Folha Online 
Ilustrada

Em cima da hora

Brasil

Mundo

Dinheiro

Cotidiano

Esporte

Ilustrada

Informática

Ciência

Educação

Galeria

Manchetes

Especiais

Erramos

BUSCA


CANAIS

Ambiente

Bate-papo

Blogs

Equilíbrio

Folhainvest em Ação

FolhaNews

Fovest

Horóscopo

Novelas

Pensata

Turismo

SERVIÇOS

Arquivos Folha

Assine Folha

Classificados

Fale com a gente

FolhaShop

Loterias

Sobre o site

Tempo

JORNAIS E REVISTAS

Folha de S.Paulo

Revista da Folha

Guia da Folha

Agora SP

Alô Negócios

Picasso 09/11/2002

O estilo de Picasso

Três ensaios de Meyer Schapiro sobre Picasso

VICTOR KNOLL

Obra póstuma "A Unidade da Arte de Picasso", de Meyer Schapiro, reúne três ensaios escritos em épocas diferentes sobre o pintor que ora figura na galeria dos artistas franceses --artífice do cubismo ao lado de Braque--, ora é reconhecido entre os espanhóis --o criador de "Guernica", denúncia dos sofrimentos impostos pela Guerra Civil. Trata-se da ordenação de apontamentos destinados a apoiar exposições orais em conferências e seminários sobre a obra de Picasso. O livro leva o título do primeiro texto. Talvez, o mais ambicioso, pois enfrenta uma opinião corrente, de algum modo já com ares de posição indiscutível, que reconhece a diversidade estilística e temática da obra do artista franco-espanhol. Desafios semelhantes, mas não tão controversos, ocupam os outros dois ensaios. Vejamos.

Um propósito comum perpassa o livro, conferindo-lhe unidade: os textos procuram desfazer --ou mesmo contestar-- três equívocos.

O primeiro, já explícito no título do ensaio, procura mostrar que a obra de Picasso é detentora de unidade, desde que a percorramos em todo o seu arco. Os diversos estilos ou projetos pictóricos aos quais o artista se entregou podem ser apreciados sob uma luz comum. "Assim, há dois tipos de transformação: da realidade para a abstração e da abstração para a realidade. Picasso é dotado para os dois, tem pleno domínio deles; é capaz de explorá-los e produzir milhares de tipos diferentes de pinturas por meio dessa descoberta da reversibilidade dos processos de transformação na arte."

Eis aí o que confere unidade à sua obra: a transformação da figura em abstração e da abstração em figura. Esse processo de transformação é o estilo, é o projeto pictórico de Picasso. Schapiro sustenta essa tese mediante o acompanhamento de sua produção desde as primeiras obras, em 1901, até fins dos anos 50.

O segundo ensaio, o mais longo, ataca as relações entre arte e ciência. De fato, tais relações podem ser vistas em determinadas obras ou mesmo em certas conjunturas históricas. A pintura renascentista é sempre o exemplo lembrado. Há quem tenha querido estabelecer uma continuidade entre a teoria da relatividade e o cubismo. Ora, assegura Schapiro, estabelecer um suposto vínculo acerca da concepção do real em Picasso e Einstein não é o caso. A mera contemporaneidade das revoluções não as torna irmãs. Cubismo na arte e teoria da relatividade na ciência, cada uma em seu âmbito, dão conta de realidades distintas.

A estética de Guernica

Por fim, o terceiro equívoco: "Guernica". Por força do tema dessa obra e da circunstância em que foi criada, cristalizou-se a tendência em vê-la como um libelo político. Que tenha o componente político quanto ao tema é certo; mas não é certo reduzi-la ao político. "Guernica" está inserida em uma "história estética".

Schapiro procurou desfazer equívocos que podem ser vistos como uma tentativa de enfrentar três preconceitos. O primeiro enfrentamento --a busca do reconhecimento de unidade na obra de Picasso-- é ousado; o segundo --não confundir os propósitos da arte de Picasso e a visão einsteiniana do Universo-- é clareza e discernimento críticos; o terceiro --despolitizar "Guernica"-- é correr o risco de ser alvejado pelas "patrulhas ideológicas".

