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03/10/2003
Entrevista: Dutra descarta 'trem da alegria' e defende sindicalistas na Petrobras
Presidente da empresa votou contra a quebra do monopólio, mas admite que mudança foi benéfica
ELVIRA LOBATO
da Folha de S.Paulo, no Rio
"A Petrobras está bem melhor do que o Brasil." Essa é a opinião do presidente da companhia, José Eduardo Dutra, 46. Como senador do PT em 1995, Dutra votou contra a quebra do monopólio da companhia. Em entrevista à Folha, afirmou não se arrepender da decisão, mas admite que a mudança fez bem à Petrobras.
Folha - Qual foi o resultado da quebra do monopólio?
José Eduardo Dutra - Foi positivo. A Petrobras preparou-se para a competição. Modernizou sua estrutura organizacional e as práticas de gestão, passou a ter índices maiores de lucratividade.
Folha - O senhor votou contra o fim do monopólio. Arrepende-se?
Dutra - Não me arrependo. Foi bom para a Petrobras, mas não tenho segurança para dizer se foi bom para o país. Ainda não há o necessário distanciamento histórico para uma avaliação.
Folha - O que o PT mudou na gestão da empresa?
Dutra - Quando assumi, havia expectativa de mudança no modelo de gestão. Mas a Petrobras está bem melhor do que o Brasil e tem necessidades menores de mudança. Apenas intensificamos o pilar da responsabilidade social.
Folha - Quantas pessoas o senhor indicou para ocupar cargos?
Dutra - Indiquei sete pessoas para trabalhar ligadas ao gabinete da presidência. Sou presidente da maior empresa do Brasil e tenho menos assessores do que tinha como senador de oposição. Disseram que fiz um "trem da alegria", mas isso é facilmente desmentido.
Folha - O senhor também foi criticado por colocar sindicalistas e pessoal do PT em cargos técnicos.
Dutra - O chefe de gabinete, Diego Hernandez, o assessor da presidência Armando Tripodi e o gerente de comunicação, Wilson Santa Rosa, são ex-sindicalistas.
As nomeações dos gerentes da Bahia e do Rio Grande do Norte também foram questionadas, mas eles não foram dirigentes sindicais, e sim da Aepet [Associação dos Engenheiros da Petrobras]. Não acho degradante ser sindicalista. O presidente Lula, vários ministros e eu fomos dirigentes sindicais [Dutra foi presidente do Sindicato dos Mineiros de Sergipe, de 1989 a 94].
Folha - Os senhor encontrou irregularidades de gestão?
Dutra - Não cheguei com o propósito de transformar a empresa em delegacia de polícia. Vou administrá-la olhando para a frente, e não pelo retrovisor.
Folha - O presidente Lula exigiu um índice de nacionalização na aquisição de plataformas. Um dos efeitos, pelo que se viu, foi o encarecimento das propostas. Não foi uma decisão equivocada?
Dutra - O encarecimento das propostas não se deu pela exigência de conteúdo nacional, mas por uma mudança tributária, no Rio, que impôs um custo adicional de ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços]. A exigência não tem caráter meramente ideológico ou nacionalista. É bom para a Petrobras que existam mais empresas aptas a participar das licitações. A fiscalização também fica mais fácil se a produção for no Brasil.
Folha - Por que o crescimento da Petrobras não reverte em preços menores para a gasolina?
Dutra - O lucro de R$ 9 bilhões no primeiro semestre foi alcançado sem aumento dos preços do diesel, da gasolina e do gás de cozinha. Pelo contrário, reduzimos o preço da gasolina em 10% em abril. A companhia recebe R$ 0,53 pelo litro de gasolina, que é vendido à média de R$ 2 nos postos. O preço está alto porque o preço do petróleo está alto.
Folha - Por que o país não consegue aproveitar industrialmente reservas de gás que descobre?
Dutra - Com a descoberta na bacia de Santos [de 70 bilhões de metros cúbicos], vamos rediscutir a estratégia da companhia, para incluir um plano de massificação do uso de gás natural.
Folha - O acordo para a compra de gás da Bolívia será renegociado?
Dutra - O acordo com a Bolívia foi feito com base em uma expectativa de consumo de combustível pelas termelétricas que não se confirmou. Ha uma cláusula que permite a revisão das condições pactuadas a cada cinco anos, em razão de desequilíbrio econômico financeiro do contrato, o que é o nosso caso. Queremos modificar os volumes e os preços contratados. Temos a obrigação de pagar por 24 milhões de metros cúbicos de gás, mas consumimos apenas 12 milhões. A renegociação é fundamental para que possa aumentar o consumo no Brasil e, consequentemente, para que a Petrobras possa comprar mais da Bolívia.
Folha - O governo privatizou o setor petroquímico, entre 1992 e 96. Por que a Petrobras quer voltar a investir nele?
Dutra - Ela saiu por decisão de governo, não por interesse empresarial. A petroquímica é a extensão do petróleo e todas as grande companhias petrolíferas atuam nesse segmento. Não propomos a reestatização do setor, nem queremos ter monopólio. Queremos atuar em parceria, focados nas áreas que tenham maior sinergia com o nosso negócio: poliolefinas: resinas, polietileno e polipropileno.
Faremos um saneamento do nosso portfólio, porque a Petrobras tem participação acionária em uma série de indústrias, mas sem participação na gestão. Vamos nos afastar de algumas e aumentar a participação em outras.
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