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21/12/2005

Paris - Noite branca

Como a maior parte dos parisienses, não nasci em Paris. No país basco onde nasci, o ar é muito puro, mas nunca acontece nada. E nada fica aberto à noite, com exceção dos cassinos e das boates patéticas que se chamam, como em toda parte da França, Le Macumba ou Le Copacabana

por Marie Darrieussecq

Anoite parisiense é feita de bares, restaurantes, museus, teatros, cabarés, boates e também de passeios a pé ou de bicicleta pela cidade, à beira do Sena
Faz quase 20 anos que vivo em Paris. E adoro Paris. Os parisienses têm uma tendência a esquecer que vivem cercados de beleza. Passam o tempo a queixar-se da poluição, das greves e das manifestações. Esquecem-se de olhar através do pára-brisa: a rue de Rivoli em pleno engarrafamento é um ponto de observação ideal para admirar a cidade, sobretudo à noite, quando a Place de la Concorde torna-se uma grande praia de luz amarela, com os grandes hotéis que a margeiam, os chafarizes, o obelisco, o Louvre de um lado, a Assembléia Nacional do outro, e o começo dos Champs Elysées.

Como se os parisienses já não dormissem muito pouco, a Prefeitura de Paris, de esquerda desde 2001, com seu simpático prefeito Bertrand Delanoë (escrevo "simpático" porque penso assim, e também porque, se ele ler a Folha, talvez arranje uma vaga na creche para o meu último pimpolho), esse simpático prefeito, portanto, além de ser um homossexual assumido e de intimidar de mil maneiras os velhos conservadores parisienses, decidiu que no primeiro sábado do mês de outubro, quando todos estão ainda sob o choque do fim do verão, não se dorme. É a chamada "Noite Branca".

Em francês a expressão "noite branca" significa: uma noite sem dormir. E não precisamente cor de leite. Antes cor de álcool, de festas e de luzes que dançam. Uma noite de insônia voluntária, uma noite para percorrer as casas noturnas, as galerias de arte, as ruas, as lojas, os museus, ou para bater à porta de velhos e novos amigos.

Assim, no primeiro sábado do mês de outubro tudo fica aberto. As casas noturnas, evidentemente, é o trabalho delas, mas também os museus, os monumentos, os jardins, muitas galerias e lojas. Saraus excêntricos são organizados, happenings, "propostas", "conceitos", enfim, todos esses artifícios que os artistas inventam.No ano passado, Sophie Calle instalou um quarto de dormir no alto da torre Eiffel e, no leito, convidava os visitantes a sussurrarem- lhe uma história ao ouvido, para adormecer. Neste ano, Grégory Chatonsky fez soar as cabines telefônicas, que se põem a vibrar e a acender. Pôde-se tirar do gancho o aparelho e falar com um desconhecido. Os jardins públicos foram transformados em cenas de cinema, de Hitchcock, Kubrick ou Lynch. Houve concertos em bancos, DJs em igrejas, karaokês em lavanderias. O jardim des Halles virou casa noturna brasileira. Projetaram-se filmes na parede do teatro da Ópera, cantou-se nos cinemas. Em suma: esse tipo de coisa.

Jacques Brinon/AP
Aavenida Champs-Elysées é realçada pela decoração de Natal. Ao fundo, a roda-gigante do Jardim das Tulheries
Aavenida Champs-Elysées é realçada pela decoração de Natal. Ao fundo, a roda-gigante do Jardim das Tulheries
É uma noite otimista. Pode-se alugar bicicletas em toda parte, o metrô e os ônibus funcionam até o amanhecer. Procura-se esquecer o medo dos atentados, abre-se gentilmente a bolsa ou a sacola e deixa-se que sejam examinadas pelos seguranças, passa-se por detectores de metais e... ufa! festeja-se.

Em Paris há um sistema de segurança perfeitamente cínico, para o qual, "graças" ao preço dos imóveis, os problemas sociais de toda ordem (não falo dos atentados) são relegados à periferia. Paris, cidade redonda, cercada por uma auto-estrada periférica que funciona como o fosso de um castelo fortificado, é uma cidade segura por ser burguesa e rica. Pode-se passear à noite em perfeita segurança, fazer a festa e interessar-se por arte contemporânea, porque os problemas estão lá longe, na periferia, a apenas dez minutos de carro. Paris é um museu que nunca fecha. É uma sala de cinema permanente. É uma loja cheia de espelhos. Paris se agita, Paris se diverte,

Paris faz a revolução. Paris inventa, esquece, recomeça... Quando eu era jovem (tenho "apenas" 36 anos, mas sou casada e tenho muitos filhos), Paris era uma noite branca para mim. Toda a cidade se oferecia, noturna, inteira, à minha descoberta. Eu realmente não precisava da municipalidade.

Minhas noites brancas começaram aos 17 anos e -vou decepcioná-los- inicialmente as passei estudando. A biblioteca do centro Pompidou ficava aberta até meia-noite. Eu lamentava ter de deixá-la, com a cabeça recheada de livros. Sentia-me como a Gata Borralheira, que deve escapar antes das 12 badaladas se não quiser ver sua carruagem transformada em abóbora.