Assim, enquanto o primeiro ensaio, que procura mostrar a unidade da obra de Picasso, é certamente o mais ambicioso, a engenharia crítica de Schapiro aplicada a "Guernica" é sem dúvida a mais delicada. Pois, apesar da virtude estética --aliás, incessantemente enaltecida--, "Guernica" sempre carregou um peso ideológico e, assim, sempre foi vista como um grito lancinante contra o despotismo. Entretanto, com muita habilidade e paciência crítica, Schapiro separa o joio do trigo. Temos a oportunidade de ver como "Guernica" se inscreve na evolução da obra de Picasso, segundo soluções formais e temáticas quanto à construção da figura. O assunto "cavalo", por exemplo, já está presente na obra do artista desde 1906 e sofre um desenvolvimento formal, ao longo dos 30 anos que se seguem, que resulta no modo como é tratado em "Guernica". O mesmo vale para a figura do touro.

Dessa maneira, Schapiro procura denunciar o equívoco presente na tendência de considerar "Guernica" como uma obra isolada, de modo que o aspecto político passa a dominar a sua contemplação. Apesar do caráter político do tema, essa pintura está inserida dentro da trajetória da produção artística de Picasso. E essa trajetória não pode ser minimizada e muito menos abafada pelo sentido político da temática. Trata-se de uma obra que tem uma coerência formal interna ao desenvolvimento da obra do pintor e em particular em relação à figuração. Ainda aqui se trata da unidade da obra de Picasso. A insistência no caráter político da obra, observa Schapiro, desvia a atenção do compromisso estético, o qual, afinal, deve ter prioridade, pois, antes de tudo, estamos diante de uma obra de arte. De resto, o crítico salienta que "Guernica" representa em primeiro lugar um extraordinário avanço formal na trajetória picassiana.

Já o ensaio "Einstein e o Cubismo: Ciência e Arte" tem um caráter técnico. Trata-se de mostrar que a relação espaço-tempo própria da teoria da relatividade não corresponde ao desmembramento do objeto e à superposição de planos na construção da imagem realizados no cubismo. A tese desse ensaio poderia encontrar a seguinte formulação: o cubismo não é uma ilustração da teoria da relatividade ou, ainda, não é a figuração da quarta dimensão. Cada qual em seu âmbito, Picasso e Einstein realizaram projetos autônomos. "Ao rejeitar a perspectiva matemática da arte renascentista, Braque e Picasso não estavam tentando substituí-la por outro sistema perspectivo que representasse uma forma diferente do espaço real ou imaginário."

Schapiro chama a atenção para o seguinte fato: enquanto a teoria de Einstein estabelece uma nova correlação entre espaço-tempo no Universo, a fragmentação do objeto no cubismo ainda parte de uma realidade vista a partir de três dimensões, o que na verdade reafirma a natureza bidimensional --e espacial-- da representação pictórica.

A reflexão de Schapiro na condução de sua argumentação está sempre referida a uma cerrada análise de obras. Nada é afirmado que não possa ser constatado em determinada pintura, desenho, esboço ou escultura. Essa prática confere às suas interpretações notável consistência crítica. O leitor, mesmo que de início reticente --em particular quanto à tese relativa ao reconhecimento de unidade na obra de Picasso--, aos poucos, por força da constatação das afirmações na obra, acaba por ceder à sua argumentação. Ou, ao menos, por tomá-la como razoável.

Victor Knoll é professor de estética do departamento de filosofia da USP.

A Unidade da Arte de Picasso
Meyer Schapiro
Tradução: Ana Luiza Dantas Borges
Cosac & Naify
(Tel. 0/xx/11/3218-1444)
256 págs., R$ 45,00

Assine a Folha

Classificados Folha

CURSOS ON-LINE

Aprenda Inglês

Aprenda Alemão


Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).