O Pelé parou no momento certo, quando estava no auge. E, quando eu era um dos melhores em vela no Brasil ou no mundo, também parei de competir.

Folha: Quando foi sua última regata competitiva?
Klaus: Depois ainda velejei na classe star, que é um barco maior, mas só com duas pessoas. É muito velejado também no Brasil, um barco muito caro. Velejei ainda no Campeonato Mundial de 1980, no Rio de Janeiro, mas me classifiquei no meio e depois parei de velejar em competições.

Folha: Em 1980, o senhor parou?
Klaus: Em 1980, parei e vendi meus barcos de regata. E depois minha esposa e eu começamos a alugar veleiros maiores, para duas ou quatro pessoas, velejando com amigos, no Caribe e em outros lugares...

Folha: Mas só como turista?
Klaus: É muito mais barato do que ter um barco próprio, porque ter um barco em Santos ou Guarujá custa uma fortuna. Você precisa ter um marinheiro, sempre velas novas etc., assim, nós fizemos 36 excursões com barco alugado por uma semana, duas semanas pelo mundo inteiro: Austrália, Taiti, Europa etc.

Folha: O senhor falou que conquistou 334 troféus para o Brasil, o senhor tem idéia de quantas competições chegou a participar?
Klaus: Bom, essas medalhas são muitas vezes para sete regatas. Por exemplo, os Jogos Pan-americanos é uma medalha de ouro para sete regatas, e outras medalhas ou troféus são para uma regata só. Tem a regata de 24 horas na represa de Guarapiranga, que é uma regata só, mas, a maioria é de cinco até sete regatas, assim vamos, na média, colocar cinco regatas por troféu. Não, eu preciso me corrigir, porque há competições em que a cada regata de uma série de sete a gente ganha um prêmio. Assim, vamos calcular que são mais ou menos três regatas por troféu ou medalha, assim são mais ou menos mil regatas...

Folha: Vitoriosas, não é?
Klaus: Tiveram muitas que velejei e não ganhei. Não são sempre que ganhei. Mas, normalmente, no mínimo o terceiro lugar sobrou para a gente.

Folha: Dessas regatas, tirando as grandes conquistas, teve alguma mais emocionante, que deixou um gosto especial?
Klaus: Bom, há várias que realmente emocionaram. Uma, por exemplo, em 1962, um ano antes dos Jogos Pan-Americanos: nós velejávamos em Tampa, em São Petesburgo e na Flórida, o Campeonato dos Estados Unidos do Sul. Como naquela época éramos uma das três melhores equipes do mundo, de repente apareceu um avião pequeno, nos filmando o tempo todo, porque eu estava começando a usar aquela técnica, klausmanship, que era uma maneira de navegar com o vento de lado e o spinaker. Isso era uma coisa totalmente desconhecida no mundo inteiro. Hoje em dia é normal, mas na época eu precisava fazer equipamentos, cordas especiais, com nós especiais etc., e todo mundo nos Estados Unidos tinha ouvido falar do meu sistema, mas não sabia como funcionava. E o avião era pilotado pelo dono da maior fábrica de velas, chama-se North, que também tem fábrica no Brasil, hoje em dia, e ele estava espionando para um velejador americano, que depois velejou os Pan-Americanos, mas perdeu. Isso realmente me deixa também com muito orgulho.

Depois, uma outra coisa muito impressionante foi o seguinte: numa outra série de regatas nos Estados Unidos, nós tínhamos como adversário um homem muito conhecido, especialmente, nos negócios de televisão ou rádio, chamava-se Ted Turner, um magnata norte-americano, grande velejador. E ele velejava contra nós e pensou: "Aqueles brasileiros lá, os macacos da Amazônia, eu vou ganhar fácil". Ele nos tratou com muita arrogância. E ele perdeu. A primeira regata, perdeu; a segunda, perdeu de novo; na terceira, nem apareceu na série de sete.

Uma terceira história muito interessante: em 1967, nós velejávamos num campeonato na Noruega e ganhamos. E, no dia da entrega do prêmio, era 1º de julho de 1967, os prêmios, um troféu que recebi _um vaso de cristal_ foi entregue pelo rei da Noruega, King Olaf. Nós estávamos esperando a entrega do troféu e à nossa frente estava um velejador norueguês, alto, que era o príncipe Harald, que, hoje, é o rei da Noruega, que eu conheci nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Não pessoalmente, mas conheci. Quem não conhece um príncipe quando tem contato, assim, direto? E ao lado dele estava uma mulher bem pequenina. E, assim, eu falei para minha esposa: "Puxa, mas quem é essa mulher, o príncipe Harald não é casado..." Falei em português com minha mulher e, felizmente, não falei nada feio, porque a mulher se virou e se apresentou: ela era irmã do príncipe Harald, a princesa Ragnild, que é casada com o sr. Lorensen e os dois moravam no Rio de Janeiro. Como a mãe dela tinha morrido, ela representou a mãe nessas festividades...

