28/11/2005
Retrato da 3ª idade: Dinheiro é 3ª preocupação para o futuro
Pesquisa mostra que, ao planejar aposentadoria, família vem em 1º lugar; 85% esperam contar com os filhos
LUCIANO MARTINS COSTA
COLABORAÇÃO PARA A
FOLHA
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem |
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Clotilde Vidal Iglesia, 74, que trabalha para completar renda |
Quando se trata de pensar no futuro, o brasileiro médio se preocupa mais com a família e com a saúde do que com o dinheiro. E confia em que contará com o apoio dos filhos na velhice.
Esse perfil aparece na primeira pesquisa feita em larga escala sobre a percepção das pessoas a respeito do envelhecimento, iniciativa do HSBC, realizada em dez sociedades diferentes, como a China, o Brasil e o Canadá.
O quadro referente ao Brasil mostra que as preocupações quanto ao futuro são, pela ordem, "estar próximo da família e dos amigos", "ter boa saúde e estar fisicamente apto" e "não ter que se preocupar com dinheiro".
Intitulado "O Futuro da Aposentadoria num Mundo de Expectativa de Vida Crescente", o estudo examina as alternativas para uma população mundial cada vez mais longeva e com uma velhice menos passiva. Entre outras conclusões, o estudo revela que 80% das pessoas pretendem se manter ativas na velhice, se possível trabalhando.
Essa também é a proporção de brasileiros que planejam trabalhar depois da aposentadoria. O motivo, segundo Luís Eduardo Assis, diretor-executivo do HSBC, é financeiro. "Muitos se aposentam relativamente cedo, e os proventos do INSS não suprem suas necessidades", explica.
Segundo ele, há uma percepção geral de que o INSS não irá resolver necessidades da velhice, mas isso não gera grandes preocupações com dinheiro nem motiva as pessoas a planejarem o futuro.
No geral, os brasileiros entendem que a terceira idade é tempo de relaxar, diminuir o ritmo e passar mais tempo com a família e os amigos. A grande maioria (85%) espera poder contar com o cuidado dos filhos, mas se preocupa com a possibilidade de vir a ser um peso para eles (55%) e considera que o carinho da família e dos amigos é importante para ser feliz na terceira idade (77%).
"Aqui a aposentadoria não representa um rito de passagem, como em outros países, mas uma fase de descanso, a partir da qual a pessoa vai buscar outro trabalho mais leve", observa Assis.
A percepção de que investir nos filhos ainda é um bom negócio faz sentido, a seu ver, porque a previdência oficial não mantém o padrão da classe média, mas consegue atender quem ganha até R$ 1.000 por mês. "Esse é um dado pragmático que aparece associado ao grande valor que se dá à família e aos amigos no Brasil", diz.
Extremos
Pedro Pereira Filho, 59, solteiro, associado à Cooperativa dos Vendedores Autônomos do Parque Ibirapuera, em São Paulo, contribuiu para o INSS durante apenas três anos, entre 1990 e 1993.
Foi o único período de sua vida em que teve emprego com carteira de trabalho assinada. Nos 35 anos anteriores havia trabalhado na roça da família, em Mombaça, no semi-árido cearense.
Com problemas de saúde, começou recentemente a pensar em aposentadoria. Foi informado de que não tem direito ao benefício. "O jeito é voltar para o Ceará, onde os políticos ajudam a gente a se aposentar", conforma-se.
Pereira Filho provavelmente vai conseguir proventos de até um salário mínimo mensal, com base na lei nº 8.213, de 1991, e numa interpretação da legislação segundo a qual, até a Constituição de 88, o trabalhador rural era dispensado de contribuir para a Previdência.
O cearense Pereira Filho é um típico cliente do sistema previdenciário oficial, que se consolida como recurso essencial para a base da pirâmide social.
Na outra ponta, o advogado Samuel Grossmann, 71, goza o direito de ter tido a oportunidade de se prevenir para a maturidade. Ex-diretor de uma multinacional de alimentos, ele negociou sua saída da empresa pouco antes de completar 51 anos de idade, depois de haver contribuído com o INSS pelo teto máximo, e se aposentou com direito a receber proventos da previdência privada.
Com filhos adultos e sem dívidas, dedica-se desde então à Associação Brasil Parkinson, que fundou quando sua esposa teve a doença diagnosticada. "Se dependesse do INSS, teria hoje uma renda de R$ 2.000 por mês, o que não me daria qualidade de vida nem me permitiria ter as atividades que tenho", observa.
Para Grossmann, as pessoas deveriam ter uma atitude mais cautelosa e poupar para o futuro.
Meio da pirâmide
Clotilde Vidal Iglesia, 74, fica no meio da pirâmide. Ela pagou o INSS como empregada e fez sacrifícios para contribuir com o teto máximo relativo a dez salários mínimos na fase que antecederia seu direito à aposentadoria. "Mas, em 1994, fui informada de que o governo Collor havia diminuído o teto de benefício para sete salários mínimos. No final, acabei ganhando três salários e meio."
Iglesia poderia pedir revisão de seu processo e ter direito até a devolução de parte do valor das contribuições, mas ficou sabendo que, em muitas revisões, os requerentes acabavam tendo o benefício reduzido.
Atualmente, é dona de uma microempresa que fornece brindes e recebe R$ 716 por mês do INSS. "Ainda bem que tenho disposição e alegria para trabalhar e que minha filha me ajuda a pagar o seguro-saúde", diz Iglesia.