29/11/2004
Seu Dinheiro: Brasileiro evita gastança neste fim de ano
Escaldado pelas crises, trabalhador deve usar o 13º salário com cuidado e fugir dos juros altos nas compras
LUCIANO MARTINS COSTA
Free lance para a
Folha
Indicadores do Banco Central sobre o endividamento dos brasileiros e o crescimento dos níveis de emprego e renda apontam para um fim de ano diferente em 2004. A tendência, dizem os especialistas, é de as pessoas usarem os recursos extras do 13º salário para quitar dívidas, consumir com mais critério e destinar alguma sobra para investimentos de longo prazo. A primeira parcela deve ser paga até amanhã e o restante até o dia 20 de dezembro.
É como se, escaldado pelas crises e mais educado para lidar com a combinação de moeda estável e juros elevados, o cidadão estivesse dando sinais de que não pretende correr para o consumo desenfreado e o endividamento insensato.
Confiança
Para alguns especialistas, trata-se da combinação do aprendizado com os mais de dez anos do real e os últimos meses de estabilidade com recuperação da renda. Octávio de Barros, economista-chefe do Bradesco, observa que houve nos últimos meses não apenas uma redução do endividamento das empresas, mas também das famílias.
"Caiu a inadimplência das pessoas físicas, e parece que as pessoas vêm se educando ao longo dos últimos anos. Parece que a situação de estabilidade abre espaço e confiança para endividamento novo, mais saudável", comenta o executivo.
Dados do BC revelam que a inadimplência das pessoas físicas caiu de 13,4% em setembro para 12,7% em outubro deste ano, o menor índice desde o final de 2002. O volume de crédito se expandiu no último ano e apresenta um novo perfil: o uso do cheque especial cresceu 15,29% desde outubro de 2002, enquanto o crédito pessoal, fonte mais branda de financiamento, subiu 65,6%.
Quem estourou o limite do cheque especial para suprir suas despesas estava pagando em outubro juros anuais de 160,34%, enquanto os índices ficavam em 63,2% anuais para o crédito pessoal -ainda elevados, mas inferiores aos observados em janeiro do ano passado, quando chegaram a 83,6% ao ano.
Maturidade
Também se percebe mais cuidado com a preservação do patrimônio, segundo os analistas. "Os segmentos médios da população talvez estejam sendo motivados a aumentar sua poupança, dado o crescimento das aplicações em planos de previdência", comenta Barros.
Na sua opinião, essa tendência se manifesta numa maior demanda por financiamento e poupança de longo prazo. "Há uma mudança tênue mas já visível nesse sentido. Estamos ingressando numa fase mais madura", aposta o economista-chefe do Bradesco, observando que a percepção de ganho real e a queda na taxa de desemprego devem induzir os grupos de menor renda a aumentar o consumo seletivamente.
Paulo de Sá, estrategista-chefe da SulAmérica Investimentos, acha que um número maior de pessoas vai aproveitar o 13º salário para reduzir ou eliminar suas dívidas e fazer compras com mais cuidado, mas o cenário ainda não indica um fluxo espontâneo na direção de investimentos. "A pessoa investe quando há sobras ou quando há perspectiva de desemprego e instabilidade aconselhando a se precaver", observa, lembrando que a renda ainda não cresceu o suficiente para garantir sobras.
Juros altos
Na opinião de Paulo de Sá, a elevação da taxa de juros ainda não é percebida claramente como oportunidade para ganhar com investimentos. Por outro lado, os juros também devem inibir o consumo de produtos de valor mais alto, que exigem crédito, como os eletroeletrônicos, com exceção da indústria automobilística, que é beneficiada pela percepção de estabilidade, tem juros negociáveis e deve vender mais no primeiro semestre do ano que vem, acrescenta.
"Neste fim de ano, a estrela deve ser outra vez o telefone celular, por uma questão de status e porque as pessoas não precisam gastar muito com o aparelho, que é muitas vezes subsidiado pela operadora. A maioria quer estar sempre atualizada, com um aparelho novo, mas não gasta muito com o uso", diz.