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09/06/2006

Cenário: Brasil - Carolina: uma cidade nos confins do Maranhão

O projeto Cine Mambembe rasga as entranhas do Brasil e chega a uma cidadezinha de beleza intocada, na Chapada das Mesas

POR LAÍS BODANZKY

Ricardo Zinner
O vilarejo de Carolina guarda marcas do passado colonial; a cidade é farta de cachoeiras e rios e considerada o paraíso das agues
O vilarejo de Carolina guarda marcas do passado colonial; a cidade é farta de cachoeiras e rios e considerada o paraíso das agues
Já tinham nos assoprado a cidade de Carolina. Só que eu não tinha a mínima idéia de onde ficava o lugar. Carolina fica no Maranhão, perto de Tocantins, bem embaixo. Para chegar lá, passamos por Piranhas, na beira do São Francisco –meio Bahia, meio Pernambuco, meio Alagoas– e aí fomos rasgando pelo sertãozão do Brasil.

Essa história começou há dez anos, quando eu e o Luiz (Bolognesi), meu marido, éramos realizadores de filmes de curta-metragem. Resolvemos montar um projeto de cinema itinerante e escolhemos públicos que tinham necessidade de assistir aos filmes (assim como nós tínhamos necessidade de mostrar). Segundo o IBGE, 92% dos municípios brasileiros não têm nenhuma sala de cinema.

Abrimos o mapa e começamos a pesquisar vilarejos. Alguns amigos indicaram Piranhas, cidade onde aconteceu toda a história do Lampião. Carolina também estava na lista. Um dos objetivos era conhecer lugares interessantes, a viagem tinha que ser um prazer.

Colocamos os curtas na mala e partimos em uma grande viagem, de sete meses, pelas entranhas do norte e nordeste do Brasil.

Pelo mapa, a estrada até Carolina era de asfalto, que um dia deve ter existido, mas na verdade era um grande buraco, que nos fazia andar devagar, desviando aqui e ali. Nós não tínhamos pressa, mas também precisávamos chegar em algum lugar no final do dia para dormir. Na parte de trás da Saveiro, aberta, ficava o equipamento, coberto por uma lona.

Fomos comendo poeira e acabamos pernoitando em uma cidade no meio do caminho, Nova York, que é exatamente assim: duas ruas. Não havia hotel em Nova York. Ficamos na casa de uma família, e a primeira coisa que eu perguntei foi: "Onde tem um banheiro, pelo amor de Deus?" A dona da casa me apontou: "Aqui", eu entrei e era um jardim. Eu disse: "Mas eu não entendi, onde é o banheiro?" E ela: "É aqui". E eu: "Ah, bom, já entendi".

No dia seguinte, avistamos Carolina. A sensação era de chegar a uma cidade grande, pois estávamos vindo da minúscula Nova York. Também parecia uma cidade fantasma. Na hora do almoço, quando o sol é forte e quente, o comércio fica fechado e não há uma pessoa na rua. Ficamos numa pousada simples e confortável, com comida gostosa.

Marco Antonio Sá/kino.com.br
Fundada na metade do século 19, Carolina fica na Chapada das Mesas, uma região deslumbrante que começa a entrar no circuito do turismo ecológico
Ricardo Zinner
Fundada na metade do século 19, Carolina fica na Chapada das Mesas, uma região deslumbrante que começa a entrar no circuito do turismo ecológico
Marco Antonio Sá/kino.com.br
Fundada na metade do século 19, Carolina fica na Chapada das Mesas, uma região deslumbrante que começa a entrar no circuito do turismo ecológico
Fundada na metade do século 19, Carolina fica na Chapada das Mesas, uma região deslumbrante que começa a entrar no circuito do turismo ecológico
Quando chegávamos a uma cidade, a primeira coisa que fazíamos era pedir apoio à prefeitura. E lá fomos nós. Em Carolina, não tivemos sessão na praça, o filme foi exibido na Câmara Municipal, reformada depois de abrigar o antigo cinema da cidade. Na hora marcada da projeção, ninguém apareceu. Era a primeira vez que isso ocorria. Descobrimos depois que naquele momento da sessão estava acontecendo a abertura oficial do verão, um evento tradicional aguardado por toda a cidade, com uma festa na beira do rio.

