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moda / influência

máquina de fazer manias

saiba como cria a mais poderosa difusora de tendências do país

É sabido que são as telenovelas as principais responsáveis pela decodificação e massificação de tendências de moda no Brasil. O fenômeno da multiplicação de modismos é relativamente proporcional ao sucesso da novela, mas há muito tempo um figurino não dava tanto o que falar: as histórias, fofocas e lendas sobre as roupas dos personagens de "Celebridade" são tão numerosos que mereceriam um capítulo à parte na história da dramaturgia brasileira. E, por sua consistência, já entraram também para a cultura de moda no país.

Marília Carneiro é a responsável por vestir o imaginário do autor, Gilberto Braga, seu amigo de longa data. O trabalho começa como o de todos os envolvidos na produção: a leitura da sinopse. Ali ela vai conhecer todas as características do personagem e dar início ao trabalho de composição. Sempre em sintonia com seus seis assistentes, todos os atores da novela e com a participação do próprio autor.

"Só funciono em equipe. Já trabalhei com quase todos os atores; os que não trabalhei já ouviram falar de mim. E é essa cumplicidade que me move. Não sei trabalhar sem confiança", diz Marília, que já lançou moda com os trajes de "Dancin' Days" (1978), "Roque Santeiro" (1985) e, a mais recente, "O Clone" (2002).

Vivida pela estonteante Malu Mader, Maria Clara Diniz é a personagem com o maior guarda-roupa, com os principais desejos de moda do planeta -e também o mais caro. Gucci, Prada e Dolce & Gabbana são algumas das grifes usadas pela atriz na novela, além de os brasileiros Reinaldo Lourenço e Gloria Coelho.

"Ela é o poder, é tudo o que todo mundo queria ser. Não priorizei as grandes marcas, pensei primeiro na qualidade. Claro que uma roupa Gucci, por exemplo, tem um dos cortes mais perfeitos do mercado; então acabei 'grifando' a personagem. Mas a minha principal inspiração foi a Gisele Bündchen, glamourosa até mesmo sem acessórios ou maquiagem. Foi assim que visualizei a Maria Clara", revela a figurinista.

A personagem de Deborah Evelyn é outra adepta das grandes marcas internacionais: na sua arara só entram peças de Chanel, Dior e Yves Saint Laurent : "A Beatriz é a França profunda, ela seria incapaz de usar um estilista brasileiro. Para ela, o Brasil é um balneário", diverte-se, na entrevista concedida nos camarins da Rede Globo, no Projac.

Laura (Cláudia Abreu) é apontada pela figurinista como a maior lançadora de moda da novela. Seus lencinhos no pescoço e os brincos de crochê criados pela designer Junia Machado já viraram hit.

"Pensamos em um figurino mais humanizado, mais próximo da realidade brasileira, já que a sua personalidade é bem ficcional. Talvez por isso ela seja a mais copiada. Laura não tem um centavo, mas está sempre usando uma roupa bacana. É a típica consumidora que vai em uma loja e parcela suas compras em muitas vezes só pra poder estar na moda."

A grande diversão da figurinista (e do país) é a Darlene, manicure louca pela fama, moradora do Andaraí, subúrbio do Rio, interpretada por Déborah Secco. "A Darlene saiu do meu imaginário, nenhuma garota da Zona Norte se veste assim. Tudo começou quando vi na vitrine da Miss Sixty, na Oscar Freire, uma microssaia jeans pregueada. Como a peça era muito pequena, a calcinha ficava de fora, aí começamos a brincar com uns modelos mais divertidos e a personagem foi ficando mais colorida", diz. As presilhas foram idéia de Déborah, assim como a meia colorida usada com sandália: "Todo mundo pensa que foi uma auto-homenagem, que quis resgatar a moda de 'Dancin' Days', mas não." Resultado: o visual já foi adotado por adolescentes em todo o país. Ponto para Marília.

Os homens da novela também mereceram atenção especial. O mais bem-vestido é o jornalista Renato Mendes (Fábio Assunção): "Ele está sempre vestido para jantar no Spot. Pensei em um perfil de executivo paulistano, que só usa Daslu e janta nos restaurantes mais badalados. Apostei nessa ausência de cores, uma característica bem paulistana", comenta.

O Fernando (Marcos Palmeira) também começou a novela com um figurino bem sisudo, já que ele vinha de uma longa temporada na Europa, mas isso está mudando. Seus looks vêm ganhando brasilidade.

"Com a separação, a convivência com o pai no Andaraí o faz voltar às raízes. Assim, estou começando a colocar mais cores no guarda-roupa dele, mais sandálias e chinelos e menos formalidades no visual. O arquinho que ele usa no cabelo tem dado muito o que falar. Foi o próprio Marcos quem inventou. E eu adorei."

Uma das principais características do trabalho de Marília é a abertura às opiniões dos atores, o que acaba gerando situações bastante divertidas. E é a confiança deles que Marília usa para desfazer os mal-entendidos que pululam na imprensa e explicar as escolhas no visual dos personagens.

Quando Maria Clara Diniz (Malu Mader) chega de viagem segurando uma mala Louis Vuitton, seria só mais uma cena de aeroporto se o responsável pela marca no Brasil não estivesse vendo a novela e constatasse que se tratava de grosseira falsificação. No dia seguinte, mandou seis malas originais. "Quem cuida da parte de acessórios é o departamento de arte. Não sei como a bolsa falsificada foi parar lá. Só sei que as originais foram devolvidas", diz Marília.

Outra história é que, por usar tantas marcas internacionais e jóias caríssimas no figurino de Maria Clara, o orçamento teria estourado e Malu Mader teria se oferecido para arcar com as despesas excedentes."Não estouramos o orçamento. Depois que já tínhamos fechado todas as compras de figurino, Malu resolveu comprar uma peça para o guarda-roupa da Maria Clara Diniz. A Rede Globo prontamente reeembolsou a despesa. Foi um acordo de cavalheiros que foi parar na imprensa de modo irresponsável", esclarece. Agora, comenta-se que, ao ficar pobre, Maria Clara corte o cabelo.

Foram tantas as histórias colecionadas ao longo desses trinta anos, que Marília, auxiliada por Carla Mülheman, escreveu o livro "Camarim das Oito" editado pela Aeroplano, lançado no dia 9 de dezembro. "A minha história se confunde com a da TV brasileira e o livro conta um pouco da minha vida enfiada nos camarins da Globo", diz a figurinista. Sucesso garantido.

junior de paula

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