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O espírito das roupas

O espectro de Kate Moss aparece em desfile de Alexander McQueen, em Paris; o estilista usou um truque antigo de projeção para fazer a modelo flutuar dentro de uma pirâmide de vidro, numa imagem de grande força poética

Quem vê os desfiles internacionais na televisão ou nas revistas, imagina que tudo aquilo seja uma festa contínua, vivida por alguns eleitos, entre beldades degonsas e champagnes franceses. Sim, há muito de festa e mesmo de ritual, mas trata-se sobretudo de imensos aparelhos comerciais e de marketing regidos pelo trabalho incansável e por milhões de dólares. As modelos trabalham muito nessa época, e nos desfiles pode-se ver sinais nítidos de estafa em seus rostos. Os estilistas correm contra o tempo, seguidos por imensas equipes aflitas. As assessorias e os homens de negócios tramam almoços e jantares sucessivos para cercar os eventuais compradores. As pessoas adoram quando tudo está acontecendo e, ao final, esgotadas, adoram quando tudo aquilo termina.

Nos meses de fevereiro e março, a Folha acompanhou em Nova York, Londres, Milão e Paris os desfiles de outono-inverno 2006 para trazer aos seus leitores um balanço da temporada no Hemisfério Norte. A maior parte das grifes em todo o mundo não têm outra ambição que manter a tranquilidade dos seus negócios, às vezes milionários. Alguns poucos estilistas apenas se interessam em abrir novos caminhos para a moda –e são eles que, arriscando seu nome, vão definir de fato as tendências do presente e os rumos do futuro.

Moda é sobretudo imagem. Mas um crítico, após ver tantos desfiles, descobre que, por incrível que pareça, ela é também pensamento. Ao conceberem suas roupas, os melhores estilistas estão sempre refletindo sobre a mulher, seu poder e seu lugar no mundo. Por isso, a moda fascina tanto o gênero feminino. Ela não apenas dota as mulheres de beleza, mas acrescenta a isso uma imagem-idéia sobre a condição atual delas –e a condição desejada. Tendências são a repetição de certas imagens –ou estilos de roupas. Mas são também o conjunto das idéias mais sensíveis de uma temporada sobre o papel da mulher num dado momento.

Foi levando em conta o conteúdo das imagens, ou o "espírito das roupas", nas palavras da ensaísta Gilda de Mello e Souza –pioneira da reflexão sobre moda no Brasil, recentemente falecida–, que esta revista apresenta um balanço das tendências do prêt-à-porter internacional.

A revista Moda traz também uma retrospectiva dos desfiles no Brasil, ocorridos em janeiro, na qual se pode conferir a versatilidade e o esforço de criação dos estilistas do país, eles próprios ocupados com uma complicada tarefa extra: além de refletir sobre o lugar da mulher, definir a imagem da moda brasileira num mundo globalizado.

Alcino Leite Neto
foto Reuters/Charles Platiau