No dia seguinte a sessão lotou e foi lindo. E o debate com os adolescentes da escola pública foi um dos mais ricos e fortes que já tivemos. Perguntas interessantíssimas, inteligentes, comentários e impressões da vida deles. Percebi que toda vez que tinha debate com escola pública, cada um tinha uma característica. Mas sempre havia uma relação com a diretora da escola. Quando a diretora era uma pessoa especial, normalmente os alunos eram especiais. Em Carolina, conhecemos essa diretora espetacular, uma mulher maravilhosa que, eu soube depois, infelizmente acabou saindo da cidade. Os jovens ali eram apaixonados por ela.

Fundada na metade do século 19, Carolina fica na Chapada das Mesas, uma região de incontáveis e belíssimas cachoeiras, além de grutas, cavernas e formações rochosas que se assemelham a gigantescas esculturas naturais.

O mais incrível é que as águas não são geladas, têm uma temperatura agradável, deliciosa. É uma coisa muito louca, porque à noite faz frio, e de dia é muito, muito quente. Como num deserto. Eu me lembro de dormir na rede toda encolhida e de ter até câimbra, por causa do frio.

A cachoeira da Pedra Caída, também conhecida pelos nativos como "santuário", é de uma beleza única. Tem uma gruta que parece o cenário de um filme. Bate uma luz ali dentro, como se fosse uma fenda no meio da rocha. Lá embaixo, você encontra um riozinho de areinha e, ao lado, uma pequena praia. É uma luz linda e difusa. Enquanto íamos andando aquele riachinho ia alargando, ficando mais fundo... De repente, já estava batendo na cintura, depois no peito. E cada vez o espaço ia ficando mais mágico, mais forte. A gente não sabia se podia ir em frente ou não, dava aquele medo.

Só nos dois ali e, quando chegamos ao centro da gruta, fiquei impressionada. Parecia que tínhamos entrado numa igreja. É um impacto absurdo. Aquele eco, a luz que vem do alto e a queda d'água impressionante. Ficamos muito tempo ali, em silêncio, porque era um lugar sagrado. Pensava como a natureza pode ser tão forte, tão bonita e causar tantas emoções.

Não a emoção de aventura, mas a emoção de sentir a força que aquele espaço tem. Ainda mais porque ninguém tinha avisado sobre a beleza do lugar. O susto de descobrir aquela imponência foi enorme. Parecia um grande delírio, um sonho que estávamos vivendo. O lugar é lindo, lindo, lindo.

O prefeito de Carolina nos contou que está se esforçando para ativar o turismo local. Realmente, seria melhor que a região sobrevivesse do turismo do que das fazendas de gado e das plantações de soja, que acabam com a vegetação original. Os animais também estão sumindo, e as cachoeiras um dia vão desaparecer por conta disso, porque elas precisam dessa vegetação nativa.

Visita à aldeia Kraó Carolina está no meio de muitas aldeias indígenas que preservam a língua e a cultura. São povos guerreiros, e acho que eles só persistem por causa dessa característica. Fomos visitar a aldeia Kraó, uma delas.

Como o nosso carro não ia conseguir vencer aquele areão, fomos de caminhonete, com um motorista que estava morrendo de medo de ir para lá. Um pouquinho de razão ele tinha, e um pouco de inocência nós tínhamos também.

A sensação que tive quando cheguei à aldeia é que eu estava num outro país, porque ninguém falava português, só o cacique, e falava mal. Todos vinham conversar na língua deles e você não entendia absolutamente nada.

A sessão foi maravilhosa. Foi a primeira vez que eles viram uma projeção. O cacique nos contou que eles conheciam a Fernandinha. Depois, entendemos que era a Fernanda Torres, que lá filmou "Capitalismo Selvagem".