Para voltar à minha casa, eu cruzava timidamente o bairro central dos Halles. Os pequenos restaurantes árabes, abertos junto à rua, vendiam chich-kebab a metro. Meia-noite era a hora em que as boates abriam, em que as sex-shops regurgitavam de clientes, e era a hora do pico para as prostitutas. Lembro-me de uma mulher loura, sumariamente vestida de couro preto, que chorava, o rímel escorrendo sob os olhos. Senti-me desamparada. Era eu numa outra vida, uma vida paralela atroz, e me agarrei aos meus livros, meus sinais exteriores de estudante. Há 20 anos essa mulher me persegue, gostaria de ter-lhe estendido a mão, de ter falado com ela, mas tive medo, simplesmente, como se o que me separava dela -circunstâncias trágicas, nada mais- pudesse de repente me abocanhar.

O bairro se aburguesou desde então, mas conserva um não sei quê de sórdido e belo ao mesmo tempo. À noite ele se solta, os turistas culturais já foram dormir, e seu passado ressurge nas prostitutas que ainda restam e nos restaurantes que não fecham. Zola chamava esse bairro de o "ventre de Paris" por causa do mercado aberto a noite toda, que distribuía carne e legumes por atacado. Mas, quando penso nas prostitutas, entendo isso como um ventre de mulher, a vagina de Paris -Breton disse que seu púbis era a ponta triangular da Île de la Cité, não distante.

Paris é um corpo enlanguescido ao longo do Sena, e que volta a despertar à noite. Um lobisomem, uma mulher vampiro. Há o risco de se perder entre Le Baron e Le Folie’s Pigalle -quanto a mim, minha boate chamava-se Les Bains Douches. Eu era dependente da Bains Douches. O barman me oferecia meu coquetel preferido, eu acreditava ser a rainha da noite. O patrão saudava-me com um beijo na face, e eu tinha a impressão de ter triunfado na vida.

Terminados os estudos, fechadas as bibliotecas atrás de mim, tive uns belos anos um pouco estúpidos antes que se abrissem -sem arrependimento algum- as portas das maternidades. E, quando as crianças berram às seis horas da manhã, o que querem que eu lhes conte das noites parisienses? Nem sequer saí para a "Noite Branca". Deito-me às 11 horas, com um livro e uma taça de chá. Também gosto muito, à noite, de estar na cama com meu marido. Não é muito subversivo, concordo, mas pergunto-me se é tão banal assim.

Hotéis

Hotel de Crillon
10, Place de la Concorde | Tel. (00/xx/33) 144-71-15-00 | www.crillon.com
Localizado a uma quadra da Faubourg Saint Honoré, paraíso dos fashionistas, tem suítes com quadros de Dali e Miró. Diárias a partir de US$ 550 (por pessoa).

Hotel Montalembert
3, rue de Montalembert | Tel. (00/xx/33) 145-49-68-68 | www.montalembert.com
Um dos primeiros "hotéis butique" de Paris, fica no coração da Saint Germain de Prés, perto das galerias de arte, antiquários, lojas de grifes e a poucos passos dos museus D’Orsay e Louvre. Diárias a partir de US$ 360 (por pessoa).

Best Western Axel Opera
15, rue de Montyon | Tel. (00/xx/33) 147-70-92-70
Recém-reformado, esse três estrelas oferece serviço impecável, comodidades e ótima localização: está a poucos passos do Teatro da Ópera e de da belíssima igreja da Madeleine. Diárias a partir de US$ 180 (por pessoa).

Restaurantes

L’Ambroisie
9, Place des Vosges
Decoração linda, à luz de velas, ótima seleção de vinhos e um menu dos deuses.

La Blanchisserie
24, rue d’Aguesseau | Tel. (00/xx/33) 141-31-31-41
Segue a onda catalã e serve deliciosos tapas. Funciona também como galeria de arte contemporânea.

Ozo
37, rue Quincampoix | Tel. (00/xx/33) 142-77-10-03
Bom local para o brunch ou um almoço rápido. Simpático, jovem e descontraído, entre Les Halles e o Marais, com freqüentadores do meio cultural.

Não deixe de ir

Museu Carnavalet
23, rue de Sévigné
Além da visita clássica aos museus Louvre e D’Orsay, vale conhecer o Carnavalet, no Marais, que guarda os móveis do escritor Marcel Proust e também conserva quadros, objetos e documentos da história da França.

Fundação Le Corbusier
8-10, square du Docteur Blanche | Tel. (00/xx/33) 142-88-41-53
O museu do maior arquiteto moderno fica em duas vilas por ele construídas, La Roche e Jeanneret. Conheça também seu apartamento (24, rue Nungesser et Coli).

Grande Epicerie de Paris
38, rue de Sèvres | Tel. (00/xx/33) 144-39-81-00
O "supermercado" do grupo Bon Marché é um dos paraísos da gastronomia no planeta. Passeio imperdível. Leve as delícias para comer no hotel.

Palais de Tokyo
13, avenue du president Wilson | Tel. (00/xx/33) 147-23-38-86
É o templo da arte contemporânea e dos jovens artistas. Tem uma lanchonete gostosa, com alguns dos melhores sanduíches de Paris.

Bastilha e imediações
Um dos principais palcos da badalação parisiense, ferve todas as noites.
Uma rodada pelos cafés da Bastilha é essencial para mergulhar na cultura da cidade.

Marie Darrieussecq é autora de "Porcarias" e "O Nascimento dos Fantasmas" (Cia das Letras).
Tradução de Paulo Neves

     

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