Folha: Como se fosse a primeira-dama?
Klaus: Era a primeira-dama da Noruega e ela falando português. Eu fiquei tão feliz de poder falar português. E, depois ela falou assim: "Hoje, 1º de julho" _que por acaso é também meu aniversário, mas isso logicamente ela não sabia_ "o meu pai, o rei da Noruega, faz aniversário. Gostaríamos de convidar vocês ao iate dele _olha lá fora o iate grande_ para o jantar. Vocês aceitam?"

Folha: Não?
Klaus: Logicamente aceitamos. Ela falou: "Às 7h da noite vem um oficial com uma lancha, vai buscar vocês e leva para lá". E assim chegamos lá, e na subida do navio o rei da Noruega estava entregando para todos os homens um charuto e para as mulheres uma rosa. Foi realmente uma festa fantástica e que, como já falei, era também meu aniversário. E o Lorensen, os dois, a princesa da Noruega e o Lorensen, têm filhos no Rio de Janeiro que velejam também. Visitei a família depois, no Iate Clube do Rio de Janeiro. Na festa, ele conversou o tempo todo comigo sempre em português. Ele falou: "Agora você vai ver, agora lá está vindo o presidente de um banco da Noruega, só quer puxar saco comigo porque eu sou o genro do rei" e deu cada gargalhada e nós nos divertimos a noite toda. A política é assim, no Brasil é a mesma coisa.

Essa foi uma outra experiência realmente muito emocionante, mas, sem dúvida alguma, a entrada no estádio de Tóquio foi uma coisa inacreditável. Depois me telefonaram no Brasil os parentes da Alemanha, porque me viram na televisão...

Folha: Como o senhor compara os barcos e as técnicas de velejar de seu tempo e os de agora?
Klaus: Sim, é totalmente diferente. Naquela época, até 1970, no máximo 80, a vela em grande parte era ainda um esporte amador, porque não é só o dinheiro que faz um grande velejador, mas sim a persistência, a organização. Naquela época, era puro amadorismo. Muitos dos participantes norte-americanos, canadenses, já em 63, eram semiprofissionais, ou seja, eles vendiam barcos, velas, ganhavam dinheiro com isso. Assim, em dois terços do tempo, eles se dedicavam só ao esporte. Hoje, todos os velejadores de renome, como o brasileiro Robert Scheidt [iatista seis vezes campeão mundial na classe laser], têm patrocinadores, só fazem isso. Se não, não podem ter sucesso.

Folha: Sua mensagem para os velejadores de hoje ou para os esportistas em geral?
Klaus: Bom, tenho duas mensagens. Uma, para a juventude: se um jovem tem condições de praticar um esporte a vela ou esportes similares que não se refiram à água, mas ao preparo, onde você precisa preparar equipamento, onde você precisa aprender a trabalhar junto com o outro, como no barco, vocês são dois. Como a harmonia num casal. Você precisa saber tratar o outro. Tente usar um esporte em que você precise se preparar em várias áreas. Isso vai ser para você uma grande preparação para a vida profissional e familiar.

Para os esportistas de hoje e isso nos grandes sucessos que nós temos no esporte, como o Ronaldo tem no futebol: você precisa se dedicar 100% ao esporte. Você pode ter uma família, mas fora isso você não pode ter muitos outros interesses, se você quiser estar lá em cima.

A segunda mensagem, para aqueles que não são mais tão jovens _eu me sinto ainda não velho, mas mais ou menos jovem com 68 anos_, só posso dizer: pratique esporte. Eu, toda manhã, exceto domingo, que Deus fez para descansar, ando 40 minutos numa esteira elétrica, porque aqui em São Paulo você não pode andar na rua, correr ou andar rápido, não dá. Levanto às 6h da manhã e faço 40 minutos de esteira, relativamente rápido, com exercício de cabeça, de braços etc...

Folha: Mais os 60 degraus aqui de sua casa na beira da represa até a rua?
Klaus: Mais os 66 degraus subindo e 66 degraus descendo. E isso se você realmente faz, não só fala, mas faz, traz um benefício adicional inimaginável, que é o seguinte: todos os seus amigos e parentes vão dizer: "Ê, isso eu também faço", mas ninguém faz. E você fazendo, você pode se orgulhar de que você faz o que os outros dizem que fazem e não fazem. Isso dá para você um espírito de vencedor. E isso é necessário em tudo que você faz. Você deve ter pensamento positivo mesmo na pior situação que você passa e o espírito de vencedor. Porque cada um de nós temos nossa cruz para carregar. Você tem problemas, eu tenho, todo mundo tem. Eu, felizmente, tenho muito poucos, mas a gente pensa sempre que a própria cruz é a mais pesada...

E agradeça todo dia a Deus que você está vivo, que você pode olhar, pode andar, pode comer. Seja agradecido a Deus. Não peça nada. Agradeça. Essa é a minha mensagem.

E-mail: rlucena@folhasp.com.br

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