A noite foi mágica e de lua cheia. No meio da aldeia, montamos a tela. Quando acabou, cada um foi para sua casa e, imediatamente, instalou-se aquele silêncio. O Luiz queria sair para passear, mas eu não arredei pé. Aquela era uma região de onças. Se os índios não saem, por que eu vou sair? Dormimos ali, num dormitório coletivo, nós e todos eles, mais cachorros e galinhas. No dia seguinte, tomamos um banho de rio inesquecível. Primeiro o grupo das mulheres, depois os homens. Elas escovam os dentes com areia e têm dentes branquíssimos.

O banho estava tão gostoso que o Luiz não queria ir embora. Um índio ficou do lado dele. Ele se virou para o índio e disse que ficaria sozinho. O índio respondeu que isso não aconteceria, porque aquela era a hora em que a onça vinha beber água. Essa expressão lá é um fato.

Uma vaca para os índios No dia seguinte, na hora de partir, houve um momento delicado. O cacique nos questionava sobre o motivo da sessão, dizendo que queria ficar com o nosso equipamento. Depois de uma longa e tensa negociação, combinamos de enviar uma vaca, já que o gado é a moeda da região. E assim o fizemos quando chegamos à Carolina. Uma ONG que nos ajudou a entrar em contato com os índios mandou depois a vaca para a aldeia. O pico da aventura realmente foi a visita aos Kraó, em Tocantins, uma experiência inesperada, diferente de tudo.

Nunca mais voltei à Carolina, mas espero retornar em breve. Tudo o que aconteceu ali foi mágico, forte, intenso. Adquiri carinho por esse nome, ele ficou registrado na nossa memória. É o nome da nossa filha, de três anos.

Laís Bodanzky é diretora de "Bicho de Sete Cabeças" e "Cine Mambembe, O Cinema Descobre o Brasil", premiados no Brasil e no exterior. O projeto Cine Mambembe deu origem ao Cine Tela Brasil (www.cinetelabrasil.com.br), patrocinado pela Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR). A sala de cinema é transportada por um caminhão e montada em uma nova cidade a cada semana.

Hotéis

Pousada Águas do Cerrado
BR 230 - km 15 Tels. (0/xx/99) 3524-6877 e (0/xx/99) 8113-5535 www.carolina.com.br/aguasdocerrado
Fica a 15 km de Carolina, perto de rios e trilhas para caminhadas. Guias locais acompanham em visitas a cachoeiras e passeios de aventura. Os apartamentos têm TV e frigobar. Diárias a partir de R$ 30.
Recanto Turístico Pedra Caída
BR 230 - km 36 Tel. (0/xx/99) 3531-2318 www.carolina.com.br/pedracaida
Possui três quedas d'água, uma delas com 46 metros de altura. São chalés com energia elétrica, som e TV. O hotel fica em uma região de serra, a 35 km de Carolina. Oferece quadra de esportes, piscina de água corrente e trilhas. Diárias a partir de R$ 40.
Pousada dos Candeeiros
Av. Getúlio Vargas, 1.167, Centro Tels. (0/xx/99) 3531-2243 e (0/xx/99) 9954-2313 www.pousadadoscandeeiros.com.br
Nesse casarão histórico do século 19, o charme é a hospedagem acolhedora. O café da manhã é um capítulo à parte, com inúmeras delícias. Fica na parte mais antiga da cidade, perto da igreja matriz, numa larga avenida ladeada de mangueiras centenárias. Diárias a partir de R$ 40.

Não deixe de ir

Cachoeiras do São Romão
Chegar até elas já é uma aventura. Ficam a 70 km de Carolina, e o caminho, de estrada de terra, deve ser percorrido com pick-ups ou jipes. São quedas d'água localizadas no rio Farinha, um afluente do rio Tocantins.
Cachoeiras do Prata
Próximas às cachoeiras do São Romão, também ficam no rio Farinha, mas em uma região pouco desbravada, quase selvagem.
Cachoeiras da Pedra Caída
A 35 km de Carolina. Três fantásticas quedas d'água se destacam, sendo que no Santuário a cachoeira tem 46 metros e uma piscina natural.
Cachoeira da Mansinha
É uma reserva particular de proteção natural. Fica a 30 km de Carolina, indo pela BR-010. Uma deliciosa piscina é formada embaixo de sua queda d'água.

     

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